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Sharenting: o que é e por que você deveria se preocupar
Por André Lourenti Magalhães | Editado por Douglas Ciriaco
(Foto: Freepik)
É comum que os pais registrem todo o desenvolvimento de uma criança, desde fotos do ultrassom, nascimento, primeiros passos e por aí vai. No entanto, a publicação excessiva de conteúdos sobre uma criança nas redes sociais leva a uma prática chamada sharenting, capaz de trazer riscos a longo prazo.
O que é sharenting?
Sharenting é a prática de publicar muitas fotos e vídeos de crianças nas redes sociais. O termo em inglês é uma junção das palavras “Share” (“Compartilhar”) e “Parenting” (“Paternidade”), reconhecido até como um verbete oficial do dicionário Oxford.
Apesar de ser um hábito comum, o sharenting é usado para pontuar os casos excessivos de exposição dos filhos: o antigo álbum de fotos da infância foi substituído por perfis públicos em redes sociais e isso gera implicações com privacidade, direito individual e saúde mental da criança.
Quais os problemas causados pela alta exposição das crianças?
O excesso de sharenting, também conhecido como oversharenting, pode trazer diversas consequências a longo prazo. “Os principais riscos estão ligados à privacidade, segurança e proteção em geral dos menores”, explica o advogado da área de privacidade e proteção de dados, Guilherme Braguim.
Cuidado com o que posta
As questões de privacidade não se aplicam somente a fotos de crianças, mas nesse caso exigem atenção especial. As publicações expõem essas pessoas a um público não controlado e ampliam riscos de cyber bullying, assédio e, em casos graves, uso do conteúdo para conotação sexual.
Vale lembrar que não é só o rosto que fica exposto: as publicações também podem incluir informações pessoais sobre a criança, como o nome completo e o local onde estudam, e continuam disponíveis no acervo da internet a longo prazo. Podem servir como fonte para diversos cibercrimes, com uso de deepfakes ou roubo de dados — esses perigos já foram abordados em um vídeo chocante da operadora alemã Deustche Telekom (mas fica o alerta: o conteúdo é sensível).
Por padrão, as redes sociais oferecem restrições de conteúdo para contas de menores de idade — o Instagram coloca todas as contas de pessoas com até 17 anos como privadas e o TikTok bloqueia o envio de mensagens diretas para pessoas com até 16 anos, por exemplo. O problema ocorre quando os pais decidem postar materiais sobre os filhos em suas respectivas contas públicas ou criam perfis abertos para acompanhar o crescimento da criança, e não é possível ter controle sobre quem visualiza as informações.
Implicações no desenvolvimento da criança
O sharenting pode impactar diretamente na parte psicológica das crianças. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, a prática pode causar problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão, e engatilhar transtornos alimentares, como anorexia e bulimia.
Um artigo da Universidade de Antuérpia, na Bélgica, publicado no Children and Youth Services Review em 2019, analisou mais de 800 adolescentes para obter suas respectivas opiniões sobre a exposição na internet. Os resultados revelam que os jovens se sentem envergonhados com as publicações, especialmente quando geram comparações com outros colegas, mas tendem a aprovar a prática se os conteúdos são positivos ou publicados para fins de acervo.
Pais e mães também sofrem consequências negativas, como relata um estudo do Universal Journal of Educational Research sobre a relação dos adultos com o sharenting, publicado em 2020: os principais sentimentos negativos apontados foram a sensação de insegurança e as comparações dos filhos com os de outras pessoas, capazes de causar animosidades e dissidências.
O bebê como influencer
Os pais podem usar a imagem das crianças como forma de autopromoção dentro das redes, como se a imagem da criança ajudasse a pavimentar um caminho de influência digital.
No Instagram, a hashtag #babyinfluencer está presente em mais de um milhão de publicações, enquanto a tag #bebeinfluencer possui mais de 129 mil aparições. Já no TikTok, a hashtagh #babyinfluencer acumula mais de 177 milhões de visualizações nos vídeos.
A situação pode se tornar um problema para a privacidade e demanda o consentimento dos filhos. “Apesar do livre planejamento familiar ser um direito constitucional, isso não quer dizer que as crianças e os adolescentes são mera extensão da vida dos seus pais. Portanto, eles não podem gozar de maneira deliberada dos direitos dos filhos”, comenta a vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Piauí (IBDFAM-PI), Isabella Paranaguá.
Sharenting na justiça
Os pais podem ser responsabilizados por diversas consequências negativas que envolvam o sharenting, principalmente com base no Marco Civil da Internet. “O uso inadequado da imagem dos filhos pelos pais pode culminar em responsabilização cível, na forma de indenização, além de responsabilização criminal”, aponta o advogado Guilherme Braguim.
A divulgação indevida de imagens sem consentimento dos menores e o compartilhamento de conteúdos que possam trazer riscos ou exposição são outros pontos importantes nesse cenário. As pessoas afetadas podem se apoiar no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), além do Marco Civil.
O advogado também indica possíveis medidas para conter a exposição. “O “direito ao esquecimento”, por meio do qual pode-se solicitar a remoção de determinado conteúdo por não ser mais relevante ou pelo fato de trazer prejuízos ou constrangimentos”, explica Guilherme Braguim. “Também pode ser pleiteada a retificação das informações diretamente com o site, além de se socorrer das previsões do ECA, de medidas judiciais e da lei de direitos autorais, caso haja violação deles”, completa.
Ainda não existem legislações voltadas diretamente ao conceito de sharenting, mas o cenário pode mudar no futuro: o senado da França debate uma proposta para proibir o compartilhamento das fotos em redes sem a permissão das crianças e adolescentes, por exemplo.
O que fazer para reduzir a exposição
As preocupações do sharenting não significam que você não deve publicar nenhuma foto das crianças, mas é necessário fazer isso com cuidado para preservar a privacidade e os direitos dos pequenos. Caso você queira criar uma conta dedicada a um filho ou uma filha, é muito importante configurá-la como privada — dessa forma, é possível controlar quem pode segui-la.
Além disso, se você possui filhos com acesso ao celular, configure os sistemas de controle parental para filtrar conteúdos e monitorar o tempo de uso.
https://canaltech.com.br/internet/sharenting-o-que-e-e-por-que-voce-deveria-se-preocupar/