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Saneamento: Reforma tributária encarece tarifa, afirma associação

28 de março, 2024

Abcon vê risco de investimentos caírem 26% e conta de água ter aumento de 18%

Por Suzana Liskauskas — Para o Valor, do Rio

(Foto: Divulgação/Governo Federal)

Com a exclusão do saneamento dos regimes diferenciados na reforma tributária, o setor busca agora a inclusão, em lei complementar, de oito medidas para atenuar os efeitos do aumento dos encargos. O principal pleito é a previsão em lei complementar para a realização automática e anual de reequilíbrio em contratos de concessão especificamente relacionado aos impactos do aumento da carga tributária. Caso isso não aconteça, o setor alerta sobre o risco de não honrar o compromisso com a meta da universalização na prestação de serviços de abastecimento de água, para 99% da população brasileira, e esgoto, para 90%, até 2033.

“De uma forma geral, os reequilíbrios contratuais já estão previstos, porém o fluxo é muito moroso. Há questões de reequilíbrio no setor sendo discutidas há cinco anos. Defendemos que o reequilíbrio específico para os impactos da reforma tributária seja automático e anual”, diz Percy Soares Neto, diretor executivo da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon).

Francisco Leocádio, sócio da área tributária do escritório Souza Okawa Advogados e professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários e da PUC-SP, afirma que tem se discutido a criação de um mecanismo específico para esse reequilíbrio, de forma paulatina e com a devida recomposição, sem esperar de cinco a sete anos. “Os pleitos são para tratar de forma isolada, já que é tão complexa a apuração do impacto tributário”, diz. Ele acompanha as audiências públicas no Congresso que discutem instrumentos de ajustes nos contratos firmados anteriormente à mudança tributária, um dos pontos da reforma que ainda precisam ser regulamentados.

Se o reequilíbrio demandado pelo setor de saneamento não for contemplado, a Abcon Sindcon prevê queda de 26% nos investimentos das concessionárias. Outra consequência seria o impacto nos custos das tarifas, que pode ultrapassar 18% até o fim da implementação dos novos tributos, previsto para 2033. A entidade estima que orçamento necessário para o cumprimento das metas no prazo estabelecido está em torno de R$ 893,3 bilhões.

Antes da reforma, o regime de tributação do saneamento incluía somente PIS e Cofins (tributos federais), sendo isento de ICMS (estadual) e ISS (municipal). Com a mudança, além de continuar pagando pelos tributos federais – reunidos em um tributo só, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) -, o setor passa a arcar com impostos estaduais e municipais, consolidados no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Segundo estudos da Abcon, a estimativa é que a alíquota total incidente sobre o saneamento passaria dos atuais 9,25% para aproximadamente 27,5%.

Em ofício enviado à Coordenação das Frentes Parlamentares para Contribuição à Reforma Tributária, no início de março, a Abcon Sindcon detalhou propostas para mitigar os efeitos da reforma tributária. Além do reequilíbrio contratual, há demandas como equiparação de bens de capital, mecanismos para garantir o aproveitamento de créditos de PIS e Cofins e postergação do recolhimento de novos tributos para o momento em que as receitas forem recebidas.

A retirada do saneamento de um regime diferenciado na reforma, que lhe garantiria vantagens tributárias em vez de aumento da alíquota, é vista com preocupação por advogados tributaristas. O sentimento é de desestímulo a um setor essencial para a saúde da população. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), cerca de 30 milhões de pessoas vivem no Brasil sem acesso à água potável encanada e 88 milhões não têm coleta de esgoto (15,1% e 44% da população, respectivamente).

Abcon vê risco de investimentos caírem 26% e conta de água ter aumento de 18%

“O fato de o setor do saneamento ter ficado de fora de uma previsão explícita é razão para comprometer a previsibilidade da tributação quanto a um serviço público concedido e essencial, que deveria ser incentivado e não tratado como a regra geral”, afirma Cassiano Menke, professor de direito tributário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e sócio da área tributária do Silveiro Advogados.

Everson Santana, advogado na área tributária do Mandaliti, aponta incoerência na inclusão dos serviços de saúde no regime de tributação reduzida, mas com elevação no saneamento. “Não é razoável aumentar exponencialmente o ônus fiscal do setor e consequentemente a tarifa paga pelos consumidores finais, haja vista a tamanha essencialidade do serviço, um tema de saúde pública”, afirma. Para Douglas Mota, sócio do Demarest Advogados, é possível considerar o tratamento de água dentro do conceito de saúde, mas isso dependeria de lei complementar. “Há espaço para dar alguma flexibilidade tributária se o saneamento básico for contemplado dentro do conceito de saúde”, avalia.

Na análise de Rodrigo Petry Terra, especialista em direito tributário e sócio do Almeida Advogados, a reforma traz um retrocesso nas questões ambientais por não dar tratamento diferenciado aos setores de saneamento e reciclagem, apesar da previsão para que o Sistema Tributário Nacional observe o princípio da defesa do meio ambiente. Essa exclusão contraria práticas internacionais que utilizam instrumentos fiscais para promover a sustentabilidade, explica.

O Ministério da Fazenda foi procurado, mas não deu retorno até a conclusão desta reportagem.

https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/saneamento/noticia/2024/03/28/reforma-tributaria-encarece-tarifa-afirma-associacao.ghtml

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