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Provocações sobre o imposto seletivo da PEC nº 45/2019

28 de julho, 2023

Por João Vitor Xavier e Mariana Sanches Maia

No início deste mês, a Câmara dos Deputados aprovou a reforma tributária prevista na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 45/2019, e o texto agora caminha para apreciação no Senado.

Entre todas as mudanças no sistema tributário constitucional sugeridas, está a instituição de quatro tributos: a) Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS); b) Imposto sobre Bens e Serviços (IBS); c) contribuição transitória de competência dos estados; e d) Imposto Seletivo.

E, neste breve ensaio, nos debruçaremos sobre o item “d”, de maneira a levantar alguns questionamentos atrelados à instituição do Imposto Seletivo.

De acordo com o Relatório do Grupo de Trabalho da Reforma Tributária, a proposta é instituir um Imposto Seletivo “com um espectro de incidência melhor delimitado”, para substituir parcialmente o IPI.

Ainda segundo o documento, para a instituição do novo tributo, foram levados em consideração 1) o elevado potencial tributário, 2) a concentração da produção em poucos agentes econômicos, o que facilita a arrecadação e controle; e 3) a política de desincentivo ao consumo nocivo à saúde e ao meio-ambiente.

O texto aprovado na Câmara dos Deputados altera o artigo 153 da Constituição para instituir um imposto de competência federal, com arrecadação dividida entre os demais entes federados, que recairia sobre “produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos da lei”.

Há ainda previsão de que o Imposto Seletivo poderá incidir sobre operações relativas à energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais (artigo 155, §3º da CF), bem como sobre as importações, preservando-se a isenção em caso de exportação (artigo 155, §6º, inciso I).

Todavia, diante da redação ampla adotada pela PEC nº 45/2019, foi atribuído à lei federal o dever de definir quais serão os contribuintes do Imposto Seletivo, bem como o que seria considerando nocivo ao meio ambiente e à saúde. Além disso, ficou a cargo da lei criar condições e limites para a fixação de alíquotas, que poderão ser alteradas pelo Poder Executivo.

Definidas as balizas do Imposto Seletivo tal como proposto pela PEC nº 45/2019, convém posicionar o tributo a partir do que ele pretende substituir em nosso sistema tributário.

 O princípio da seletividade é aquele que orienta que a carga tributária seja imposta em correspondência ao grau de essencialidade do consumo: isto é, quanto mais essencial, menos tributação (e o contrário é verdadeiro).

No sistema tributário vigente a seletividade está presente sobretudo na figura do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), cujas alíquotas variam conforme a essencialidade do produtos industrializados e podem ser alteradas via decreto.

A lógica da seletividade para o IPI basicamente é calibrar alíquotas, via decreto, para desonerar bens mais essenciais e onerar produtos mais supérfluos. No entanto, tal ideal não é alcançado em sua plenitude porque a sua base de cálculo é inflada com outros tributos que não seguem o princípio da seletividade: as alíquotas são seletivas, mas a base de cálculo não.

No entanto, não nos parece que o Imposto Seletivo viria para resolver o problema da não consecução (plena) do princípio da seletividade que seria deixado pelo IPI.

A PEC nº 45/2019 propõe a criação de um imposto como meio de desestimular determinados comportamentos (função extrafiscal), e não apenas produtos industrializados — distanciando-se da lógica da seletividade e da base tributária do IPI. Ou seja, a lógica é onerar o consumo simplesmente porque ele precisa ser desencorajado, abandonando-se os objetivos do IPI de tributar conforme a essencialidade de cada produto.

Além disso, o Imposto Seletivo teria função arrecadatória; afinal, uma das justificativas definidas no relatório é o potencial tributário.

Neste ponto, entendemos que: a) o Imposto Seletivo não teria como norte o princípio da seletividade, tal como pensado pelo IPI. A ideia é desencorajamento do consumo nocivo e arrecadação; e b) o Imposto Seletivo não seria uma mera substituição do IPI, justamente porque o foco é o consumo atribuído a bens e serviços nocivos, e não simplesmente produtos industrializados.

Retomando a introdução deste ensaio, nos parece que existem alguns desafios a serem endereçado uma vez instituído tal tributo: 1) gerar menos regressividade sobre o consumo considerado nocivo, na medida em que o custo marginal dos bens e serviços aumenta e prejudica os consumidores mais pobres; e 2) ao mesmo tempo atingir a conformidade tributária dos setores e evitar que consumidores vão atrás de serviços e bens no mercado paralelo (ou seja, não onerados pelo Imposto Seletivo).

Neste cenário, nos parece que a lei (veículo normativo eleito pela PEC) terá um papel primordial para resolver (ou agravar) tais desafios, pois definirá os setores que assumirão o ônus fiscal e qual será a distribuição de carga tributária sobre o consumo considerado nocivo.

Espera-se, neste ponto, que haja critério para definição de tais balizas pela legislação, sob pena de não se atingir os objetivos fixados pelo texto da reforma tributária, quais sejam: desestímulo de comportamento nocivos e conformidade tributária.

João Vitor Xavier é especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), mestre em Direito Financeiro pela Universidade de São Paulo (USP) e advogado no Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados.

Mariana Sanches Maia é especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e advogada no Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 28 de julho de 2023

https://www.conjur.com.br/2023-jul-28/xavier-maia-provocacoes-imposto-seletivo-pec-45

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