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Projeto de lei do Sistema Nacional de Educação não entrega decisões do setor a sindicatos

10 de abril, 2024

Entidades aparecem em texto apenas como integrantes de fóruns, não em postos deliberativos; procurado, autor de vídeo diz que fez um alerta sobre risco à isonomia e autonomia dos entes

Por Clarissa Pacheco

O que estão compartilhando: que o Projeto de Lei Complementar (PLP 235/2019), do senador Flávio Arns (PSB-PR), cria o Sistema Nacional de Educação e dá autonomia e autoridade para que sindicatos como a CUT, a UNE e o MST decidam tudo sobre a educação do Brasil, retirando o poder de Estados, municípios, prefeitos, vereadores e deputados.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. No texto do projeto de lei não há qualquer menção a sindicatos terem autonomia para decidir sobre a educação no País. Especialistas consultados pelo Estadão Verifica descartam que a proposta beneficie grupos de esquerda ou de direita, ou que abra espaço para que sindicatos tomem decisões no âmbito educacional no lugar da União, Estados e Municípios.

Procurado, o autor do conteúdo verificado, Camilo Calandreli, disse que o vídeo é um alerta “com relação ao risco que teremos caso o debate não seja aprofundado na Câmara de Deputados com relação à autonomia e isonomia dos Estados, municípios e distritos”.

Texto do projeto de lei não dá autonomia para que sindicatos tomem decisões sobre a educação em detrimento da União, Estados e Municípios. Foto: Reprodução/Instagram Foto: Reprodução/Instagram

Saiba mais: O texto do projeto de lei em questão foi enviado pelo Senado à Câmara dos Deputados em março de 2022. O que o projeto propõe é instituir o Sistema Nacional de Educação (SNE) e fixar normas para a cooperação e a colaboração em matéria educacional entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. A proposta ainda não foi aprovada na Câmara, nem sancionada, ou seja, não se tornou lei.

Sindicatos não são mencionados no texto original, proposto por Arns. Depois de ser debatido no Senado, o projeto foi aprovado com uma nova redação, que tramita agora na Câmara dos Deputados. Neste novo texto, sindicatos aparecem apenas como entidades com direito à representação em dois fóruns, ambos promovidos pela União: o Fórum Nacional de Educação (FNE) e o Fórum de Valorização dos Profissionais da Educação. O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) não são citados.

Procurado, o autor do vídeo disse que fez uma cobrança para que duas instâncias permanentes citadas no projeto, a Comissão Intergestores Tripartite de Educação (Cite) e a Comissão Intergestores Bipartite de Educação (Cibe), “tenham única e exclusivamente funções consultivas no SNE, o que não está claro no texto apresentado”. É importante deixar claro, contudo, que o texto não prevê sindicatos entre os integrantes de nenhuma das comissões, que serão formadas por representantes da União, Estados e Municípios.

Projeto tramita em regime de urgência desde 2022

O vídeo investigado acumula mais de 55 mil curtidas no Instagram e foi publicado por Camilo Calandreli, ex-secretário de Fomento e Incentivo à Cultura no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

No vídeo, ele afirma que parlamentares de esquerda estão pressionando o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para que o projeto apresentado por Arns seja votado em regime de urgência. Na verdade, o texto tramita em regime de urgência desde março de 2022, quando chegou à Câmara. A proposta já não é mais a original apresentada por Arns, e sim um substitutivo apresentado pelo senador Dário Berger (MDB-SC) em 2021 e aprovado no Senado em 2022.

Há mais dois projetos apensados – ou seja, que passaram a tramitar juntos, por se tratarem da mesma matéria. O PLP 25/2019, proposto pelo deputado federal Idilvan Alencar (PDT-CE) e o PLP 109/2023, elaborado pelos deputados federais Adriana Ventura (Novo-SP), Evair Vieira de Melo (PP-ES), Kim Kataguiri (União-SP), Professor Alcides (PL-GO), Alex Manente (Cidadania-SP), Átila Lira (PP-PI) e Ricardo Ayres (Republicanos-TO).

O que é o Sistema Nacional de Educação

O SNE é uma forma de organizar a educação do País em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. A existência desse sistema está prevista desde a Constituição de 1988, no artigo 211. No entanto, ele não estava regulamentado por uma lei complementar, que é o tipo de lei responsável por fixar normas de cooperação entre os entes federativos.

Em 2019, Arns apresentou um projeto de lei complementar para instituir o SNE e fixar as normas necessárias ao seu funcionamento. O projeto tramitou de 2019 a 2022 no Senado Federal sob a relatoria de Berger, presidente da Comissão de Educação e Cultura. Em 2021, o senador apresentou um texto substitutivo, que acabou aprovado pelo plenário em março de 2022.

Projeto não cita educação entregue a sindicatos

Nenhum dos três textos que tramitam agora na Câmara fala em entregar as decisões sobre a educação do Brasil a sindicatos, nem mesmo o aprovado no Senado. Na verdade, os entes participantes do SNE, com atribuições delimitadas pelo texto, são a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal.

“O que esses projetos de lei buscam é fazer cumprir um dispositivo que já está na Constituição, que já determina que a definição das políticas públicas devem ser feitas em regime de colaboração entre União, Estados e Municípios“, explicou o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Alessio Costa Lima. “O que está sendo proposto é para forçar que a União não elabore as políticas públicas nacionais que chegam nos Estados e municípios de forma unilateral”.

Movimentos sindicais em geral são citados no projeto de lei na parte dedicada à representação no FNE. Para o autor do vídeo investigado aqui, o FNE é um “braço do esquerdismo na educação”, mas o Fórum, na verdade, não têm função deliberativa. O FNE é organizado pela União e funciona para mobilizar e fazer a interlocução com a sociedade civil, além de articular e coordenar as Conferências de Educação e monitorar e avaliar a execução do Plano Nacional de Educação (PNE).

A existência do FNE não é uma novidade: o Fórum Nacional de Educação existe desde 2010. Já nessa época previa a participação de representantes do poder público e de movimentos sociais, inclusive centrais sindicais que representam trabalhadores na educação, como observa o advogado Marcos Meira, mestre em direito administrativo.

O também advogado Marcos Jorge, coordenador jurídico do escritório Wilton Gomes Advogados, explica ser muito comum a participação da sociedade civil em fóruns e conselhos que regulam diversos temas de políticas públicas importantes, como saúde, educação e segurança.

“Em áreas que têm grandes categorias de profissionais, é muito comum a participação de representantes de entidades de classe. E, neste caso do Sistema Nacional de Educação, a gente não está falando apenas da educação dos nossos filhos, nós estamos falando dos direitos dos trabalhadores da área de educação”, aponta Marcos Jorge.

Relembre as siglas

  • Sistema Nacional de Educação (SNE)
  • Fórum Nacional de Educação (FNE)
  • Plano Nacional de Educação (PNE)
  • Comissão Intergestores Tripartite de Educação (Cite)
  • Comissão Intergestores Bipartite de Educação (Cibe)
  • União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime)
  • Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed)

Comissões Tripartite e Bipartite são formadas apenas por gestores de educação, não sindicatos

Os projetos em tramitação na Câmara também definem os papéis de duas instâncias permanentes de pactuação para o SNE: a Cite e Cibe. “A Cite, de âmbito nacional, é encarregada da negociação e articulação entre os gestores dos três níveis de governo, enquanto as Cibes, de âmbito subnacional, focam na negociação entre Estados e Municípios.

Ambas são responsáveis por definir parâmetros, diretrizes educacionais e aspectos operacionais, administrativos e financeiros do regime de colaboração, com vistas à gestão coordenada da política educacional”, explica Marcos Meira.

No vídeo, o autor do conteúdo argumenta que a Cite e a Cibe “vão funcionar obviamente como um mecanismo paralelo ao MEC (Ministério da Educação) para garantir que o processo ideológico seja cumprido sem muita interferência”, mas não há qualquer menção a esse tipo de viés no texto da proposta, nem à participação de entidades de classe ou movimentos sociais em sua composição.

De acordo com Alessio Costa Lima, havia interesse por parte de sindicatos e outras instituições para integrar a Cite e a Cibe, mas isso não foi incluído em nenhum dos textos em tramitação na Câmara.

Entre os documentos anexos à tramitação do projeto no Senado, há uma nota técnica enviada em 23 de novembro de 2021 aos senadores pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. A nota fazia sugestões ao texto substitutivo de Dário Berger e incluía uma sugestão sobre haver participação social nos sistemas de ensino, com o “envolvimento de movimentos, sindicatos e outras formas de agremiações organizadas na formulação, monitoramento, controle e avaliação das políticas educacionais”, mas a sugestão não foi adicionada ao texto.

A Cite, segundo o texto aprovado no Senado, deve ser formada por cinco representantes da União – um indicado pelo Ministério da Economia e quatro pelo Ministério da Educação; cinco representantes dos Estados, um de cada região, indicados pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed); e cinco representantes dos municípios, um de cada região, indicados pela Undime.

Cada cargo tem direito a um suplente. Os representantes dos Estados precisam ser, obrigatoriamente, secretários de Educação, assim como os representantes dos Municípios precisam ser secretários municipais de Educação, tanto na Cite quanto na Cibe. A indicação por parte do Consed e da Undime não significa que haja participação de sindicatos, segundo o advogado Marcos Meira.

“Eles não se enquadram como entidades de classe no sentido estrito, pois não têm como finalidade principal a representação dos profissionais da categoria, a exemplo dos sindicatos, associações profissionais e conselhos de fiscalização profissional. O foco está na gestão e na política educacional e não na representação dos interesses profissionais”, afirma Meira.

Por e-mail, o autor do vídeo disse que cobra que a CITE e a CIBE tenham papel apenas consultivo, e não deliberativo (com poder de decisão). Esse tipo de comissão e a forma como ela funciona, contudo, não é uma novidade – elas são comuns em áreas que detêm políticas públicas, como saúde, cultura, desenvolvimento social, esporte – e o papel deliberativo-consultivo é uma característica própria das comissões.

O presidente da Undime, Alessio Costa Lima, aponta que o papel é deliberativo justamente pelo fato de as comissões serem formadas por representantes do poder executivo no âmbito da educação – e são eles que respondem pelo sucesso ou pelo fracasso da implementação da política pública.

Sistema em consonância com o Plano Nacional de Educação

Ao Verifica, o autor do vídeo falou sobre o projeto de lei determinar que o Sistema Nacional de Educação deve estar em consonância com o Plano Nacional de Educação. O texto do Plano para 2024 a 2034 foi debatido e aprovado na Conferência Nacional de Educação (Conae) 2024 e será discutido no Congresso antes de virar lei. Para o autor, os sindicatos “compuseram de forma maciça e predominante a Conae 2024″ e “não permitiram o debate plural de ideias com a sociedade”.

A consonância entre o SNE e o PNE, contudo, não tem a ver com a Conae 2024, nem com o texto aprovado no Senado. Na verdade, a Constituição de 1988 define que o PNE terá duração de dez anos e que irá articular o Sistema Nacional de Educação em regime de colaboração entre União, Estados e Municípios.

O advogado Marcos Jorge observa que há participação dos fóruns e entidades de classe na formulação do PNE, mas não se trata de um documento com bandeira partidária, e sim de uma política pública de Estado. “O PNE traz diretrizes, metas, estratégias e políticas nacionais de educação para um período de dez anos. Não dá pra se falar que ele tem uma bandeira, seja de esquerda, de direita ou de centro. Se a gente for analisar em conjunto o SNE e o PNE, são dois dispositivos técnicos”, pontua.

Ele lembra, ainda, que o texto passará por uma discussão importante na Comissão de Educação da Câmara dos Deputadas, que é presidida por um deputado de direita, Nikolas Ferreira (PL-MG). “Não há motivo para preocupações, porque o que se está votando é um projeto de lei com dispositivos técnicos que não beneficiam direita ou esquerda”, completou. No dia 27 de março, a Comissão de Educação aprovou a convocação de seminários estaduais para debater o SNE.

https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/sistema-nacional-de-educacao-decisoes-sindicatos/

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