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Privatização da Sabesp: tarifa vai aumentar? pode ser aprovada via PL? saneamento será universalizado? Veja principais dúvidas

12 de dezembro, 2023

Por Gustavo Honório, Lívia Machado, g1 SP — São Paulo

(Foto: Ronaldo Silva/Ato Press/Estadão Conteúdo)

Aprovado na Assembleia Legislativa (Alesp) na noite desta quarta-feira (6), o projeto de lei de privatização da Sabesp precisa ser sancionado pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), autor do texto. O PL também precisa, obrigatoriamente, passar pela Câmara de São Paulo.

O governador afirmou que conversará com os 375 municípios atendidos pela Sabesp para a renovação do contrato de concessão até 2060, “garantindo a inclusão dos mais pobres e os investimentos necessários para a universalização”.

Na prática, ainda que sancionada, a privatização não deverá sair do papel antes do primeiro semestre de 2024. Poucas ou nenhuma empresa teria interesse de comprar a Sabesp sem a fatia da capital.

Como a privatização gerou uma série de questionamentos, o g1 selecionou os principais questionamentos sobre o processo. Confira:

💲 A tarifa de água vai aumentar ou diminuir?

Em entrevista ao g1, Natália Resende, secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, prometeu que a tarifa vai reduzir: “Está escrito na lei, né. A gente se amarrou, a gente quis fazer isso”.

Entretanto, a gestão estadual não explica quais regras, tampouco de que forma isso será feito.

Nesta segunda (11), em evento na capital, o governador contrariou a própria secretária e admitiu que a tarifa irá aumentar mesmo com a privatização.

Segundo o governo, será criado o Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento no Estado de São Paulo (FAUSP), que terá 30% do valor de venda das ações — além do lucro do Estado na empresa (dividendos) — direcionados para redução da conta de água.

Em estudo pago pelo governo para viabilizar a proposta recomenda o uso do dinheiro da venda da companhia para baixar tarifa de água. Mas o relatório não esclarece por quanto tempo isso deve ser feito e quanto de dinheiro precisaria ser usado.

O professor de ciência política Marco Antônio Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas, avalia que uma redução inicial de tarifas seria algo artificial, ou seja, não permaneceria no longo prazo.

“Aponta para a busca de um resultado sem considerar, pelo menos ao meu juízo, de forma clara, que, durante esse tempo, situações de instabilidade econômica, instabilidade climática, podem, inclusive, fazer com que a tarifa venha a aumentar além daquilo que gostaria”, afirmou.

O deputado estadual Guilherme Cortez (PSOL) também não acredita na redução: “Tarcísio quis ir na contramão de experiências nacionais e mundiais de privatização do saneamento, em que o resultado é o encarecimento da conta de água e a piora do serviço. Para negar essa realidade concreta, ele encomendou um estudo de R$ 71 milhões de reais, que concluiu óbvio: para isso acontecer, o Estado teria que subsidiar o valor da tarifa utilizando o próprio dinheiro da venda da Sabesp”.

Segundo ele, a ação é irracional: “É a mesma coisa que vender a própria casa e pagar aluguel para morar lá”.

🕑 O que acontece imediatamente após a aprovação?

A resposta imediata é: por enquanto, nada. O PL precisa passar pela Câmara de São Paulo — isso porque a capital representa 44,5% do faturamento da companhia. Pela lei municipal, qualquer mudança no controle acionário da Sabesp faz com que a Prefeitura de São Paulo volte a assumir o serviço de água e esgoto na cidade.

Pela lei municipal atual, o contrato entre a cidade de São Paulo se desfaz automaticamente com a mudança no controle acionário, ou seja, com a privatização.

“Art. 2º. Os ajustes que vierem a ser celebrados pelo Poder Executivo, com base na autorização constante do ‘caput’ do art. 1º, serão automaticamente extintos se o Estado vier a transferir o controle acionário da SABESP à iniciativa privada”, diz o artigo que rompe o contrato.

  • Uma vez desfeito, a capital terá que criar uma nova empresa de saneamento
  • A Sabesp deixa de fazer esse serviço
  • Atualmente, o tema está apena em discussão no legislativo municipal

Vereadores da oposição falaram ao g1 que não vão aprovar o orçamento sem que seja incluído recurso para que a cidade assuma o serviço de saneamento.

No entanto, a secretária de Meio Ambiente disse que essa obrigatoriedade não existe, já que a lei do novo marco do saneamento teria revogado a necessidade da aprovação por parte da Câmara. Vereadores de oposição procurados pelo g1 disseram desconhecer da legislação e que o governo estaria tentando criar subterfúgio para colocar o projeto em prática.

Apesar disso, Natália afirmou “estar muito aberta ao diálogo com todo mundo”, sob a perspectiva política. “Tanto que eu fui lá na Câmara [Municipal de São Paulo], a gente está dialogando com o Tribunal de Contas, com outras Câmaras também, com vereadores, com quem precisar, porque a gente tem muita segurança do nosso projeto”, pontuou.

⚖️ A privatização pode acontecer via projeto de lei?

A privatização da Sabesp ainda pode ser questionada na Justiça. Deputados da oposição questionam o fato de que a privatização está sendo votada como projeto de lei, não como uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

Para o professor de Direito Administrativo da USP Gustavo Justino de Oliveira, o processo de votação tem “vícios de inconstitucionalidade”. A Constituição do estado de São Paulo determina que os serviços de saneamento básico sejam prestados por concessionária sob controle acionário do estado.

Para a desestatização, seria necessário alterar o texto constitucional, já que o processo de venda faria com que o estado perdesse a condição de acionista majoritário.

“A Sabesp é uma empresa essencial ao setor de saneamento no estado mais populoso do país, e uma desestatização às pressas pode ser contraproducente à medida que o rito do PL é muito mais simplificado em detrimento do rito de aprovação de uma PEC”, afirma.

De acordo com o parágrafo segundo do artigo 216, “o Estado assegurará condições para a correta operação, necessária ampliação e eficiente administração dos serviços de saneamento básico prestados por concessionária sob seu controle acionário”.

“Caso o projeto seja aprovado, iremos aguardar a sanção do governador para judicializar via Ação Direta de Inconstitucionalidade”, afirmou o deputado Guilherme Cortez.

Para a secretária do Meio Ambiente, os questionamentos são meramente políticos. “Da perspectiva jurídica, a gente tem muita segurança de que o que foi encaminhado, que é uma lei ordinária, é o correto. O argumento político, não jurídico, de quem fala que precisa ser uma PEC é parágrafo segundo do artigo 216 da Constituição Estadual”.

“A Constituição não fala em momento nenhum que a Sabesp tem que ser de controle acionário do estado e que é vedado isso acontecer”, garantiu.

🚰 A privatização prevê a universalização do saneamento básico?

O governo estadual diz que sim — e promete universalizar a oferta de saneamento básico para os municípios atendidos pela Sabesp até 2029, com a inclusão de pessoas que vivem em áreas rurais e periferias.

Natália Resende disse que, com o atual plano de investimento da Sabesp (R$ 56 bilhões até 2033), não seria possível fazer a universalização nos 375 municípios. “Se a gente não fizer nada, a tarifa, naturalmente, aumenta. Com esse processo, a gente consegue fazer mais investimentos e usar uma parte do recurso, além do lucro do estado, para conseguir fazer redução tarifária”, afirmou.

A proposta, entretanto, não estabelece de que forma essa universalização, objetivamente, se dará. Principalmente em áreas que não darão lucro para a iniciativa privada.

Atualmente, 98% dos domicílios atendidos pela empresa possuem água tratada, e 83% têm esgoto coletado e tratado, mas o número não considera áreas rurais e favelas, por exemplo.

Para o Novo Marco do Saneamento, a universalização significa 99% da população abastecida com água tratada e 90% com coleta e tratamento de esgoto.

“A cidade de São Paulo é a maior fonte de arrecadação da Sabesp. Se o fim da iniciativa privada é a maximização dos seus lucros, eu questiono se os empresários da futura concessionária terão interesse em investir em municípios de pequeno porte que não garantam rentabilidade”, apontou o deputado Guilherme Cortez.

🏙️ O que acontece com as cidades atendidas pela Sabesp?

Há 375 municípios que atendidos pela Sabesp. Algumas das maiores cidades atendidas pela empresa, incluindo São Paulo, têm legislação municipal que prevê extinção do contrato caso o controle acionário da empresa seja transferido para a iniciativa privada, ponto que cria um obstáculo no processo de privatização.

Há dois caminhos principais para que o processo de privatização ocorra. No primeiro caso, as Câmaras Municipais devem se reunir e decidir se alteram ou não suas legislações. Na capital, ainda não existe projeto para que isso ocorra, mas há discussões a respeito.

O governo estadual aposta na outra alternativa para sustentar o processo: firmar contrato de concessão direto com as URAEs, que são as unidades regionais de serviço de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário.

Como o novo marco do saneamento, essa entidade foi criada para unir os municípios atendidos pela Sabesp em conselhos deliberativos. A capital aderiu a esse colegiado.

Os advogados Rubens Naves e Vera Monteiro, ouvidos pela TV Globo e GloboNews, dizem que o caminho jurídico mais seguro seria alterar a lei municipal a fim de permitir que contrato com a Sabesp continue mesmo com a mudança do controle acionário, mas não descartaram a possibilidade de firmar parceria com os municípios participantes da URAE.

🚫 Quais foram as ações da oposição?

Três deputados da oposição entraram com ações na Justiça de São Paulo contra o processo de privatização:

  • Jorge do Carmo (PT): entrou com uma ação questionando a tramitação em regime de urgência e a convocação de congresso de comissões (quando as comissões pelas quais o projeto tem que passar se reúnem para apreciar o texto juntas). Segundo o questionamento do deputado, pela importância do projeto, ele tinha que ser apreciado obedecendo ao rito parlamentar tradicional, passando comissão por comissão, sem prazo de urgência.
  • Emidio de Souza (PT): entrou com uma ação alegando que a Constituição paulista tem de mudar para acatar a privatização. A constituição do estado (leia acima) determina que o saneamento deve ser ofertado por companhia de controle do estado, a Sabesp. Se ela for privatizada, a constituição tem que mudar. A PEC precisa passar por duas votações, com três quintos dos votos, diferentemente de projeto de lei, que precisa apenas de maioria simples;
  • Guilherme Cortez (PSOL):também questionou o fato de o projeto de lei não ser PEC, além de não tramitar em duas comissões em que deveria tramitar, segundo ele, a de Administração Pública e a de Meio Ambiente (são obrigatórias no mínimo três comissões, e ficou definido que o PL tramitaria na de Constituição e Justiça, na de Infraestrutura e na de Finanças e Orçamento).

As três ações foram para o Tribunal de Justiça do estado, mas o TJ não acatou nenhuma delas. Além dessas ações, deputados também entraram no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Ministério Público (MP).

O PT e o PSOL protocolaram uma ação direta de inconstitucionalidade no STF questionando o decreto do governo do estado que criou novas competências para os conselhos deliberativos das URAEs (Unidades Regionais de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário).

Segundo eles, o decreto deu a esses conselhos o poder de alterar detalhes dos contratos da Sabesp com as prefeituras. Um dos pontos importantes da privatização é que em tese ela implica no rompimento automático do contrato com as prefeituras. A alteração das competências das URAEs, portanto, permitiria ao governo renegociar esses contratos via URAEs, sem que cada município renegocie individualmente.

A ação está a cargo do ministro André Mendonça no Supremo, indicado de Bolsonaro ao STF. Mendonça teve uma derrota política para Tarcísio em setembro. O ministro indicou uma pessoa para uma vaga no Tribunal de Contas do Estado (TCE), mas perdeu a disputa para o indicado do governador, Marco Bertaiolli (PSD).

A Bancada do PSOL também protocolou uma denúncia no MP contra o presidente da Sabesp, André Salcedo. Segundo eles, existe um conflito de interesse no processo de privatização.

Sabesp — Foto: Edi Sousa/Ato Press/Estadão Conteúdo
Sabesp — Foto: Edi Sousa/Ato Press/Estadão Conteúdo

Proposta

Uma das prioridades da gestão de Tarcísio de Freitas (Republicano), a proposta foi enviada à Alesp pelo governo em outubro, quando começou a tramitar na Casa.

A privatização da empresa já foi tratada de diferentes formas pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Durante a campanha eleitoral, ele defendeu o estudo da proposta, mas, horas após ser eleito, mudou de tom e passou a afirmar que ela seria “a grande privatização do estado”.

O modelo proposto pelo governo paulista prevê investimentos de R$ 66 bilhões até 2029, o que representa R$ 10 bilhões a mais em relação ao atual plano de investimentos da Sabesp, e uma antecipação da universalização do saneamento, de 2033 para 2029.

Os investimentos incluem, além da universalização dos serviços, obras de dessalinização de água, aportes na despoluição dos rios Tietê e Pinheiros, e ainda intervenções de prevenção em mudanças climáticas.

Quem é a Sabesp

A Sabesp é uma empresa de economia mista, ou seja, o controle é do estado, que tem 50,3% do seu capital social, mas outra parte é negociada em ações nas Bolsas de Valores de São Paulo e Nova York. Sua oferta inicial pública de ações (IPO, na sigla em inglês) foi feita em 2002.

Ela é considerada uma das maiores companhias de saneamento do mundo e atende 375 municípios paulistas, onde vivem 28,4 milhões de pessoas.

Já foi finalista de premiações, como o “Global Water Awards”, e é reconhecida internacionalmente pela contribuição significativa para o desenvolvimento internacional do setor de água.

Também presta serviços de água e esgoto em parceria com empresas privadas para outros quatro municípios paulistas: Mogi-Mirim, Castilho, Andradina e Mairinque.

É composta por mais de 12 mil funcionários e tem valor de mercado estimado em R$ 39 bilhões. No ano passado, anunciou lucro de R$ 3,12 bilhões, 35% superior aos R$ 2,3 bilhões de 2021.

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/12/12/privatizacao-da-sabesp-tarifa-vai-aumentar-pode-ser-aprovada-via-pl-saneamento-sera-universalizado-veja-principais-duvidas.ghtml

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