PORTFÓLIO
Por que festa dos coaches da conquista em SP pode virar cena de crime
Polícia Civil abriu inquérito para apurar festa organizada por dois coaches de namoro americanos, em mansão na zona sul de São Paulo
Vinicius Passarelli
(Imagem: Reprodução/Youtube)
São Paulo – Uma festa realizada em uma mansão no Morumbi, na zona sul de São Paulo, no dia 26 de fevereiro, virou caso de polícia após denúncias apontarem que o evento foi uma espécie de “aula prática” de um curso para conquistar mulheres, oferecido por dois coaches americanos.
O curso foi promovido pelo grupo “Millionaire Social Circle” (MSC), comandado pelos “coaches de namoro” David Bond e Mike Pickupalpha. As mulheres convidadas para a festa na mansão não sabiam o real objetivo do evento.
A Polícia Civil abriu investigação após uma mulher de 27 anos registrar boletim de ocorrência. Ela afirmou que foi convidada para a festa por um homem que ela conheceu em um aplicativo de relacionamento. O local estava cheio de estrangeiros que tiraram fotos e fizeram vídeos dela para promover o curso de conquista.
De acordo com juristas ouvidas pelo Metrópoles, o episódio pode configurar crimes contra a dignidade sexual, previstos no Código Penal brasileiro.
Crimes possíveis
Para a advogada Marcela Tolosa Sampaio, do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), o tipo penal mais provável é violação sexual mediante fraude.
Segundo ela, o fato de as convidadas não terem sido avisadas sobre o intuito da festa configuraria o caráter fraudulento do episódio.
“É necessário que se demonstre que as mulheres foram enganadas para estarem ali e se, em decorrência desse contexto fraudado, elas tiveram relações com os homens presentes. Nesse caso, o agente usa da fraude para impedir a livre e consciente manifestação da vontade da vítima e, assim, praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso”, explica Marcela.
A especialista afirma que o ato libidinoso pode ser caracterizado, por exemplo, por toque, beijo lascivo, contatos voluptuosos e contemplação lasciva.
A jurista aponta para o possível crime de tráfico de pessoas, definido no artigo 149 do Código Penal como “agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso”, com determinadas finalidades, entre elas, a de exploração sexual.
“O tráfico de pessoas se caracteriza pelo agenciamento dessas mulheres, também mediante uma fraude, um convite maquiado, que teria sido para uma festa e, no fim, era uma aula prática, com a finalidade de exploração sexual”, afirma.
No convite enviado a algumas mulheres pelas redes sociais, os organizadores chamavam para uma “festa inesquecível”, gratuita, com comida e bebida, e ainda ofereciam transporte. Em nenhum momento é mencionada a existência do curso.
Outros dois crimes possíveis, mas com menor potencial de serem considerados diante do que se sabe até o momento, segundo a advogada, são os de favorecimento da prostituição e o de registro não autorizado da intimidade sexual.
“É necessário apurar se as mulheres receberam alguma proposta sexual de cunho econômico no decorrer dessa festa. Em relação ao registro não autorizado da intimidade sexual, as mulheres relataram que teriam sido filmadas e fotografadas sem consentimento. Se for comprovado que elas foram registradas em momentos de intimidade, os responsáveis pelos registros podem também responder por esse tipo penal”, explica Marcela.
A advogada e ex-promotora de Justiça Gabriela Manssur, fundadora da ONG Justiça de Saias, aponta ainda para a possibilidade de crime de importunação sexual, caso algum ato libidinoso tenha sido cometido sem consentimento.
“Se teve algum ato contra elas de qualquer cunho sexual, ainda que não tenha tido relação, como passar a mão, beijar à força ou fazer a mulher ficar constrangida com a intenção de favorecimento sexual, isso pode configurar importunação sexual”, diz.
As juristas afirmam que a responsabilização pode ser contra os organizadores da festa e os “alunos” presentes, a depender dos depoimentos e das provas colhidas.
Sobre o fato de os dois investigados serem americanos, Marcela Tolosa diz que eles podem ser denunciados e condenados no Brasil, mas o cumprimento da pena ficaria prejudicado pelo fato de eles já não estarem mais em solo brasileiro.
“Eles podem ser processados e julgados aqui, e os EUA pedirem para cumprirem pena no país de origem. Isso precisaria ser aprovado pela Justiça americana. O Brasil até tem um acordo de extradição com os EUA, mas ele não inclui crimes de cunho sexual”, afirma.
O que dizem os acusados
Os organizadores do curso de conquista alegam que as pessoas que estavam na festa na mansão do Morumbi eram adultas “que escolheram estar lá por livre e espontânea vontade”.
David Bond e Mike Pickupalpha também gravaram, na semana passada, uma live pelo Instagram na qual dizem que sofreram cancelamento no Brasil e que estão sendo acusados falsamente de turismo sexual. Ele ainda chamou as mulheres que denunciaram o caso de “feministas” e “estúpidas”.
Procurado pelo Metrópoles pelas redes sociais, o MSC enviou uma mensagem dizendo que o “programa” envolve “palestras”, “sessões de fotos” e “eventos sociais” e que “tudo foi 100% consensual”.