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Por que escritórios de agentes de investimentos tentam virar corretoras

17 de março, 2023

Modelo vem ampliando ainda mais a disputa entre XP e o BTG Pactual pelos contratos de exclusividade. Mudança recente aprovada pela CVM, porém, pode deter movimento de expansão

Por Letycia Cardoso — Rio de Janeiro

Os escritórios que reúnem agentes autônomos de investimentos cresceram tanto nos últimos anos que os maiores entraram agora em uma nova fase de expansão: querem se transformar em corretoras. Segundo o Banco Central, desde 2020, quando o contexto de juro baixo provocou maior interesse pela renda variável e favoreceu o crescimento das assessorias de investimentos, foram registrados seis pedidos desses escritórios para se converterem em corretoras.

Todos ainda estão em andamento, mas uma mudança recente feita pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o mercado de capitais, pode interromper o movimento.

A motivação dessas empresas para crescer e atuar como corretoras está principalmente em atrair sócios investidores para escalar o negócio, vantagens tributárias, maior flexibilidade para montar equipes e a possibilidade de formatar seus próprios produtos financeiros para os clientes em vez de só indicar o que estava na plataforma das instituições financeiras às quais estão ligados. Mas, para dar esse passo, é preciso capital.

A fórmula mais usada até aqui pelas assessorias tem sido praticamente a mesma: contar com uma grande corretora consolidada como sócia minoritária, o que resulta em aporte financeiro e o direito de usufruir da expertise e da infraestrutura tecnológica da parceira.

O modelo vem ampliando ainda mais a disputa entre XP Investimentos e o banco BTG Pactual pelos contratos de exclusividade com os escritórios de agentes.

Em 2021, a XP fechou acordo com os gigantes Faros, Messem, Monte Bravo e Blue3 para viabilizar a conversão deles em corretoras. No ano passado, revelou que se tornaria sócia do BRA BS, que passou a se chamar Nomos.

O BTG fez ofertas a alguns desses escritórios, mas eles não mudaram de lado. Assim, ficaram mais conhecidas as parcerias do banco com a EQI e a Acqua-Vero Investimentos.

Tributação foi estímulo

Ao bancar essas conversões, BTG e XP ajudam o surgimento de possíveis futuros concorrentes. Em contrapartida, têm no aprofundamento da relação com esses escritórios — hábeis na captação de cifras bilionárias de clientes para as plataformas das duas instituições financeiras — uma forma de não ter o cordão umbilical totalmente cortado com eles e ainda lucrar com seu crescimento no longo prazo.

Rodrigo Imperatriz, CEO do Nomos, que tem R$ 6 bilhões sob gestão, espera que o processo de transformação em corretora seja concluído no segundo semestre. O escritório, presente em cidades do Sul e Sudeste, é focado em pessoas físicas e quer a graduação para oferecer a seus clientes soluções personalizadas.

— Poderemos fazer emissões de crédito e até construir um fundo da Nomos. Com a melhor alocação, esperamos aumentar a satisfação dos clientes — diz o executivo.

Com estimativa de fechar 2023 com carteira de R$ 21 bilhões, o Lifetime deu entrada no processo de transformação em corretora logo no início do ano. Segundo o CEO Fernando Katsonis, o objetivo é ajudar empresas médias a acessar o mercado financeiro, oferecendo produtos novos, como o lançamento de títulos de dívida.

Com o crédito mais restrito, essa é uma alternativa cada vez mais procurada por negócios que precisam de capital. No ano passado, de acordo com a Bolsa de São Paulo, a B3, o estoque de produtos de dívida corporativa cresceu 27% em relação a 2021, somando R$ 1,3 trilhão, embora tenha desacelerado nos últimos meses.

— É um instrumento que já existe, mas não acontece na prática porque tem pouca gente olhando isso. Uma empresa que precisa fazer emissão de dívida de R$ 50 milhões, algo pequeno para os bancos, não tem liquidez suficiente no mercado para essa emissão. E só uma corretora pode ser coordenadora líder de oferta como essa — explica Katsonis.

Para além da ambição de crescimento como empresa, há uma questão tributária que praticamente obriga os escritórios que faturam mais a buscarem registro como corretoras.

Como a maioria deles utiliza o modelo de partnership (parceria), no qual todos os colaboradores são sócios e não têm vínculo trabalhista, os assessores são remunerados pelo compartilhamento do lucro, na forma de distribuição de dividendos.

O especialista em regulação do mercado financeiro Francisco Nogueira de Lima Neto, sócio do escritório Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados, explica que nessas companhias, em geral, incide a tributação com base no lucro presumido, com carga de aproximadamente 16,33%.

No entanto, quando o faturamento anual supera R$ 78 milhões, o escritório é obrigado a migrar para a tributação por lucro real, cuja alíquota é de 34%, impactando a remuneração dos sócios. Outra opção é reduzir as margens de lucro da empresa, que geralmente já são apertadas.

Essa questão foi um dos fatores que levaram o Acqua Vero, que está em nove estados e tem R$ 5,5 bilhões sob custódia, a decidir pela transição. O sócio-fundador Eduardo Akira diz que, ao onerar mais os assessores, pode perder talentos para escritórios menores, que faturam menos, mas podem remunerar melhor.

— Se o assessor fatura R$ 10 mil, entram realmente no bolso R$ 8 mil. A partir do momento em que há maior tributação, passa a entrar R$ 6.600, por exemplo — diz Akira. — Como corretora, além de não perder poder de barganha para atrair novos talentos, esperamos ter melhoria de margem no nosso negócio, subindo uma camada na cadeia.

‘Não cabia mais na roupa’

O Blue3, forte no interior de São Paulo e com R$ 23 bilhões sob custódia, optou por reduzir suas margens de lucro para não afetar a remuneração dos assessores. Com a meta audaciosa de chegar a R$ 100 bilhões sob custódia até 2027, o escritório deu entrada no processo de transformação em corretora em dezembro de 2021, vendendo 49% do capital à XP.

Para chegar ao objetivo, o CEO Wagner Vieira investe em quatro estratégias de expansão: contratação de gerentes de bancos com boa carteira; formação de novos talentos; crescimento digital para captação de clientes em regiões onde não há presença física; e incorporação de escritórios menores.

— A gente já virou corretora pelo tamanho que temos hoje, com 35 mil clientes. A gente não cabia mais na roupa de agente autônomo — diz. — E ainda tem espaço para crescer porque 90% do dinheiro brasileiro ainda está nos bancos.

Com uma operação com mais de R$ 4 bilhões sob custódia, a Arton Advisors, outro escritório de destaque na Faria Lima, o centro financeiro de São Paulo, pretende dar entrada no processo de transformação em corretora ainda este ano e chegar aos R$ 7 bilhões.

Segundo o diretor financeiro da assessoria, Fernando Pina, a mudança proporcionará mais liberdade para escolher produtos financeiros, o que abriria espaço para conversas com investidores mais sofisticados.

Alguns desses motivos que estimularam escritórios a virarem corretoras foram resolvidos recentemente pela resolução 178 da CVM, o que pode encerrar a janela de oportunidade das assessorias para contar com grandes instituições financeiras como XP e BTG nessa conversão.

Publicado em fevereiro, o novo marco regulatório para a atividade de assessor de investimentos flexibilizou o tipo societário dos escritórios. Eles não precisarão mais se restringir à sociedade simples de agentes e poderão receber aportes de sócios investidores sem precisar virar corretora para isso.

Mudança de rumo

A medida ainda amplia a atuação dos assessores, que poderão exercer atividades complementares aos mercados financeiro, securitário, de previdência e de capitalização, favorecendo a sustentabilidade dos escritórios no longo prazo, avaliam executivos do setor.

O marco também estabelece o fim da exclusividade dos profissionais, que poderão se vincular a mais de um intermediário, reduzindo riscos de processos trabalhistas para reconhecimento de vínculo. Outra opção passa a ser a contratação de agentes com carteira assinada, o que antes não era possível. Todos tinham que ser sócios.

Alfredo Sequeira Filho, presidente da AIs Livres, associação de agentes que defende interesses da categoria, avalia que a resolução aperfeiçoa uma regulamentação anterior deficiente, o que deve reduzir o interesse na transição para corretora.

Bruno Ballista, head de Assessoria e Relacionamento com clientes da XP, acredita que a resolução vai ajudar a desenvolver o setor, mas sinaliza que, a partir de agora, a XP não deve mais entrar como sócia em novas corretoras. Voltará a focar nos escritórios:

— A partir de agora, é mais provável que as novas transações sejam feitas em modelo de agente autônomo.

https://oglobo.globo.com/economia/financas/noticia/2023/03/escritorios-de-agentes-de-investimento-agora-querem-se-tornar-corretoras.ghtml

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