PORTFÓLIO
PL que prevê execução de títulos via arbitragem é alvo de críticas do segmento
Texto em tramitação na Câmara visa reduzir judicialização, mas especialistas e árbitros dizem que efeito seria inverso; entenda
ESTÚDIO JOTA
As câmaras de arbitragem poderão ganhar permissão para executar seus próprios títulos judiciais e extrajudiciais. É o que prevê uma proposta que tramita na Câmara dos Deputados, com pretensão de desafogar o Judiciário, mas que recebe críticas de atores envolvidos na arbitragem.
A mudança está no cerne do Projeto de Lei (PL) 1289/ 2024, em análise pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara desde abril. O projeto, de autoria do deputado federal Tião Medeiros (PP-PR), altera a Lei da Arbitragem (9.307/1996) e o Código de Processo Civil (13.105/ 2015).
A justificativa é reduzir o volume de processos que tramitam no sistema judiciário, dando vazão, principalmente, às execuções, além de permitir às câmaras acessar alguns sistemas do Judiciário, em convênio com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para mitigar a alta judicialização.
“Hoje, o poder de coerção é privativo do Estado, de modo que o vencedor de uma arbitragem obrigatoriamente tem que recorrer ao Judiciário para ver o seu direito satisfeito, quando o vencido não cumpre voluntariamente a sentença arbitral proferida contra si”, afirma Andréa Pitthan Françolin, advogada especialista em contencioso e arbitragem.
Para ela, dar às câmaras arbitrais a prerrogativa e os meios para executar suas próprias sentenças, inclusive excluindo bens dos devedores, poderia aumentar a eficiência da arbitragem.
Para o Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) e outros especialistas, contudo, da forma como o texto está redigido atualmente, o PL se torna um ponto de preocupação para o Judiciário brasileiro.
“O projeto não contribuiria em nada para a arbitragem. Ao contrário, criaria problemas novos, sem resolver nenhum problema antigo do Judiciário. Ele pode assoberbar a arbitragem com uma atividade que ela não está preparada nem aparelhada para desempenhar, gerando inúmeros conflitos e insuficiências que acabariam desaguando no Judiciário, sem aumentar em nada a eficácia da execução judicial”, diz André Abbud, presidente do CBAr.
Vale lembrar que a arbitragem é um mecanismo extrajudicial de solução de disputas empresariais que, por ser menos burocrático, costuma ser mais ágil do que uma ação judicial. Na arbitragem, as partes em disputa concordam em submeter a controvérsia a um árbitro ou a um tribunal privado, que, ao final do processo, deve decidir quem tem razão.
O que diz o projeto
De acordo com o deputado Tião Medeiros (PP-PR), o projeto de lei tem por objetivo reduzir o número de processos e dar celeridade às questões legais dado que, segundo ele, o Judiciário brasileiro é um dos mais demandados do mundo.
“O número de procedimentos judiciais que demandam tempo dos magistrados de 1º grau para análise, que dizem respeito a execuções, judiciais e extrajudiciais, acarreta na baixa celeridade dos processos judiciais, não permitindo que os jurisdicionados tenham acesso integral à justiça”, afirma.
O PL tem dois pontos em relação a execuções. O primeiro prevê que a “administração pública direta e indireta poderá estabelecer convênios com câmaras de arbitragem para processamento de suas execuções fiscais”.
O segundo discorre sobre as execuções em geral, ao afirmar que o Judiciário “poderá celebrar convênio com câmaras de arbitragem a fim de direcionar execuções de títulos judiciais ou extrajudiciais para processamento na esfera da arbitragem”.
Além disso, se o projeto for aprovado, as câmaras de arbitragem poderão realizar convênio para com o CNJ objetivando acesso aos sistemas disponibilizados ao Judiciário, como o de expropriação de bens.
“No caso concreto, para que uma execução possa ter seu devido trâmite, no judiciário, a parte exequente tem meios de realização de diligências, mediante sistemas disponibilizados pelo CNJ, como, por exemplo, o SisbaJud. A disponibilização de acesso a tais sistemas, ou a menos a discussão para tal disponibilização, é essencial para a desburocratização e execução por meios das câmaras de arbitragem seja efetiva”, afirma o autor do projeto.
Críticas ao projeto
Para o CBAr, a possibilidade de a execução ser realizada via arbitragem tornaria a prática inviável ou, ao menos, ineficiente. Isso porque questões frequentes da execução não poderiam ser decididas pelos árbitros e demandariam decisão de juiz estatal de todo modo.
“Um exemplo seriam a decretação de fraude à execução, atingimento em geral de bens de terceiros e várias matérias da impugnação do cumprimento de sentença”, afirma Abbud.
“E o projeto ainda impõe a execução das sentenças no próprio processo arbitral, quando a arbitragem é fruto da livre opção das partes. De modo ainda mais preocupante, o texto também pretende direcionar à arbitragem execuções fiscais, em nada relacionadas com sentenças proferidas pelos árbitros”, completa.
Além disso, apesar de o projeto prever alterações em um procedimento que tem se tornado cada vez mais difundido na comunidade jurídica, ele pecaria por não relatar pontos caros ao procedimento arbitral, na perspectiva da advogada Andrea Seco.
“O projeto não esclarece sobre pontos fulcrais e tão caros de um procedimento arbitral, tais como: composição do painel arbitral, como se daria a própria escolha das câmaras de arbitragem que decidirão as controvérsias já que esta escolha é relevante, por exemplo, para aplicação de regras processuais, de despesas e de honorários de árbitros entre outros”, diz.
Por isso, as mudanças que o PL visa no procedimento arbitral despertam preocupação quanto ao seu potencial de gerar insegurança jurídica no Brasil
“As mudanças trocariam a razoavelmente eficaz execução judicial pelas incertezas de uma execução arbitral sem poder de império, sem poder de invadir a esfera de terceiros e com inúmeras dúvidas sobre onde terminaria a competência do árbitro e começaria a competência do juiz para resolver uma série de questões típicas da execução”, diz Abbud, da CBAr.
Para o autor do projeto, contudo, as câmaras de arbitragem já gozam de credibilidade e, por isso, a questão sobre segurança jurídica não deve ser empecilho às mudanças.
“Em diversos procedimentos, envolvendo milhões de reais, se utilizam as câmaras de arbitragem, exatamente, objetivando, além da segurança jurídica, a prolação de decisões por árbitros qualificados, que inclusive, podem ser indicados pelas partes no procedimento arbitral. Além disso, a abertura para a execução de títulos na esfera da arbitragem visa o cumprimento de títulos com trânsito em julgado ou devidamente constituídos”, conclui.
ESTÚDIO JOTA – Brasília