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Perfil das fusões e aquisições no Brasil indica melhora no mercado
Advogados envolvidos em grandes negócios no país demonstram otimismo, mas ainda estão cautelosos com cenário desafiador
Stéfanie Rigamonti
SÃO PAULO
O perfil das operações de fusões e aquisições no Brasil está mudando nos últimos meses. Enquanto no primeiro semestre a maior parte dos negócios tiveram caráter financeiro, ou seja, eram protagonizados por empresas que estavam em crise, precisando levantar dinheiro para sobreviver, desde agosto está aumentando os M&As (sigla em inglês para fusões e aquisições) estratégicos, considerados de maior qualidade.
A Folha fez um levantamento junto a escritórios de advocacia que são reconhecidos no Brasil pelo volume de M&As que eles estruturam e conduzem. O sentimento geral é de que a qualidade dos negócios está melhorando, várias operações foram destravadas no segundo semestre e o mercado está começando a aquecer, com um aumento no volume de negócios.
A notícia traz um certo alívio após um primeiro semestre mais crítico para o mercado. Dados da TTR Data mostram que, de janeiro a agosto deste ano, as fusões e aquisições no país movimentaram R$ 145,5 bilhões, com 1.282 transações, uma queda de 27% no volume se comparado com o mesmo período de 2022.
Mas mesmo com a percepção geral de melhora, a maioria dos advogados ainda está com cautelosa. A dúvida é saber se a melhora observada neste semestre vai se sustentar e de que forma o cenário desafiador no exterior pode impactar o mercado doméstico.
“Sentimos um interesse maior dos estrangeiros pelo Brasil desde o fim do segundo trimestre. Os investidores de fora estão liderando as grandes operações de fusões e aquisições no país, e são negócios mais estratégicos, de longo prazo. Multinacionais estão olhando para o Brasil estrategicamente”, diz Arthur Penteado, sócio da área de M&A e Private Equity do Machado Meyer Advogados.
Ele cita como exemplos a compra da fabricante brasileira de chocolates Kopenhagen pela multinacional suíça Nestlé; a venda da divisão de metais básicos da Vale à saudita Manara Minerals e ao fundo americano Engine No.1; a compra de participação de 51% da Bluefit pelo Mubadala, ligado ao fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos, e o aumento de participação do banco americano JPMorgan no C6 Bank.
Para Carlos Alberto Moreira Lima Junior, sócio atuante na área de fusões e aquisições da Pinheiro Neto Advogados, a agenda de M&As mudou do primeiro para o segundo semestre.
Ele lembra que no início do ano os negócios foram muito impactados pela crise na Americanas, que causou um aperto ainda maior no mercado de crédito e ampliou as dificuldades do setor de varejo. Além disso, o começo de 2023 foi marcado por dúvidas em relação à organização das contas públicas por parte do novo governo eleito e pela manutenção da taxa básica de juros Selic no patamar de 13,75%.
Embora o advogado enxergue outros desafios neste segundo semestre, como as dúvidas em relação à reforma tributária e as inseguranças que medidas como a taxação de fundos offshore e exclusivo causam, além do fim do JCP (Juros sobre Capital Próprio), ele vê alguma melhora na qualidade das operações de M&As. “Estou cautelosamente otimista com o que vem pela frente”, diz Lima.
O sentimento de cautela é quase que geral. “A gente vê mais ânimo dos investidores, eles estão explorando mais, mas é preciso tempo para ver se esse cenário de mercado aquecido vai se concretizar”, afirma Luiz Octavio Lopes, sócio da prática de Societário e M&A do Lefosse Advogados.
Segundo o especialista, aos poucos estão voltando as operações de fusões e aquisições mais estratégicas, ou seja, que buscam a integração de negócios e união de sinergias entre as empresas envolvidas, seja diminuindo os custos operacionais, ampliando a base de clientes ou verticalizando a operação —centralização da cadeia de produção da companhia.
“Temos sido procurados pelos fundos de private equity e sido engajados em negócios que pareciam fora de moda”, diz.
Para Marcos Flesch, sócio da área de M&A do Cescon Barrieu Advogados, o ambiente agora está mais propício para operações mais estratégicas, após o clima tenso do início do ano pós-eleições. “Ainda sofremos um pouco com a polarização política, mas tudo indica que estamos em um momento bom”, afirma. “Desde agosto o mercado, de fato, está mais aquecido”, complementa.
Flesch está mais otimista quanto ao futuro. Segundo ele, o país tem um mercado interno sofisticado e capital disponível para atrair mais operações de peso no próximo ano.
O advogado Pedro Whitaker de Souza Dias, que recentemente foi eleito sócio-diretor da Mattos Filho Advogados, também está com boas expectativas. Ele menciona o ciclo de queda da taxa básica de juros, que deve aquecer o mercado de capitais, um grande aliado das fusões e aquisições.
Acontece que muitas empresas entram em operações de M&As mirando ganhar musculatura para abrir capital na Bolsa. E em diversos casos também as empresas usam o dinheiro captado no mercado acionário para expandir via aquisições, seja de ativos ou de companhias inteiras.
Dias acredita que a consolidação da melhora no mercado acionário e a volta definitiva dos estrangeiros que buscam negócios estratégicos no Brasil, de longo prazo, devem fortalecer um cenário onde se antevê um momento positivo para as operações de M&As.
“Há sinais efetivos de melhora, mais transações estão acontecendo”, diz. “Está havendo uma retomada sólida no país, com mais alicerce”, completa.
O advogado Miguel Ramos, sócio da área de Societário e M&A do BMA Advogados, acredita que, além da queda dos juros, a melhora no mercado também aconteceu porque vários medos dos investidores em relação ao novo governo petista não se concretizaram.
Ele diz que a aprovação do novo arcabouço fiscal e a diminuição do tom belicoso em relação ao Banco Central ajudaram no aumento de confiança no país. “Passado o susto PT do início, o mercado como um todo melhorou muito”, diz. “Já temos muitas propostas de honorários na rua”, conta.
Para Ricardo Madrona, sócio do Madrona Fialho Advogados, o segundo semestre, de fato está indicando crescimento, por conta de um horizonte melhor no mercado acionário, com a expectativas da volta da rodada de IPOs (sigla em inglês para Oferta Pública Inicial) na Bolsa.
Mas ele pondera que, por ora, mesmo com o aumento de M&As estratégicos, as empresas ainda estão com muita dificuldade para gerar resultados operacionais, e acabam recorrendo a operações de fusões e aquisições como uma alternativa para conseguirem ganhar alguma musculatura. “Não vejo neste momento uma agenda tão positiva assim”, diz.
Para José Antonio Miguel Neto, fundador do escritório Miguel Neto Advogados, a sensação de melhora na qualidade dos M&As acontece também porque vários negócios que estavam congelados voltaram e se concretizaram no segundo semestre. “A gente vê de fato mais mandatos agora, mas muito do que estava represado”, pondera.
Ele diz que o mercado de fusões e aquisições está enfrentando um cenário muito pior do que foi observado ao longo do ano passado.
De fato, houve uma frustração geral com o desempenho do mercado de M&As neste ano. Vários agentes esperavam um 2023 melhor. E mesmo que a expectativa geral com o próximo ano seja positiva, o consultor Denis Morante, fundador da Fortezza Partners —assessoria em fusões e aquisições— não vê um boom como aconteceu entre o fim de 2020 e ao longo de 2021.
Nesses anos, o mercado de capitais ficou muito aquecido pela taxa de juros chegando a níveis historicamente baixos. Ainda assim, Morante se diz bastante otimista com o próximo ano.
“Diminuiu muito as operações de empresas que estavam desesperadas para levantar dinheiro e diminuir o seu endividamento. Vejo muitos negócios de companhias que buscam capital para crescer. Essa era a tônica dos M&As em 2021”, lembra.