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Os novos perfis dos conselhos e as novas matrizes de riscos corporativos

16 de abril, 2024

As oportunidades estão aumentando, mas os riscos também, e essa realidade corporativa demanda ajustes profundos nas organizações

*Por Leonardo Barém Leite

Realidades novas e diferentes demandam cuidado e soluções igualmente modernas, diferentes e inovadoras, chegando aos Conselhos de Administração e às Assembleias Gerais das Empresas.

O mundo corporativo está acostumado com o seu próprio dinamismo, e com o surgimento de oportunidades, com as “alterações e peculiaridades” dos diversos segmentos, com as frequentes mudanças legislativas e jurisprudenciais, e com a gestão de riscos, mas talvez estejamos vivendo uma década que se mostra ainda mais complexa e dinâmica do que as anteriores.

As oportunidades estão aumentando, mas os riscos também, e essa realidade corporativa demanda ajustes profundos nas organizações.

Os perfis, as pautas, as dinâmicas e as peculiaridades das Assembleias Gerais brasileiras vêm mudando ao longo dos últimos anos, e a tendência é de que esse movimento se intensifique.

Se os cenários, mercados e segmentos estão mudando, e com eles as oportunidades e os riscos, é fundamental que as empresas se atualizem e se ajustem a essas novas realidades – o que nos leva a perceber que os Conselhos de Administração (e em certa medida, também, as diretorias) estão mudando – assim como os seus perfis e composições.

Como o mercado de capitais brasileiro ainda é pequeno, e por muito tempo foi bastante concentrado, com grande parte das companhias sendo efetivamente controladas por grandes grupos de investidores, em vários casos as Assembleias Gerais eram quase que meramente formais, com temas quase que exclusivamente determinados pela legislação própria.

Em outras palavras, diversas Assembleias Gerais eram quase que apenas burocráticas, e por conta disso, bastante “tranquilas” e previsíveis – basicamente confirmavam o que as diretorias propunham e faziam. E os controladores em geral nem eram questionados.

Como as assembleias, em várias empresas, por décadas foram bastante formais e burocráticas, os seus conselhos, via de consequência, e quase que pelos mesmos motivos, também eram órgãos em as reuniões eram somente formais, e sem muita profundidade.

Naquele cenário, os perfis dos conselhos eram muito parecidos, tanto no tocante aos aspectos internos quanto externos, uma vez que muitos conselheiros atuavam em muitas companhias. Havia pouquíssima diversidade, de perfis, de pessoas e de atuação; havia um padrão.

O mundo corporativo, entretanto, agora é outro, assim como a nossa economia, a nossa realidade, as nossas empresas, as nossas assembleias e os nossos conselhos – o que demanda, também, “novos perfis de conselheiros”.

Se por décadas vivemos essa realidade “antiga”, nos últimos anos já vemos várias mudanças e avanços, desde as assembleias com voto à distância, e a maior participação de alguns grupos de investidores mais ativos, até as assembleias digitais e híbridas, e a maior pulverização do capital, com a chegada ao mercado de capitais brasileiro de algumas companhias com investidores não controladores, mas de referência, e as chamadas “corporations”, sem concentração. Já vemos também, algum ativismo, mas ainda em pequena escala.

A essa nova realidade somamos importantes avanços regulatórios, com inovações trazidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Bolsa de Valores (B3), a demanda por mais e melhor governança corporativa e a própria evolução dessa mesma governança, como se verifica, por exemplo no novo “Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa” lançado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) em 2023.

Destaque-se que, nesse novo código foi dado o devido enfoque à questão da sustentabilidade, que abordaremos em mais profundidade na sequência.

Recordamos, ainda, que já em 2022, o mesmo IBGC já havia publicado importante trabalho atualizado (como 2ª edição) denominado “Orientação jurídica para conselheiros de administração e diretores de sociedades empresárias”, por reconhecer que diversos aspectos novos surgiram nos últimos anos, e que impactam essas funções e posições nas organizações, que se tornaram bem mais complexas, e desafiadoras.

Nessa linha, se as companhias são (e realmente precisam ser) dinâmicas e agora estão diferentes, em constante adaptação e evolução, e as assembleias, por consequência, estão se ajustando, é natural que também os Conselhos de Administração estejam sendo impactados; e aqui mencionaremos alguns desses aspectos.

Os avanços já vinham ocorrendo, com diversos conselheiros atuantes no mercado sendo formados (por instituições de renome) especificamente para essa função (com vários deles sendo, inclusive, certificados), além de vermos a ampliação da presença dos conselheiros independentes, e as composições sendo cada vez mais diversas (por exemplo em termos de gênero).

Essas melhorias foram se tornando mais frequentes, tanto por determinação regulatória, quanto pela evolução da boa governança corporativa, mas percebemos que estamos vivendo, agora, “tempos” de ajustes ainda mais profundos e complexos nesse campo.

O papel dos conselhos tem mudado, e com isso suas pautas, responsabilidades, perfis e preparo, de maneira que muitas companhias já procuram e elegem conselheiros ainda mais diversos, com formações, trajetórias, experiências e focos distintos, e complementares – especialmente com visão mais ampla dos riscos e das responsabilidades, tanto desses órgãos da gestão, quanto das próprias empresas.

As experiências agora precisam ser distintas, mas também o foco de cada pessoa e as suas preocupações, para que o conjunto seja efetivamente multidisciplinar e complementar.

No campo do aumento de responsabilidade destacamos, ainda, que boa parte do mercado tem cobrado mudanças, inclusive na legislação, como se verifica, por exemplo, na análise do Projeto de Lei 2925/2023, atualmente no Congresso Nacional – que pretende alterar várias questões na Lei das S.A., inclusive no que se refere a assembleias gerais, responsabilidades dos gestores, e caminhos (e incentivos) para a defesa dos interesses de minoritários (dentre outros pontos).

Vale ressaltar que ainda que parte deste artigo seja focada no mercado de capitais, o seu ponto central é endereçado a todas as organizações, independentemente de seu porte ou idade, bem como de sua organização jurídica, tipo societário ou estrutura de capital, pois aqui são trazidos pontos comuns a todos os negócios, setores e segmentos.

Considerando todos esses aspectos, e em especial a realidade atual na qual temos, como mencionado acima, mais oportunidades, mas também mais riscos, é importante que os acionistas (e investidores de forma geral) considerem, nas assembleias gerais, e nas eleições dos conselhos de administração questões superimportantes, que antes não eram tão presentes.

E recordamos, ainda, que não apenas os conselhos agora precisam ser redesenhados, mas também as diretorias, e ainda os comitês internos, que também precisam dessa necessária diversidade, e precisam contar, também com membros externos e independentes, para “oxigenar” os grupos, as equipes e as organizações. É a evolução da boa governança corporativa.

Os mapas de riscos das companhias, por exemplo, agora são muto mais amplos e complexos, com a identificação de riscos cada vez mais impactantes, sendo que vários deles emergiram na “virada da década”, como o perigo de se depender de poucas opções de fornecedores, que podem ficar “ilhados” ou sofrer restrições, como ocorreu e ocorre em função de fatores como a pandemia de 2020 (e seus desdobramentos), guerras e tensões cada vez mais frequentes como os casos da Rússia x Ucrânia, Israel x Hamas, e conflitos no Oriente Médio, crises na China e abalos na economia norte-americana, fatores geopolíticos, religiosos e climáticos, dentre outros.

Até mesmo questões ligadas a nossos vizinhos estão se tornando cada vez maiores e impactantes, e tendem a nos afetar com maior ou menor escala, a depender do segmento em que as empresas atuem, e dos países com os quais mantenham negócios, decorrentes de tensões, como as que temos observado nos últimos meses no que se refere, por exemplo, à Venezuela, Guiana, Peru, Colômbia, Equador, Argentina e Chile

O mercado brasileiro começa 2024 sofrendo com temas já conhecidos, como inflação, déficit fiscal e taxas de juros, mas também com alguns novos, como as crises do varejo, dos chips e condutores, das commodities, e ainda das mudanças climáticas e suas consequências, sem falar de polarização política, crises no petróleo e na segurança pública, aumento da criminalidade, fortalecimento do crime organizado, e a percepção da “volta” da corrupção.

A questão da sustentabilidade tende a ganhar ainda mais força, não apenas pela pressão da pauta ESG estrita, mas também por questões direta ou indiretamente a ela relacionadas, como transição energética, créditos de carbono, crises sanitárias e epidemias, tensões e demandas sociais, preconceitos e discriminações, falta de cuidado ambiental e social, e ainda as pressões internacionais ligadas ao tema, que afetam de maneira crescente as exportações.

O tema da sustentabilidade, inclusive, tem afetado as companhias não apenas de forma direta como também indireta, colocando luz em temas como o da terceirização e os suprimentos., uma vez que as responsabilidades das empresas estão crescendo.

Se a terceirização. por muito tempo, foi vista como oportunidade de corte de custos/gastos – e a busca por fornecedores mais baratos era considerada uma necessidade –, todo esse contexto agora precisa ser revisto, assim como a “febre” pela automação de “quase tudo” com um certo exagero pela redução de custos e do trabalho humano, como se percebeu com o abuso das due diligences meramente documentais ou eletrônicas (inclusive nos campos de suprimentos, compliance, fusões e aquisições), que se mostraram arriscadas em certos aspectos, setores e segmentos.

Tende a ser difícil imaginar que as organizações continuem a operar sem ter (de início) ao menos uma pessoa no conselho, bem como ao menos uma na diretoria executiva, que não esteja comprometida com a sustentabilidade (em sentido amplo), pois essa é cada vez um dos fatores que ajudam a construir valor, e a melhorar a gestão e as próprias organizações. Mas que, ao mesmo tempo, esses riscos, se materializados, podem destruir imagens, reputações e até organizações.

Superada a fase de se explicar a sustentabilidade e o ESG, chegamos ao momento de perceber que são fatores de geração de valor e de rentabilidade, ao reduzir riscos e problemas, e melhorar processos e escolhas, que valem muito dinheiro.

Outro ponto a considerar é a necessidade de se rediscutir os conceitos de criatividade e inovação nas organizações, uma vez que, em vários casos há uma confusão nesses aspectos, ao se imaginar que tudo se resuma a automação, ao maior uso de sistemas e softwares e à redução da participação humana nas organizações, sendo que essa automação e essa ampliação do uso da tecnologia, ainda que necessárias e importantes, são ferramentas.

Os riscos cibernéticos, com invasões, vazamentos de dados e vários outros tendem a aumentar, e é preciso que também na alta gestão as organizações estejam bem familiarizadas com os temas, os riscos e os devidos cuidados, o que também vale para a festejada Inteligência Artificial.

A era da IA chegou com força total e já não se pode deixá-la de lado, mas juntamente com as oportunidades e as vantagens que se apresentam, é fundamental que as organizações estejam atentas também aos riscos a ela inerentes. Além de também poder conter falhas e erros, pode haver vieses, interpretações equivocadas e diversos outros riscos ainda não conhecidos.

Em resumo, vivemos tempos de muitas oportunidades, mas também de diversos riscos adicionais, que levam as organizações a precisar atualizar e ampliar suas matrizes de riscos, melhorar suas análises e processos, seus programas de governança corporativa, compliance e ESG, que, por sua vez, passam por assembleias gerais melhores e com pautas mais profundas, e de novos perfis e composições de conselhos de administração e de diretorias.

Se vários desses “novos riscos” puderam ser justificados no passado por serem considerados imprevisíveis, agora já não podem ser ignorados, pois são conhecidos e importantes, o que demanda novas posturas (de todos, inclusive dos investidores).

Acompanhemos essa evolução ao longo de 2024, e dos anos que se seguirão.

*Leonardo Barém Leite é sócio sênior do escritório Almeida Advogados e presidente da Comissão de Direito Societário, Governança Corporativa e ESG da OAB-SP/Pinheiros.

https://monitordomercado.com.br/noticias/83370-opiniao-os-novos-perfis-dos-conselhos-e-as-novas-matrizes-de-riscos-corporativos/

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