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O potencial do hidrogênio verde no Brasil

29 de novembro, 2024

David Andrew Taylor*

A poluição ambiental, impulsionada em grande parte pelas atividades humanas, representa atualmente uma ameaça existencial para o nosso planeta. O aumento das emissões de dióxido de carbono (CO2) provenientes de combustíveis fósseis é a principal força que acelera o aquecimento global. Isso está causando o aumento do nível do mar, eventos climáticos extremos e distúrbios nos ecossistemas, empurrando o mundo para um colapso ambiental irreversível. Além disso, as emissões de metano – frequentemente negligenciadas – também são um impulsionador destes problemas.

Neste contexto, o hidrogênio (H2) oferece uma alternativa limpa e sustentável de combustível que pode ajudar a reduzir as emissões de CO2 e metano, acelerar a transição energética e avançar para uma economia mais verde. Seu papel na geração de eletricidade por meio da conversão em combustível não apenas produz energia livre de CO2, mas também gera água como único subproduto, uma verdadeira solução de emissões zero.

Embora ainda existam desafios em relação aos custos de produção, tecnologia e infraestrutura, o Brasil, com seus abundantes recursos renováveis e um marco legal favorável, está bem posicionado para liderar o setor global de hidrogênio verde.

A posição estratégica do Brasil 

O Brasil é uma potência em energética, com 85% de sua eletricidade gerada a partir de fontes renováveis, principalmente hidrelétricas, solar e eólica. Isso posiciona o país para tirar pleno proveito da revolução do H2, que oferece uma solução sustentável para descarbonizar setores como transporte, fabricação industrial e armazenamento de energia.

O mercado global de hidrogênio deve crescer rapidamente nos próximos anos. As projeções sugerem que o setor no Brasil poderá representar uma oportunidade de mercado de USD 5 bilhões até 2030, crescendo para USD 11 bilhões até 2040. Com a diminuição dos custos de produção, especialistas preveem que o hidrogênio poderá custar menos de USD 1,50 por quilograma até 2030. A demanda doméstica no Brasil deverá atingir até 9 milhões de toneladas até 2040, com destaque para os setores industrial e de transporte.

Internacionalmente, o Brasil tem potencial para se tornar um dos principais exportadores de H2, especialmente para os EUA e a União Europeia. Até 2030, as exportações brasileiras de hidrogênio poderão gerar entre USD 1-2 bilhões por ano, com esse valor crescendo para USD 4-6 bilhões até 2040.

Principais Projetos e Iniciativas

O Brasil já lançou diversos projetos de hidrogênio verde de destaque. Um exemplo é um projeto piloto liderado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), focado na produção de alta pureza a partir de energia solar. Outro exemplo é a planta de hidrogênio renovável de Itumbiara, em Goiás, a primeira planta de hidrogênio do Brasil, que integra energia hidrelétrica e solar.

Outros projetos estão em andamento, como a instalação de produção de hidrogênio baseada em energia eólica e solar do Grupo EDP no estado do Ceará, e o Centro de Hidrogênio Verde CH2V, em Minas Gerais. Parcerias internacionais e domésticas também estão surgindo. A Fortescue Future Industries, por exemplo, está colaborando com o estado do Ceará para desenvolver uma instalação de H2 de USD 5 bilhões, que deverá produzir 837 toneladas diariamente até 2027. Já o investimento de USD 6,95 bilhões da Qair Brasil, também no Ceará, será focado em parques eólicos offshore e plantas de eletrólise para produção em grande escala.

Desafios Tecnológicos e de Infraestrutura 

Apesar das perspectivas promissoras, o setor de hidrogênio verde no Brasil enfrenta diversos desafios. Um obstáculo importante é o alto custo de produção. A eletrólise, o processo de dividir a água em hidrogênio e oxigênio usando eletricidade, é considerado o método mais sustentável, mas ainda é ineficiente e caro.

Eletrolisadores, como as Membranas de Eletrólito Polimérico (E-PEM), são amplamente utilizados para esse fim, mas exigem materiais raros, como platina e irídio, o que aumenta os custos. Além disso, os E-PEM normalmente alcançam apenas 80% de eficiência. Novas tecnologias, como a célula de eletrólise alimentada por capilaridade (CFE) da australiana Hysata, não requer platina e apresenta uma eficiência de 95%, prometendo reduzir significativamente os custos.

Além da tecnologia de produção, o Brasil precisa desenvolver infraestrutura para armazenamento e distribuição de energia. Os fortes recursos de vento e solar do país possibilitam a integração de energia renovável à Rede Elétrica Nacional, mas a natureza intermitente dessas fontes dificulta a produção estável de hidrogênio. Soluções de armazenamento de energia, como baterias, hidrelétricas reversíveis ou armazenamento de H2, são essenciais para um fornecimento contínuo.

O Brasil também precisa desenvolver uma infraestrutura robusta de transporte e armazenamento de hidrogênio. Suas propriedades únicas, como alta difusividade e tendência à fragilização, tornam isso mais difícil do que os combustíveis convencionais. Adaptar a infraestrutura existente de gás natural ou construir novos oleodutos e instalações de armazenamento específicas exigirá grandes investimentos, mas pode fornecer os meios para expandir a produção e a entrega.

O Hidrogênio na descarbonização automotiva 

O Brasil enfrenta dificuldades exclusivas na transição para veículos a hidrogênio. A dependência de veículos flex (FFVs), que utilizam etanol e gás natural, complica a mudança. Todos eles produzem CO2, que precisa ser (de alguma forma) capturado, sequestrado e eliminado. Além disso, os altos custos dos veículos movidos a células de hidrogênio (HFCEVs) e a falta de infraestrutura de abastecimento dificultam sua adoção.

Tomando os EUA como exemplo, o estado da Califórnia está firmemente comprometido com a descarbonização de suas indústrias. O HFCEV Toyota Mirai, lançado em 2015, tinha um preço de USD 57.500 antes de desconto federal e incentivo estadual, devido ao alto custo de sua tecnologia. Atualmente, há cerca de 17.000 HFCEVs em circulação, a maioria na Califórnia.

Hoje, as estações de abastecimento de hidrogênio (HRSs) são quase inexistentes no Brasil, representando um obstáculo à adoção de HFCEVs. O desenvolvimento dessa infraestrutura é complexo. A forma mais eficiente de armazenar e transportar grandes volumes de hidrogênio é em seu estado líquido, o que exige resfriamento a -252,8°C. Embora seja tecnicamente viável, isso exige um sistema criogênico especializado, com design de tanque duplo: o tanque interno contém o hidrogênio, enquanto o externo é mantido a -196°C (temperatura do nitrogênio líquido), com isolamento adicional e escudos para minimizar a transferência de calor. Alternativamente, armazenar hidrogênio como gás requer pressões extremamente altas, tipicamente de 5.000 a 10.000 psi.

Outro entrave é o crescimento dos veículos elétricos a bateria (BEVs) no Brasil, com um aumento de 170% nas vendas no início de 2024. Os BEVs oferecem uma alternativa estabelecida e relativamente de baixo custo, embora apresentem seus próprios desafios ambientais e de custos, particularmente em relação ao uso de baterias de lítio-íon.

Apesar disso, as células de combustível de hidrogênio podem ser valiosas em setores específicos, como o transporte de longas distâncias e o transporte público, ao oferecer desempenho muito superior à dos combustíveis fósseis.

Apoio do marco legal 

O governo brasileiro tem feito avanços significativos na criação de um marco regulatório para a produção de hidrogênio verde. A recente aprovação da Lei Federal nº 14.948, sancionada em agosto de 2024, representa um avanço crucial.

A nova lei estabelece a Política Nacional de Hidrogênio de Baixo Carbono do Brasil para promover a transição energética. Ela inclui iniciativas como o Programa Nacional de Hidrogênio (PNH2), o Programa de Desenvolvimento de Hidrogênio de Baixo Carbono (PHBC) e o Sistema Brasileiro de Certificação de Hidrogênio (SBCH2), que apoia seu uso sustentável por meio de certificação voluntária. A lei também introduz o Regime Especial de Incentivo à Produção de Hidrogênio de Baixo Carbono (REHIDRO), que oferece benefícios fiscais, permitindo que os beneficiários emitam debêntures incentivadas para levantar capital para projetos.

Este marco fornece ainda segurança jurídica para fomentar a inovação e atrair investidores nacionais e internacionais.

Superando desafios para um futuro sustentável

O discurso em torno do hidrogênio verde frequentemente é caracterizado por otimismo excessivo. O setor no Brasil tem um grande potencial, mas realizar essa oportunidade exigirá superações substanciais, incluindo altos custos de produção, avanços tecnológicos e o desenvolvimento de infraestrutura. Dito isso, os abundantes recursos de energia renovável, o crescente apoio dos setores público e privado e seu forte marco legal posicionam o país para desempenhar um papel de liderança na revolução global do hidrogênio verde.

*David Andrew Taylor é sócio de Direito Corporativo da Almeida Advogados.

https://lexlegal.com.br/o-potencial-do-hidrogenio-verde-no-brasil/

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