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Moraes deixa no TSE legado de centralização e poderes turbinados
Após escalada contra fake news e questionamentos, ministro será sucedido nesta segunda por Cármen Lúcia
José Marques
BRASÍLIA
(Foto: TSE)
A dez dias do segundo turno das eleições de 2022, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aprovou uma resolução que ampliava os poderes do presidente da corte, Alexandre de Moraes, contra fake news nas redes sociais.
A norma deu, na antevéspera e nos três dias seguintes à votação, até a possibilidade de suspensão de acesso a serviço de plataformas que descumprissem decisões do tribunal. Essa resolução, articulada por Moraes, tornou-se um exemplo do estilo centralizador do ministro em seus quase dois anos de gestão no TSE.
Nesta segunda-feira (3), Moraes irá transferir a presidência para a ministra Cármen Lúcia, que estará à frente do TSE nas eleições municipais deste ano. Ele também deixará a corte eleitoral, e sua vaga será ocupada pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) André Mendonça.
Moraes deixa como marca uma presidência do tribunal eleitoral com poderes turbinados e, como legado, o fortalecimento das estruturas da corte para a derrubada de conteúdos que sejam considerados desinformação.
Além disso, também reforçou as possibilidades de responsabilização de plataformas pelo conteúdo publicado por usuários.
As atitudes de Moraes fizeram o TSE ser questionado não apenas por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas também por especialistas que entendiam que o tribunal atropelou outras legislações ao aprovar algumas das normas.
Em seus primeiros meses de presidência, que começou em agosto de 2022, Moraes teve que atuar em meio a seguidos ataques de Bolsonaro contra os ministros e contra o sistema eleitoral.
As tentativas de descredibilizar as eleições o levaram, mais de um mês após o segundo turno que elegeu Lula (PT), a condenar a coligação de Bolsonaro ao pagamento de uma multa de quase R$ 23 milhões em ação que pedia para invalidar votos depositados em urnas eletrônicas.
Na decisão, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, também foi incluído no inquérito das milícias digitais, relatado pelo próprio Moraes no Supremo –em uma espécie de “dobradinha” em ações sob sua responsabilidade nos dois tribunais.
Após os ataques golpistas de 8 de janeiro do ano passado, Moraes conseguiu emplacar no TSE a nomeação de dois ministros titulares para as vagas destinadas à advocacia, pouco antes do julgamento que deixou Bolsonaro inelegível.
Foram escolhidos por Lula os ministros André Ramos Tavares e Floriano de Azevedo Marques, cujos votos costumam ser alinhados aos de Moraes em julgamentos.
Em outra frente, Moraes passou a ser um assíduo defensor da regulamentação das redes sociais, tema que defendeu até em seu discurso de despedida do tribunal.
Como material de divulgação de fim de gestão, disse que o pilar do seu mandato foi o “enfrentamento da desinformação nas eleições”.
Para que houvesse eleições seguras, transparentes e com respeito à soberania popular, divulgou o TSE, “foi preciso declarar guerra à desinformação e combater, de maneira veemente, a propagação de fake news”.
Em março deste ano, sob a presidência de Moraes, a corte aprovou resoluções que estabelecem que as plataformas de internet serão solidariamente responsáveis “civil e administrativamente quando não promoverem a indisponibilização imediata de conteúdos e contas, durante o período eleitoral”.
A medida foi entendida por advogados e representantes da sociedade civil como uma violação do tribunal ao Marco Civil da Internet.
Ainda neste ano, Moraes inaugurou o Ciedde (Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia), cujo objetivo é facilitar a derrubada e acelerar a investigação de conteúdo que for considerado como desinformação durante as eleições.
A ideia é coibir que fake news interfiram no pleito municipal deste ano. Foram assinados acordos de cooperação técnica entre o órgão criado pela corte, a Polícia Federal e a AGU (Advocacia-Geral da União) para o combate às notícias falsas no período eleitoral.
Na ocasião da assinatura, Moraes classificou a desinformação como o “mal do século 21” e disse que “o combate à desinformação nas eleições nada mais é do que a defesa do voto do eleitor”.
“O eleitor não pode ser induzido por notícias falsas”, afirmou. “Não é possível que as redes sociais sejam usadas para fazer lavagem cerebral nos eleitores com notícias falsas.”
A firmeza da sua atuação durante o período crítico é elogiada por observadores da corte e por ministros de tribunais superiores, mas a manutenção da conduta rígida nos últimos meses passou a ser questionada pelas mesmas pessoas.
Ciente de que suas decisões também vinham acirrando o clima do Congresso com o Poder Judiciário, Moraes passou a fazer diversos acenos ao Legislativo em 2024.
Apressou, por exemplo, o julgamento que livrou o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) da perda de mandato.
Tentou viabilizar, ainda, que o tribunal concluísse o julgamento de outro senador, o bolsonarista Jorge Seif (PL-SC), mas não houve tempo para que o processo fosse levado novamente à pauta sob sua gestão.
Para Fernando Neisser, membro-fundador da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político) e professor de direito eleitoral da FGV-SP, “foi essencial ter à frente do TSE, neste momento delicado, uma pessoa com a personalidade e capacidade de trabalho” de Moraes.
“Os ataques coordenados contra o sistema de votação e as próprias instituições democráticas somente poderiam ser debelados com firmeza de propósitos, sempre dentro da legalidade”, afirmou.
Já o ex-procurador Deltan Dallagnol, que teve o mandato de deputado cassado na gestão de Moraes, fez uma avaliação menos lisonjeira do ministro ao se manifestar em audiência pública na Câmara dos Deputados no último dia 21.
Uma das referências que ele fez a Moraes foi quando falou sobre “confusão processual entre juiz e acusador”: “Imagina que ele manda relatório do TSE para ele mesmo decidir no Supremo Tribunal Federal.”