carregando...

PORTFÓLIO

Justiça nega devolução de investimento em startup

18 de janeiro, 2024

Investidor tentava obter o vencimento antecipado dos R$ 30 mil injetados em empresa gaúcha de produção fotovoltaica por assinatura

Por Marcela Villar — De São Paulo

Um empresário que buscava reaver o investimento feito em uma startup eólica teve, recentemente, o pedido negado pela Justiça do Rio Grande do Sul. O investidor tentava obter o vencimento antecipado dos R$ 30 mil injetados na SunnyHUB, empresa gaúcha de produção fotovoltaica por assinatura. Argumentou que a companhia não enviou relatórios financeiros trimestrais, obrigação prevista no contrato.

Para a juíza substituta Adriana Buchmann, da 9ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, o empresário deveria ter notificado a startup sobre o não envio da documentação, conforme cláusula também prevista no acordo. Após a reclamação, a empresa teria 30 dias para resolver a pendência. Só se não fosse enviada após esse prazo – conhecido como “período de cura” -, o investidor poderia pedir o vencimento antecipado.

Como não houve notificação, a juíza entendeu que o investidor não tem direito ao reembolso. “Nada há nos autos que indique o envio dessa notificação, sequer alegação autoral existe nesse sentido, de forma que inviável o reconhecimento do vencimento antecipado”, diz Buchmann, na decisão. A sentença é do dia 7 deste mês (processo nº 5062089-14.2020.8.21.0001). O título de dívida foi emitido em fevereiro de 2019 e vence em fevereiro deste ano.

Mesmo que tivesse sido notificada, acrescenta Buchmann, “penderia dúvida” se a empresa seria obrigada a emitir os relatórios nessa frequência. Isso porque, no “Termo de Ciência de Risco” assinado pelo empresário, que versa sobre os perigos associados ao investimento, a startup alerta não ser registrada na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), portanto, “pode não haver prestação de informações contínuas”.

Criada em 2018, a SunnyHUB afirma ter captado R$ 12 milhões em recebíveis no ano passado. As captações foram feitas por meio da plataforma de equity crowdfunding (financiamento coletivo) cluster 21. Uma das ofertas públicas da SunnyHUB foi derrubada pela CVM por irregularidades em prestar informações essenciais a investidores. Após a correção, contudo, a rodada de investimento foi restabelecida.

Em nota, a CVM afirma que as regras sobre as informações essenciais de uma oferta pública por meio das plataformas de investimento participativo são regidas pela Resolução nº 88, de 2022. A sociedade de pequeno porte deve descrever quais informações divulgará e em qual periodicidade. O intervalo mínimo obrigatório é de seis meses.

Para o advogado Eduardo Brasil, sócio do Fonseca Brasil Advogados, o envio regular de informações financeiras pela empresa investida é uma prática comum nos contratos de investimento. “O investidor, sócio ou não, passa a ter gerência na empresa, precisa aprovar questões societárias e acompanhar os indicadores financeiros, sobre o endividamento, liquidez e lucro”, diz.

Essas cláusulas são similares às “covenants”, cujo objetivo é garantir o mínimo de gestão e acompanhamento para o credor. Quando descumpridas, dão o direito à antecipação do pagamento do empréstimo. “O investidor está mais preocupado com a geração de caixa futuro da empresa para ter uma garantia do retorno do investimento”, completa.

Segundo a Resolução da CVM, é possível reaver o capital investido em algumas situações, como a desistência cinco dias após a confirmação do investimento; quando o montante final investido não atingir o valor alvo mínimo de captação; e quando houver suspensão e cancelamento da oferta. Para resgate antecipado, as hipóteses estão no contrato.

No acordo firmado com a SunnyHUB, existem algumas possibilidades de vencimento antecipado, como a falência ou recuperação judicial da empresa, alguma alteração societária sem aviso prévio aos investidores, “inobservância das obrigações da emissora” ou descumprimento de obrigação não pecuniária da startup que não fosse sanada em 30 dias após notificação enviada pelo investidor.

Para o advogado Felipe Barreto Veiga, sócio-fundador do BVA Advogados, o próprio empresário “acabou não observando uma regra prevista na cláusula que ele diz ter sido descumprida pela startup”, que era a de notificar.

Veiga ainda afirma que os pedidos de vencimento antecipados são feitos em situações mais graves, como mudança no investimento a ser feito pela empresa. “O entendimento do mercado é bastante consensual e só se pede [resgate antecipado] quando há uma pisada de bola grave, com descumprimento de uma obrigação relevante que pode afetar o capital do investidor ou sua reputação.”

A advogada da SunnyHUB no processo, Nadine Tuane Henn, do escritório Ferraz dos Passos Advocacia, afirma que os relatórios aos investidores foram enviados semestralmente. Acrescenta que, por conta de a startup ser de pequeno porte e não estar registrada na CVM, não precisaria fazer o envio trimestral. “O que vigora é a disposição contratual”, diz. Mesmo assim, a obrigatoriedade só se iniciaria após a rodada de investimento e não durante o processo, completa.

Segundo ela, nenhum outro investidor reclamou do não envio da documentação, nem pediu a antecipação do capital investido. Ela também enfatiza que apesar da relação contratual, não se aplica o Direito do Consumidor. “As partes estão em pé de igualdade. Não há critério de proteção a não ser a boa-fé que deve haver em qualquer obrigação contratual”, afirma. Ela também indica que a intenção do empresário era retirar antecipadamente o investimento feito para colocar em outra empresa.

O investidor vai recorrer da decisão, segundo o advogado que o representa no processo, Amiel Dias de Luiz, sócio-fundador do escritório Luiz Advocacia Empresarial. O principal argumento será o de que a startup não obteve a captação de investimento mínima da oferta, o que, pelas regras da CVM, obriga a empresa a devolver em até sete dias o dinheiro aos investidores.

De acordo com os relatórios públicos anuais que a cluster 21 envia à CVM, a SunnyHUB fez três rodadas de captação em 2019 e 2020 e apenas uma atingiu a captação mínima. Os períodos, no entanto, são diferentes da oferta do investidor da ação judicial. A advogada Nadine Tuane Henn diz que o lance mínimo foi alcançado, mas não enviou a documentação relativa.

Paulo Bardella Caparelli, sócio do Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, lembra que uma empresa pode fazer até duas rodadas de negociação seguidas – uma primária e outra adicional. Para fazer a segunda, é preciso ter no mínimo dois terços do valor pretendido na primeira. “O não atingimento dos dois terços necessários implicaria a necessidade de devolução dos valores investidos”, afirma Caparelli.

Procuradas pelo Valor, a SunnyHUB e a cluster21 não deram retorno até o fechamento da edição.

https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/01/18/justica-nega-devolucao-de-investimento-em-startup.ghtml

Compartilhe