PORTFÓLIO
Jogo do Tigrinho é legal, mas sem regras e cheio de golpes
Guilherme Tagiaroli
De Tilt, em São Paulo
É você abrir os stories de um influenciador e lá está a propaganda de um jogo caça-níquel, como o Jogo do Tigrinho (Fortune Tiger), que promete ganhos gigantescos que não são concretizados.
Apesar de uma lei antiga proibir jogos de azar no Brasil, outra de 2023 permite jogos online. A situação é de limbo jurídico, pois ainda não há regras sobre o que são considerados requisitos legais para um jogo ser ofertado no Brasil.
O que aconteceu
Lei regulamenta jogos do tipo slot (como caça-níquel) no Brasil. A lei 14.790/2023 fala em “canal eletrônico que viabiliza a aposta virtual em jogo no qual o resultado é determinado pelo desfecho de evento futuro aleatório, a partir de um gerador randômico de números, de símbolos, de figuras ou de objetos definidos no sistema de regras”.
Regra sobre jogo online, presente na legislação, é de ter uma quota fixa. Na prática, isso significa que no momento do jogo, a pessoa sabe o fator de multiplicação do prêmio em caso de ganho.
Apesar da lei, falta descrição de requisitos legais. O jogo tem autorização para ser ofertado no Brasil, mas ele ainda não está 100% regulamentado, pois faltam portarias do Ministério da Fazenda descrevendo requisitos legais.
Portarias devem ser publicadas neste ano. Esses jogos devem ser certificados por laboratórios nacionais e não devem ser lesivos para os apostadores — esse regramento ainda não foi definido. Segundo o Ministério da Fazenda, as portarias devem ser publicadas ainda neste ano para que em 1º de janeiro de 2025 inicie o mercado regulado; quem estiver regulado terá apenas jogos certificados e página com domínio “.bet.br”.
Problema é quem anuncia jogo prometendo mundos e fundos. Segundo associações que representam casas de apostas, o Jogo do Tigrinho não é o problema, e sim a promoção dele feita por terceiros — geralmente influenciadores —, prometendo ganhos astronômicos.
Nenhuma casa de aposta que está comprometida com o processo de legalização no Brasil, ainda em andamento, promete ganhos aos apostadores e muito menos enriquecimento por meio dos jogos.
Nota da ANJL (Associação Nacional de Jogos e Loterias)
Jogo geralmente oferecido por influenciador vem de sites não autênticos ou “skin de afiliados”. É o que explica André Gelfi, presidente do IBJR (Instituto Brasileiro de Jogo Responsável), que diz representar 70% das casas de apostas. Por afiliado, entenda que uma pessoa faz uma parceria com alguma casa de aposta ou game. Conforme ela divulga o jogo e faz pessoas se inscreverem e jogar, ela ganha uma comissão.
Boa parte das empresas funciona sob o regramento europeu. Gelfi diz que várias casas de apostas oferecem games do tipo slot machine (caça-níquel). No entanto, segundo ele, boa parte das empresas funciona sob o regramento europeu, então são certificados por órgãos da região e os jogos não são “viciados”.
Esquema no Brasil. A Polícia de Alagoas descobriu que influenciadores recebiam contas viciadas para promover o game. Dessa forma, ao demonstrarem em suas redes sociais os ganhos falsos, incentivariam seus seguidores a se inscrever e a jogar. Os influenciadores estão sendo acusados de estelionato.
Sites são hackeados para oferecer game. Esse sistema de afiliados parece justificar os vários sites de prefeitura e órgãos públicos que são hackeados para oferecer o game. Dessa forma, quem estiver associado às plataformas e reunir mais jogadores inscritos acaba ganhando mais comissão. Procurada, a PG Soft, empresa responsável pelo Fortune Tiger, baseada em Malta, não respondeu aos contatos da reportagem.
Quando reconhecer que um jogo é sério? O que fazer se for lesado?
A principal dica é que ninguém “promete ganhos, muito menos enriquecimento” por meio de jogos, segundo a ANLJ. Portanto, quando a esmola for demais, desconfie. “O mercado de apostas é sempre uma forma de entretenimento, jamais de ganhar dinheiro”, continua a associação em nota.
Tente saber as afiliações da empresa. Gelfi diz que casas de apostas sérias têm associações com órgãos de supervisão, enquanto o Brasil não finaliza as portarias de regulamentação. Na Europa, por exemplo, tem o EGBA (European Gaming Betting Association); no Reino Unido, o GamCare.
Não custa também dar uma olhada no Reclame Aqui. Lá, é possível ter uma noção, baseada no relato das pessoas, se algum jogo ou casa de aposta lesou alguém. Se tiver muitas reclamações, melhor evitar.
Acha que foi lesado? Procure as autoridades policiais e faça um boletim de ocorrência descrevendo com os fatos. É o que sugere a advogada Railane Roma. Em caso de pagamento recorrente, suspense o serviço de pagamento. Por mais que possa não haver um retorno do prejuízo num primeiro momento, continua a advogada, a notificação gera um histórico que deve fazer com que as autoridades percebam o problema e ajam o quanto antes.
“Autoridades precisam regulamentar logo essa atividade, pois sem um regramento claro, não há segurança jurídica e as pessoas ficam num limbo. Como está, golpistas acabam agindo livremente e vítimas sendo alvo deles.”
Railane Roma, advogada especialista em direito criminal.