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Já mentiu no currículo? Conheça os ‘detetives’ de RH e veja como são checados dados de candidatos a emprego

27 de maio, 2024

Pesquisa aponta que quase 70% dos recrutadores já descartaram candidatos em seleções para empregos por causa de inconsistências como mentir sobre experiência, habilidades e histórico escolar

Por Ana Flávia Pilar
— São Paulo

(Foto: Freepik)

Quem nunca deu uma “valorizadinha” a mais num item do currículo na disputa por um emprego atire a primeira pedra. Mas o que os recrutadores realmente temem nas seleções é aquele candidato que não tem pudor de mentir para conquistar uma vaga.

O que ele não imagina é que as informações muitas vezes são checadas. Para identificar os mentirosos, um número crescente de empresas tem recorrido a consultorias especializadas em identificar inconsistências em currículos com o uso de tecnologia e profissionais treinados para cruzar dados e fazer investigações.

Uma pesquisa publicada este ano pela consultoria de recursos humanos Robert Half revelou que 69% dos recrutadores já descartaram candidatos por inconsistências e mentiras nos currículos.

Os casos mais comuns são exagero na descrição de habilidades ou conhecimentos (citado por 50% dos entrevistadores), mentiras sobre cargos anteriores (48%), habilidade maior que a real em idiomas (32%), distorções sobre experiências e realizações (29%) e falso histórico educacional (26%).

O Grupo Iaudit, uma das empresas que atuam como “detetives” de RH, usa ferramentas digitais que automatizam o levantamento de dados sobre os candidatos em fontes como tribunais, cartórios e Receita Federal. A consultoria atende mais de 100 companhias.

O CEO Rodolpho Takahashi conta que essa demanda dobrou nos últimos dez anos. Quanto mais alto o cargo, maior é a disposição da empresa de pagar para não cair na lábia dos desonestos. Ele conta que a Iaudit foi procurada por uma companhia que contratou um diretor que não tinha sequer o ensino médio concluído:

— O candidato foi tão convincente no discurso que conseguiu a vaga. A checagem deve ser atualizada, mesmo após a contratação. Você não consegue saber o que o seu colaborador fez em determinado período. Isso vale para influenciadores que a empresa está considerando para publicidade.

O processo de checagem passa pelo histórico do candidato por outras empresas, verificando se ele trabalhou mesmo em estruturas semelhantes à que está pleiteando.

Meias palavras

Recentemente, o senior manager da consultoria de recrutamento Robert Walters, Bruno Martins, avaliou um postulante ao cargo de diretor comercial que apresentava em seu currículo uma performance de 120% acima da meta de vendas em uma companhia.

Ao entrar em contato com a empresa, Martins descobriu que esse resultado saiu caro: a taxa de rotatividade entre os funcionários subiu mais de 30% no período, com a perda de talentos em um péssimo ambiente de trabalho. Com essa informação, a multinacional que havia contratado a checagem descartou o candidato.

— Ele não mentiu, mas coordenava o time com mais pressão, o que não aparece em entrevista, mas seu estilo poderia trazer problemas para meu cliente — relembra o recrutador, que atende 70 companhias.

Os profissionais submetidos à checagem de informações precisam autorizar o compartilhamento dos dados do currículo. Assim, os recrutadores podem entrar em contato com empregadores anteriores para validar dados, por exemplo.

Martins diz encontrar candidatos que descrevem alta performance, mas a verificação aponta aspectos favoráveis da empresa em que trabalhava. Para avaliar o desempenho de um vendedor, por exemplo, ele diz que é preciso entender quais produtos o profissional vendia, como os preços eram formados e se havia autonomia para dar descontos.

Na Fesa Group, que também faz checagem, a conferência do currículo envolve entrevistas com outros profissionais com os quais o candidato atuou.

Júlia Domiciano, gerente de relacionamento e recrutamento na Viseu Secondment, uma consultoria que ajuda a investigar candidatos principalmente para escritórios de advocacia, conta que a mentira mais frequente é a comunicação falsa de registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), obrigatória para o desempenho da função.

Há também os que informam especialização em determinada área mas, quando questionados sobre o tema, admitem terem frequentado apenas cursos rápidos de três meses.

Demitir é mais difícil

No Grupo UmaUma, de entretenimento, as mentiras mais comuns encontradas pelos recrutadores envolvem fluência em idiomas e conhecimentos sobre ferramentas digitais que a empresa usa. Também é recorrente que os candidatos aumentem o tempo em que trabalharam em outras empresas, exagerando também nas atividades que desempenharam, conta a líder de RH da empresa, Fabiana Fidalgo.

Para evitar contratações frustradas, a organização decidiu investir internamente em ferramentas para investigar os candidatos, como uma plataforma de inteligência artificial (IA) que cruza dados das análises comportamental, de habilidades, de experiência e dos conhecimentos exigidos para apontar o que não bate. Quando o sinal de alerta apita, entram em campo profissionais treinados para detectar mentiras nas entrevistas.

— Dá para perceber nos primeiros meses de trabalho quando alguém mentiu — diz Fidalgo. — Admitir quem não é ideal para a vaga pode levar a vários prejuízos: custo da demissão, reinício do processo seletivo e até perda de clientes.

Para Priscilla Carbone, sócia do Madrona Fialho Advogados, nem toda mentira pode levar à demissão por justa causa. Precisa ser comprovada e avaliada quanto à gravidade. Uma mentira mais “leve”, não caberia no enquadramento. Juliana Nunes, sócia do Campos Mello Advogados, concorda, mas diz que cada caso deve ser avaliado separadamente:

— Empresas que exigem inglês avançado têm recursos para avaliar essa habilidade (antes de contratar). Entender que o conhecimento do funcionário é menor que o esperado pode não ser suficiente para justa causa porque a empresa teve como avaliar isso antes.

Beatriz Alaia Colin, criminalista do escritório Wilton Gomes Advogados, alerta que alguns casos mais graves podem ser enquadrados penalmente. Ela avalia que mentir sobre conhecimentos em outro idioma e informática, por exemplo, não é o bastante para configurar falsidade ideológica. Mas uma fraude na carteira da OAB já seria um crime.

— Mentiras que dizem respeito a diplomas em universidades são relevantes e podem ser objeto de ações penais — alerta. — E nos casos em que a pessoa chega a exercer ilegalmente um ofício, pode incidir também no crime de exercício irregular da profissão.

https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/05/26/ja-mentiu-no-curriculo-conheca-os-detetives-de-rh-e-veja-como-sao-checados-dados-de-candidatos-a-emprego.ghtml

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