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IOF em VGBL é cerco a planejamento tributário, mas desestimula poupança de longo prazo

23 de maio, 2025

IOF em VGBL é cerco a planejamento tributário, mas desestimula poupança de longo prazo

Medidas mantêm parte do segmento desconfortável, com efeitos que vão da elevação de custos para os FIDC a uma taxação proibitiva para aportes em planos de previdência do tipo VGBL com valores acima de R$ 50 mil por mês

Foto: Pixabay

Por Adriana Cotias

O recuo do governo no aumento de imposto sobre operações financeiras (IOF) para aplicações de fundos locais no exterior e a disposição para rever remessas diretas para investimentos foram bem-recebidos por gestoras de recursos que executam parte de duas estratégias fora do Brasil. Mas algumas medidas de majoração mantêm parte do segmento desconfortável, com efeitos que vão da elevação de custos para os fundos de crédito estruturado (FIDC) a uma taxação proibitiva para aportes em planos de previdência do tipo VGBL com valores acima de R$ 50 mil por mês.

“A medida do VGBL pega o cliente de média e alta renda, que no final do ano recebe um bônus de mais de R$ 50 mil e quer guardar recursos na previdência”, diz o executivo de uma tradicional gestora de recursos.

Pelas novas regras, passa a incidir IOF à alíquota de 5% sobre os aportes mensais destinados ao custeio dos planos nesse modelo, sempre que a soma dos valores aportados pelo segurado ultrapassar R$ 50 mil no mês, mesmo que distribuídos entre diferentes seguradoras ou entidades. Em nota, a Susep escreveu hoje que a iniciativa do governo tem também o “objetivo de evitar um uso inadequado dos planos de VGBL, que os desviem de sua função específica”.

Em fevereiro de 2024, a Susep publicou novas normas para os produtos PGBL e VGBL, a fim de garantir maior aderência à sua finalidade de proteção financeira de longo prazo. “Entre os avanços, destacam-se medidas que buscam coibir práticas que possam desvirtuar a lógica desses planos, reforçando seu papel como instrumento de segurança e planejamento para os consumidores”, escreveu a Susep.

“O VGBL é um instrumento para aposentadoria e sucessão. Em qualquer lugar do mundo, o governo estimula a poupança de longo prazo. É saudável para a economia”, diz Otávio Vieira, que lidera a divisão de crédito na gestora de fortunas Est. “Ao taxar valores acima de R$ 50 mil, o governo está tirando grandes poupadores desse jogo.” Um diretor financeiro que ganhe R$ 200 mil de bônus no fim do ano vai ser taxado em 5% “na cabeça, e já pagou um monte de IR, e não é um valor que mude a vida de ninguém”, exemplifica.

Um efeito colateral, diz o gestor, é que vai acabar encarecendo a dívida pública, já que os fundos de previdência são os maiores financiadores do Tesouro ao comprar títulos federais para as suas carteiras.

Hermando Barbosa, sócio do BMA Advogados, vê o valor acima de R$ 50 mil como uma cifra aleatória que o governo entendeu englobar os super ricos, como definiu no projeto para taxar dividendos. “Os 5% têm cara de tributação punitiva, desestimula o investimento pelo contribuinte, é para inibir a prática, de todo modo é um ato econômico”, diz. “Me parece que a finalidade foi justamente coibir o uso do VGBL como modalidade de investimento financeiro, o que não é verdade, não é.”

Apesar da possibilidade de resgate dos valores e ter um perfil econômico parecido com o dos fundos de investimentos tradicionais, “trata-se de um produto financeiro de natureza securitária, de formação de poupança de longo prazo e também serve, eventualmente, para fazer transferência para a geração seguinte”, continua Barbosa. Ele acrescenta que este é o modelo padrão de outras economias, a exemplo da europeia, inclusive com alíquotas regressivas de imposto de renda. “A tributação mais baixa não é por acaso.”

No Brasil, no modelo regressivo, resgates antecipados na previdência penalizam o investidor já que a alíquota começa em 35% para saques em até dois anos, caindo a 15% só entre oito e dez – quando se iguala à taxação menor da renda fixa -, e chegando a 10% após dez anos. Barbosa não acha que o instrumento VGBL esteja sendo desvirtuado. “Aposentadoria tem teto? É algo que varia de acordo com a necessidade e a disponibilidade, não há nada errado nisso, não tira o caráter securitário.”

Para Luca d’Arce Giannotti, especialista em seguros do escritório Ernesto Tzirulnik Advogados (Etad), o governo parece querer fechar as portas das pessoas mais abastadas para pagar menos tributos, valendo-se de planejamento tributário via VGBL. “Vai na mesma linha da tributação dos fundos exclusivos [fechados] e do projeto para taxar dividendos de quem recebe acima de R$ 50 mil”, diz. “E a previdência é um seguro de vida contra o risco de sobreviver. O sinistro é pago por viver e isso gera um custo, essa é a natureza da previdência privada. Como o valor é pago como se fosse uma indenização, justifica o fato de não ser tributável não só de IOF, mas de IR na fonte.”

O especialista diz que é como se o governo estivesse recriando uma taxa de carregamento para as classes mais abastadas, mas os recursos não ficam para as seguradoras, mas para o caixa do Tesouro. “É um cerco ao planejamento tributário. Se fechar essa brecha e taxar os dividendos, não tem mais via para retirar dinheiro isento.” 

Fundos de investimentos 

O passo atrás do governo na questão das aplicações dos fundos fora do Brasil foi uma decisão acertada, diz Barbosa. “Era um ponto gravíssimo, felizmente foi corrigido, mas passa uma sensação ruim.”

Glauco Cavalcanti, da BLP Capital, diz que na formulação da medida para impor 3,5% para aplicações dos fundos locais no exterior havia um equívoco conceitual porque um gestor, quando recebe uma aplicação de R$ 1 mil de um investidor e compra ativos no exterior, não há disponibilidade dos recursos para o cotista lá fora. O passivo continua em reais e quando o cliente resgatar o dinheiro, ele vai ter que vender o ativo, fazer o câmbio e pagar na moeda brasileira. “Câmbio dentro de uma carteira de fundo não é disponibilidade no exterior. O passivo fica aqui, não é evasão de divisas.”

O executivo de uma tradicional gestora de recursos independente acrescenta que ao voltar atrás o governo também atendeu demanda dos bancos, que executam suas operações de tesouraria via fundos. “O intuito é arrecadar, tirar dinheiro da classe média alta, pega a pequena e média empresa”, diz. “A grande dúvida é como o mercado vai lidar com mais essa incerteza, como vai ser o ano quem vem se o presidente Lula estiver mal nas pesquisas, será que vão apertar o botão de pânico como no governo Dilma?”

Vieira, da Est, diz que a elevação do IOF para as operações de crédito vai encarecer também o lastro para os fundos estruturados, já que grande parte das transações com garantia é feita via cédula de crédito bancário (CCB). “Vai encarecer, inclusive o consignado, algo que o governo quer estimular, não tem nexo, cria o consignado privado e na sequência aumenta o IOF.”

Cavalcanti concorda, diz que vai onerar toda a cadeia, “não tem jeito”.

https://valor.globo.com/financas/noticia/2025/05/23/iof-em-vgbl-cerco-a-planejamento-tributrio-mas-desestimula-poupana-de-longo-prazo.ghtml

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