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Gol pede recuperação judicial. Por que a aérea entrou em crise? O que muda para passageiros? Tire suas dúvidas
Companhia recorre à Justiça nos EUA e afirma contar com financiamento de US$ 950 milhões
Por Glauce Cavalcanti, Juliana Causin, Victoria Abel e Letycia Cardoso
— Rio, São Paulo e Brasília
(Foto: Divulgação)
Um dia após o governo federal anunciar que terá um pacote de ajuda a empresas aéreas — com um fundo para crédito de até R$ 6 bilhões —, a Gol Linhas Aéreas ingressou na Justiça dos Estados Unidos com pedido de proteção contra credores. Com uma dívida de R$ 20 bilhões, a companhia recorreu ao Chapter 11, mecanismo similar ao da recuperação judicial brasileira.
Ao protocolar seu pedido, a Gol garantiu contar com compromisso de um financiamento no valor de US$ 950 milhões (R$ 4,7 bilhões), a ser feito por grupo de detentores de títulos de dívida do Abra Group, holding controladora da companhia e também da colombiana Avianca.
Por que a aérea resolveu fazer isso?
A Gol afirma estar recorrendo ao Chapter 11 para reestruturar suas obrigações financeiras de curto prazo e fortalecer sua estrutura de capital no longo prazo.
Foi uma queda de braço com os arrendadores de aviões que levou a Gol à Justiça. A escolha por fazer isso nos EUA, diz o CEO da companhia, Celso Ferrer, vem do fato de a maioria deles responder à Justiça americana.
Os voos com passagens vendidas serão afetados?
A empresa afirma que todas as operações, incluindo o programa de fidelidade Smiles e acordos com outras aéreas, seguem normais.
— A decisão de entrar (com o processo) é para garantir que a companhia tenha a estrutura de capital correta para enfrentar os desafios da indústria de aviação — explicou Celso Ferrer em teleconferência com jornalistas no início da noite de ontem. —Todos os voos seguem operando como programados, as vendas estão mantidas, é a mesma Gol.
O CEO da Gol fez questão de frisar que as operações na empresa, que conta com 14 mil funcionários, serão mantidas normalmente e que não há previsão de demissões:
— Não há previsão de redução de operação, de pessoal ou do número de bases que a Gol tem hoje. Estamos recorrendo ao Chapter 11 justamente para proteger (a empresa) de qualquer ação que possa ser tomada pelos arrendadores de aeronaves. Enquanto isso, temos tempo e condições para que as negociações sejam realizadas.
A Gol tem 143 aviões em sua frota, todos Boeing 737. Das 15 entregas previstas para o ano passado, só houve uma.
Em comunicado, a empresa explica que os clientes serão atendidos normalmente:
“Os clientes da Gol poderão continuar a organizar viagens e a voar pela Companhia como sempre fizeram, com a utilização de passagens e vouchers.”
Acrescenta que eles seguirão acumulando milhas ao voar pela companhia e poderão comprar e resgatar milhas acumuladas por meio do Smiles.
A empresa também acrescenta que irá honrar todas as obrigações com clientes, incluindo reembolsos de passagens, cupons de viagem e pagamentos ou crédito associados a reclamações de bagagem ou serviços, em conformidade com políticas da empresa em vigor.
Quais são os principais credores?
No documento protocolado nos EUA, aparecem como principais credores da companhia o Bank of New York Mellon, com US$ 353,8 milhões, o Comando da Aeronáutica, com US$ 222,5 milhões, títulos com o Bank of New York Mellon, US$ 142,1 milhões, e a distribuidora de combustível Vibra, antiga BR, com US$ 91,4 milhões.
O pedido de proteção à Justiça pela Gol era pedra cantada pelo mercado nas últimas semanas. Desde meados do ano passado, a companhia vinha em negociações com lessors (arrendadores de aeronaves) sem conseguir chegar a um acordo. Em dezembro, contratou a consultoria Seabury para ajudar na revisão de sua estrutura de capital.
Como o governo reagiu?
Após o pedido, o Ministério de Portos e Aeroportos disse, em nota, que “está acompanhando o plano de reestruturação apresentado hoje (ontem) pela companhia aérea Gol e trabalhando junto à empresa e à Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) para garantir a manutenção dos serviços prestados à população.”
Na véspera, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, disse que o governo estava empenhado em apoiar as aéreas, o que seria por meio de crédito e abatimento de dívida. Uma das medidas em estudo é uma mudança no preço do querosene de aviação.
Na quinta-feira, integrantes do Ministério da Fazenda afirmaram, contudo, que eventual desconto nos preços do combustível não deve decorrer de isenções fiscais.
Ferrer afirmou que as medidas do governo são bem-vindas e atendem pautas importantes do setor e que a companhia irá aderir aos programas do governo quando lançados. Mas frisou que é algo distinto do pedido da Gol à Justiça dos EUA.
Qual é a situação financeira da Gol?
No terceiro trimestre de 2023, a companhia registrou prejuízo de R$ 1,3 bilhão, abaixo da perda de R$ 1,55 bilhão de um ano antes. A dívida bateu em R$ 20 bilhões. Deste total, R$ 3 bilhões vencem no curto prazo.
No ano, até quarta-feira, a companhia acumulou uma queda de R$ 971 milhões em valor de mercado, ficando avaliada em R$ 2,7 bilhões, segundo levantamento feito pelo consultor de dados financeiros Einar Rivero.
Ferrer frisa que o processo iniciado agora é resultado do que chamou de “legado da pandemia”, quando os aviões ficaram em solo. Os custos subiram, a dívida saltou e faltou acesso a capital, argumenta o executivo, ao contrário do que ocorreu na aviação comercial em outros países. Há ainda dificuldade de expandir a frota, pelo atraso na entrega de aeronaves pela Boeing.
Como as ações da companhia reagiram?
Ontem, com o anúncio do processo nos EUA, a B3 suspendeu por 30 minutos as negociações das ações da Gol durante a tarde. Os papéis fecharam em baixa de 3,16%, a R$ 6,44.
Qual é a situação das concorrentes?
A chilena Latam também recorreu ao Chapter 11, em 2020, enquanto a Azul concluiu uma reestruturação de sua dívida em outubro do ano passado, após alcançar acordos com arrendadores e outros credores.
Ferrer estima que a reestruturação deverá ser “substancialmente” mais rápida que a de outras aéreas latino-americanas, como Avianca e Latam.
— Não estamos em cenário de pandemia, quando havia muita incerteza. Já é um cenário de demanda mais consistente — justificou.
Qual é a chance de a empresa se recuperar?
A entrada no Chapter 11, nos EUA, explica o advogado José Antonio Miguel Neto, traz garantia à companhia contra eventuais pedidos de reintegração de aviões feitos pelos credores:
— O objetivo principal é evitar que haja execução das dívidas ou tentativa de busca e apreensão das aeronaves pelos operadores de leasing — explica, destacando que processos nos EUA são mais céleres.
Para o ex-diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) Ricardo Fenelon, sócio do escritório Fenelon Barretto Rost, a expectativa é que os passageiros não sejam afetados por mudanças na operação.
— A expectativa é que não mude nada para o consumidor. A Gol opera com os níveis mais altos de segurança no mundo, tem índices de eficiência operacional altíssima. A princípio, é uma reestruturação financeira. Em um primeiro momento, não há nenhum impacto. Existem vários exemplos de empresas que passaram pelo Chapter 11 e que não mudaram a sua operação, como a própria Latam — explica o advogado.
A modalidade do financiamento de US$ 950 milhões será por debtor in possession (DIP), tipo de empréstimo da recuperação judicial que dá garantia de pagamento a quem cedeu recursos, mantendo o controle dos ativos.
— A Gol vai tentar renegociar suas dívidas com a supervisão do Judiciário americano. Como várias companhias aéreas já foram bem-sucedidas, a expectativa com a Gol é a mesma — avalia Fenelon.
Mais de duas décadas no ar
A Gol Linhas Aéreas foi criada em 2001 pela família Constantino, que vinha do setor rodoviário. Foi a primeira companhia a ingressar no mercado brasileiro com o modelo de baixo custo e baixa tarifa. Seis anos depois, comprou a Varig, abrindo caminho para a expansão da malha internacional. Em 2022, a família e os acionistas da Avianca criaram o Abra Group.