carregando...

PORTFÓLIO

Fomento de atividades acadêmicas ou flexibilização da imparcialidade dos magistrados?

20 de março, 2023

Por Daniel Santos de Freitas e Gabriel Silva Pereira*

Recentemente, o jornal O Estado de S. Paulo divulgou levantamento sobre possível prática questionável do ponto de vista ético e jurídico de integrantes do Poder Judiciário, dentre eles, juízes, desembargadores e ministros, pela presença dessas figuras em eventos, cuja finalidade seria o fomento de “atividades acadêmicas”, supostamente patrocinados por empresas que possuem centenas de ações judiciais em trâmite, as quais somam, ao menos, R$ 158,4 bilhões, entre multas, indenizações e dívidas.

Segundo a reportagem, grandes litigantes e interessados em importantes disputas judiciais, dentre eles a Associação Nacional das Administradoras de Benefícios (ANAB), a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Associação Nacional dos Registradores, Banco do Brasil, o Instituto Brasileiro da Insolvência (IBAJUD), o Instituto Brasileiro de Direito da Empresa (IBDE), o Turnaround Management Association (TMA), a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), entidades privadas dirigidas por empresários e advogados, patrocinaram diversos encontros de magistrados em seminários e fóruns, dentro e fora do Brasil.

Os eventos teriam sido recheados de regalias pelos patrocinadores, desde o financiamento dos painelistas a hospedagens em hotéis de luxo, shows exclusivos com artistas renomados, baladas, coquetéis, passeios em lanchas, dentre outras extravagâncias.

Acaso confirmado o cenário acima exposto, a questão que emerge é: não seriam referidos financiamentos uma forma de interferência no Poder Judiciário, capaz de intensificar ainda mais as condições desiguais entre as partes processuais?

Mesmo que se entenda reprovável a conduta dos patrocinadores, é o aceite das contribuições pelos membros do Poder Judiciário que mais chama a atenção.

Nesse sentido, a Constituição Federal, em seu art. 95, parágrafo único, inciso I, e outras inúmeras disposições legais trazidas, por exemplo, pelo Código de Processo Civil, pelo Código de Ética da Magistratura Nacional, Lei Orgânica da Magistratura (LOMA), Resoluções do CNJ, regram as condutas dos magistrados e autorizam, de fato, o exercício de atividade acadêmica, em cargo de professor em diferentes instituições de ensino, pressupondo a normalidade de participações em eventos dessa estirpe. Entretanto, referida autorização há que ser interpretada e aplicada de forma adequada, sem prejudicar a própria atividade jurisdicional, uma vez que a imparcialidade é considerada pressuposto processual de validade das relações jurídicas.

A sociedade e os litigantes, de modo geral, nutrem legítimas expectativas de que os integrantes do Poder Judiciário, notadamente as figuras responsáveis pela aplicação do Direito, pautarão suas condutas em absoluta lisura no desempenho de suas atividades, sem qualquer influência externa, em total observância aos princípios constitucionais, especialmente os da imparcialidade, moralidade e juízo natural.

Não por razões diversas que o artigo 8°, do Código de Ética da Magistratura Nacional, disciplina que o “[…] magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”.

Nessa linha, o magistrado deve ser transparente, uma vez que suas condutas, ainda que fora do seu ambiente de trabalho, contribuem de forma significativa para a confiança dos cidadãos, que, muitas vezes, aguardam, durante anos, uma solução judicial para um conflito e espera, no mínimo, que não haja interferência externa no pronunciamento judicial. Isto porque, segundo o Código de Ética da Magistratura, em razão da natureza do cargo, são impostas aos magistrados restrições e exigências pessoais distintas daquele cidadão em geral, devendo recusar qualquer benefício ou vantagem oriunda de ente público, empresa privada ou pessoa física, com o fim de não comprometer sua independência funcional.

Fato que circunstâncias como as descritas na reportagem são capazes de macular a integridade do desempenho da atividade judicante, pois justificam a sensação de desconfiança da sociedade quanto à (im)parcialidade do julgador beneficiado com as regalias e patrocínios. Princípios de índole constitucional e mecanismos infraconstitucionais que asseguram a imparcialidade do julgador jamais podem ser sacrificados, sob pena de, no mínimo, frustração da confiança depositada pela sociedade e partes de processo judicial nas figuras responsáveis pela aplicação da lei.

*Daniel Santos de Freitas, advogado do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados. Pós-graduado em Direito Administrativo pelo Damásio. Bacharel em Direito pela Faculdade de Bertioga – FABE. Integrante da Comissão Especial de Direito Administrativo da OAB/SP e defensor dativo da Sexta Turma do Tribunal de Ética da OAB/SP. 

*Gabriel Silva Pereira, advogado do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados. Pós-graduando em Direito Administrativo pelo PUC/MG. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Integrante da Comissão Especial de Direito Administrativo da OAB/SP e defensor dativo da Sexta Turma do Tribunal de Ética da OAB/SP. 

https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/fomento-de-atividades-academicas-ou-flexibilizacao-da-imparcialidade-dos-magistrados/

Compartilhe