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Fim dos direitos autorais do Mickey? Empreender com o personagem ainda não está totalmente liberado. Entenda

17 de janeiro, 2024
Por Luana de Andrade

Após quase 100 anos de proteção dos direitos autorais, a primeira versão do ratinho mais famoso da indústria do entretenimento, o Mickey Mouse, entra em domínio público. Criado por Walt Disney, o personagem apareceu pela primeira vez no filme O Vapor Willie, de 1928.

Desde então, a Disney articulou com a justiça americana a fim de estender a proteção do personagem original. Depois de quase um século, essa disputa chegou ao fim e, desde o dia 1º de janeiro de 2024, a primeira versão do Mickey não está mais sob a proteção dos direitos autorais da Disney.

Apesar da notícia empolgar quem já pensa em criar produtos com o personagem, especialistas em propriedade intelectual alertam para alguns cuidados. Confira.

Os direitos autorais do Mickey estão liberados no Brasil?

Na teoria, sim. Apesar das diferenças entre a legislação brasileira e americana, os direitos autorais do Mickey também chegaram ao fim no Brasil. Pelas especificidades da lei brasileira, que adere à Convenção de Berna para Proteção de Obras Literárias e Artísticas, a primeira versão do personagem já estaria em domínio público no país desde 1998.

“A lei brasileira tem uma contagem diferente da que é feita nos Estados Unidos. No artigo 44 da Lei 9.610, está previsto que o prazo de proteção aos direitos patrimoniais sobre obras audiovisuais, que seria o caso de O Vapor Willie, é de 70 anos, a contar de 1° de janeiro do ano subsequente ao de sua divulgação, que, no caso, aconteceu em 1928”, explica Gustavo Kloh, professor de direito da FGV Rio.

Contudo, a liberação antecipada dos direitos do personagem no Brasil e em alguns outros países não mudou muita coisa. Segundo o professor, a proteção americana continuou assustando o público, que, até janeiro deste ano, não tinha abraçado a ideia de usar o personagem.

Posso empreender usando a primeira versão do Mickey?

De acordo com os especialistas, essa resposta depende do tipo de produto em questão. O primeiro passo para entender o porquê de o personagem não estar completamente liberado para uso é compreender que existem diferentes tipos de proteção dentro da propriedade intelectual, o que garante que, ainda que os direitos autorais do personagem tenham chegado ao fim, o mascote da Disney continua protegido enquanto marca.

“Dentro da propriedade intelectual existem ‘subgêneros’. Assim, existe o direito autoral, que inclui os direitos do autor, e a propriedade industrial, que trata, entre outras coisas, de marca. O que acontece é que cada um tem uma regra específica de proteção”, explica Pedro Tinoco, sócio do escritório Almeida Advogados e especialista em propriedade intelectual.

Na prática, a Disney ainda mantém a marca registrada do Mickey, o que significa que, embora os direitos autorais do personagem original tenham expirado, o uso do Mickey como símbolo da marca Disney continua protegido. “Isso significa que o uso do personagem de maneiras que possam confundir o público ou sugerir uma associação ou endosso pela Disney ainda pode ser restringido, mesmo que a versão original do personagem esteja em domínio público”, afirma Luís Fernando Prado, sócio do Prado Vidigal Advogados e especialista em proteção de dados e propriedade intelectual.

Além disso, outro cuidado que se deve ter em mente é com o chamado “trade dress”. Também conhecido como conjunto-imagem, o termo faz referência às características de aparência visual que indicam para o consumidor a origem de determinado produto. Por exemplo, apenas o formato da garrafa de vidro da Coca-Cola pode ser suficiente para que o consumidor identifique a marca.

“Ainda que o empreendedor use unicamente a versão do Mickey que já caiu em domínio público, ele não pode usá-lo em associação a outros elementos associados à Disney ou a versões mais recentes do próprio personagem”, aponta Tinoco. Nesse sentido, combinações de cores, como o vermelho e o amarelo, e fontes tipográficas características da marca não podem ser usadas para compor qualquer tipo de produto.

O que pode ou não ser feito com o personagem de O vapor Willie

De modo geral, os especialistas não indicam empreender com produtos físicos que usem a imagem da versão original do Mickey Mouse. Por outro lado, a criação de obras artísticas, como livros e filmes, baseadas no ratinho de O Vapor Willie estão liberadas, de acordo com as leis brasileiras.

Gustavo Kloh explica que existem duas principais leis regulando o assunto. “O produto artístico, literário ou científico é regulado pela Lei 9.610. Já o produto ou serviço ao qual se atribui uma marca é regulado pela Lei 9.279”, afirma. Segundo o professor, as duas proteções têm efeitos práticos completamente diferentes para os empreendedores. “Pelas leis, eu posso escrever livro, fazer música ou fazer um filme, mas eu não posso vender um sabonete do Mickey.”

Não à toa, uma produção audiovisual com o mascote da Disney já está sendo desenvolvida e deve lembrar a montagem de terror feita com o Ursinho Pooh, que perdeu os direitos autorais em 2022.

Trailer do filme foi divulgado no dia 1º de janeiro — Foto: Divulgação
Trailer do filme foi divulgado no dia 1º de janeiro — Foto: Divulgação

Um dos diferenciais da lei que regula marcas é a proteção das chamadas “marcas de alto renome”, que recebem uma proteção legal diferenciada. De acordo com Kloh, a Disney pode ser encaixada em tal categoria e, com isso, tem maior tendência a ser protegida frente a qualquer produto que esteja sendo vendido com algum tipo de referência à marca.

Assim, como pontos de atenção para o empreendedor, Prado pontua que, antes de pensar em empreender com algum produto ou personagem que tenha caído em domínio público, é importante verificar a data exata de expiração dos direitos autorais na legislação local e lembrar que marcas registradas e direitos autorais são conceitos distintos, o que faz com que um possa trazer restrições sobre o outro.

No caso do Mickey, ele reforça: “considerando a existência de registros do Mickey como marca, o melhor a se fazer é não utilizar o personagem ou quaisquer outros elementos de design que possam sugerir uma conexão do produto ofertado com a Disney.”

https://revistapegn.globo.com/gestao/noticia/2024/01/fim-dos-direitos-autorais-do-mickey-empreender-com-o-personagem-ainda-nao-esta-totalmente-liberado-entenda.ghtml

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