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Etarismo é crime? Entenda

15 de março, 2023

Discriminação ocorre quando a idade é utilizada para categorizar e dividir as pessoas por atributos que causam danos, desvantagens ou injustiças, e minam a solidariedade intergeracional, segundo a ONU

Por Lucas de Vitta, Valor — São Paulo

(Foto: Tima Miroshnichenko/Pexels)

Um vídeo em que três calouras de Biomedicina da Universidade Unisagrado, em Bauru, no interior de São Paulo, debocham de uma colega de curso, de 44 anos, por ela ser mais velha reacendeu o debate sobre o etarismo e os possíveis crimes cometidos por quem pratica este tipo de discriminação em relação à idade.

Na publicação compartilhada nas redes sociais, uma das jovens pergunta como proceder para “desmatricular” a colega mais velha, acrescentando que, pela idade, ela não poderia mais estar na faculdade. Na sequência, uma segunda aluna cita a idade da companheira de curso – “ela tem 40 anos já, era para estar aposentada”. “Realmente”, concorda a terceira estudante.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou o etarismo, também conhecido como idadismo ou ageísmo, como um desafio global em um relatório divulgado em 2021. A discriminação ocorre, na definição da instituição ligada à ONU, quando a idade é utilizada para “categorizar e dividir as pessoas por atributos que causam danos, desvantagens ou injustiças, e minam a solidariedade intergeracional”.

Na legislação brasileira, o etarismo está previsto no Estatuto da Pessoa Idosa, segundo Daniel Bialski, mestre em Processo Penal, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e sócio do Bialski Advogados. “O Brasil pune diversos tipos de discriminação. E com relação à idade, o chamado etarismo, é crime”, disse ele.

“O estatuto, inclusive, esclarece que é crime ‘discriminar a pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade’”, acrescentou.

O caso ocorrido no interior de São Paulo, porém, não deve ser enquadrado pelo Estatuto da Pessoa Idosa, de acordo com Carla Rahal Benedetti, doutora em Direito Penal pela PUC/SP, especialista em Crimes Eletrônicos pela UCLM, na Espanha, e sócia do Viseu Advogados. Segundo ela, a legislação específica define como “pessoa idosa” apenas indivíduos com 60 anos ou mais.

Na avaliação da especialista, as estudantes que ofenderam a colega mais velha poderão responder pelos crimes de difamação – com pena de prisão de três meses a um ano, e multa – e injúria – com pena de prisão de um a seis meses, e multa -, previstos respectivamente nos artigos 139 e 140 do Código Penal.

“Foi um movimento preconceituoso, discriminatório. O crime contra a honra existe”, disse ela.

Para Benedetti, o deboche feito pelas estudantes, inclusive, pode levar até a uma possível revisão do conceito de etarismo, sem que haja uma faixa etária específica citada em lei. “Se entendermos como um preconceito voltado à idade da pessoa, não necessariamente caracterizada como um idoso, pode entrar a questão do etarismo”, explicou.

Problema frequente 

Tratada como um desafio global pela OMS, a discriminação em relação à idade é um problema mais frequente que muitos imaginam, segundo Fran Winandy, consultora especializada em Diversidade Etária e Etarismo.

“O etarismo é o terceiro maior ‘ismo’ do mundo ocidental, atrás do racismo e sexismo. Do jeito que o mundo está envelhecendo, ele vai acabar passando na frente dos demais”, explicou.

Winandy considera que as ofensas como as registradas na universidade do interior paulista fazem parte da rotina de muitos estudantes com idade mais avançada que ingressam no ensino superior. “Tem gente que fica com tanta vergonha que começa a faltar às aulas, deixa de fazer a faculdade porque acha que já não tem mais idade para isso”, disse ela.

O preconceito também ocorre no mercado de trabalho, em situações em que as pessoas mais velhas acabam sendo preteridas apenas por causa da idade. “Às vezes, o gestor quer pessoas mais novas para uma vaga. Dificilmente o currículo [do candidato mais velho] passa pelo funil, mas ninguém fala isso abertamente”, acrescentou Winandy.

https://valor.globo.com/carreira/esg/noticia/2023/03/14/etarismo-e-crime-entenda.ghtml

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