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Energia solar à noite? Entenda discussão sobre novas instalações de painéis solares em Minas Gerais
Vídeo viralizou após empresário do setor dizer que distribuidora só permite que energia seja gerada das 19h às 5h, mas não é bem assim
Por Iago Proença e Clarissa Pacheco
(Imagem: Freepik)
Circula nas redes sociais um vídeo em que um homem diz que “ficou complicado instalar painéis solares” em Minas Gerais. Ele fala que “só pode gerar energia solar das 19h às 5h” e brinca que o nome devia ser alterado para “lunar”. Em tom irônico, o homem refere-se à dificuldade que alguns consumidores do Estado encontram ao solicitar novas instalações para geração de energia solar. Mas isso não quer dizer que os clientes só poderão gerar energia à noite.
Leitores do Estadão Verifica pediram a checagem desse conteúdo pelo WhatsApp (11) 97683-7490. Entenda a seguir tudo sobre a geração de energia solar no País.
Limitação de horário não é para geração de energia, e sim para injeção do excedente na rede
No vídeo investigado, o homem alega que haveria uma “brecha na lei 14.300” que permitiria às concessionárias definir “o horário que você pode gerar [energia solar]”. Ainda diz que as empresas utilizam “questões de inversão de fluxo” como argumento para a limitação do horário.
Masnão é verdade que pessoas que têm painéis de energia solar só podem gerar energia das 19h às 5h. A geração pode ser feita em qualquer horário e o dono dos painéis pode fazer uso dessa energia independente do horário. No entanto, é possível que a energia gerada pelos painéis solares instalados no telhado de uma casa, por exemplo, seja maior do que a energia consumida na unidade, gerando o que é chamado de “inversão do fluxo de potência”.
Neste caso, o excedente segue o fluxo oposto: vai das casas das pessoas que têm painéis para os postes das ruas, ou seja, para o sistema das concessionárias distribuidoras de energia. O horário citado no vídeo – das 19h às 5h – é uma limitação para a injeção do excedente de energia gerado pelos painéis solares na rede distribuidora, e não para a geração de energia.
Um dos homens que aparece no vídeo analisado pelo Verifica é o empresário Pablo Rodrigues, dono de uma empresa de painéis solares. Depois que o vídeo sobre a “geração de energia lunar” viralizou, ele publicou uma segunda postagem em que agradecia a atenção do público e afirmava que sua intenção era chamar a atenção para a realidade dos empresários do setor de energia solar.
Concessionárias devem avaliar impactos da geração distribuída em suas redes
A lei 14.300/2022 (acesse aqui) citada no vídeo instituiu o marco legal da microgeração e minigeração distribuída, o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) e o Programa de Energia Renovável Social (PERS). Era uma demanda do setor para dar segurança jurídica aos consumidores que geram energia.
A lei define microgeração e minigeração como a produção de energia elétrica para consumo próprio. É o caso de pessoas que produzem energia solar a partir de painéis elétricos em telhados de casas, por exemplo. O marco garante o direito a todos os cidadãos que desejam gerar energia solar e se enquadrem nas determinações da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Para fazer parte do sistema de geração distribuída, o consumidor deve solicitar que a concessionária avalie os efeitos da sua instalação na rede elétrica. Um efeito possível, como citado acima, é a inversão do fluxo de potência – isto é, quando a unidade gera mais energia do que consumiu.
A Resolução Normativa 1.000/21 (acesse aqui) diz que, em caso de inversão do fluxo de potência, a distribuidora deve realizar estudos para identificar as opções viáveis que eliminem tal inversão, explica Maria Julia Florencio, sócia do LCFC+ Advogados.
A advogada explica que a resolução prevê várias alternativas possíveis. Caso nenhuma esteja disponível, a concessionária deve informar ao consumidor que é possível que o excedente de energia gerado não seja injetado na rede distribuidora.
Em nota, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) disse que “nessas situações, o solicitante pode armazenar a energia gerada, e utilizar no período noturno”.
A engenheira especialista e mestre em Energias Renováveis Joiris Manoela Dachery, fundadora da Energês, aponta que, na prática, o que a Cemig e outras concessionárias estão fazendo é incentivar que as pessoas usem um sistema de baterias, injetando o excedente de energia gerado nelas e as utilizando no período noturno. Porém, as baterias não são baratas, nem acessíveis a todos.
Críticas às concessionárias
A Vice-Presidente de Geração Distribuída da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), Bárbara Rubim, critica a forma como as distribuidoras de energia elétrica têm limitado a possibilidade do consumidor injetar a energia excedente que geram na rede das distribuidoras. Ela aponta que a inversão de fluxo é algo natural e que a rede de energia está pronta para suportá-la.
“(A distribuidora) só deveria ser capaz de limitar um direito trazido em lei para o consumidor se comprovadamente trouxer prejuízos para a operação. A gente tem distribuidoras que não observam a lei”, afirmou.
Rubim afirma que muitos consumidores têm o direitos cerceados sem receberem explicação. Ela diz que as associações setoriais cobram da Aneel a fiscalização e a punição de distribuidoras que infringem essas regras. Ela acrescenta ainda que há a cobrança para que se faça uma lei para que as empresas de energia deem explicações detalhadas aos consumidores caso rejeitem a inversão de fluxo.
A engenheira Joiris Manoela Dachery explica que a inversão de fluxo pode de fato sobrecarregar transformadores e prejudicar a qualidade da energia entregue pelas distribuidoras. No entanto, é preciso que as distribuidoras apresentem um estudo detalhado que justifique a negativa.
“O que acontece é que (as distribuidoras) não estão seguindo este estudo. Como elas têm a possibilidade de negar (a inversão de fluxo) e dizer quando é o momento (de injetar o excedente de energia), elas estão muitas vezes dizendo que essa energia vai ser injetada no período noturno”, explicou.
Procurada, a Aneel disse que o estudo que a distribuidora deve apresentar em caso de inversão de fluxo deve conter a análise da capacidade de escoamento de energia, a análise das alternativas disponíveis e seu custo e a análise da responsabilidade da distribuidora e do consumidor em cada alternativa.
Não há impedimento para novos projetos
O homem que aparece no vídeo que viralizou se apresenta como dono de uma empresa de estações de carregamento de carros elétricos. Ele disse que estaria tentando montar uma usina de geração solar, mas que não seria mais possível fazer isso em Minas Gerais: “Quem fez, fez. Quem não fez, não consegue mais”.
Não é bem assim. De acordo com a Aneel, os dados mostram que as regras atuais têm incentivado uma larga instalação de geração distribuída, sobretudo solar fotovoltaica, em todo o Brasil.
“A micro e minigeração distribuída de energia elétrica cresceu 8,84 GW em 2024, o maior valor registrado desde que as regras foram feitas, em 2012”, diz a agência.
No ano passado, havia mais de 782 mil sistemas em todo o País, sendo 99,996% deles a partir de fonte solar fotovoltaica. Houve acréscimo de 1.062.923 unidades consumidoras entre aquelas que utilizam os excedentes e os créditos da energia gerada nos sistemas instalados.