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Embate no Marco do Saneamento
Até 2023, o país deve garantir que 99% da população tenha acesso ao abastecimento de água potável
Taísa Medeiros – Correio Braziliense
(foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados – 24/2/23)
Com prazo de uma década para cumprir as metas estabelecidas no Marco do Saneamento, a questão ainda enfrenta percalços normativos. As mudanças propostas pelo governo federal para alterar o marco – derrubadas pelos deputados no início deste mês – ainda são motivo de polêmica.
Entre elogios e críticas, a principal preocupação é quanto à priorização da concentração da gestão dos recursos e projetos de saneamento nas empresas públicas, que abre brecha à corrupção e dúvidas sobre o cumprimento das metas propostas pela legislação.
Pela norma, até 2033, o país deve garantir que 99% da população tenha acesso ao abastecimento de água potável e que 90% deva ser assistida com serviços de coleta e tratamento de esgoto.
Por meio do decreto 11.467/23, o governo propôs também aumentar o prazo para as empresas municipais do setor se associarem em operações regionalizadas para dezembro de 2025.
Outra mudança apresentada no decreto suspenso foi a permissão de que 1.113 municípios, que reúnem 29,8 milhões de brasileiros, voltem a acessar recursos de saneamento do Executivo para que cumpram a meta de universalização.
Parlamentares e governadores se opuseram às medidas. O deputado Fernando Monteiro (PP-PE) foi quem apresentou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 111/23 que suspendeu trechos da regulamentação da Lei do Saneamento Básico.
A justificativa de Monteiro era de que justamente a medida do governo distorceria o conceito de estrutura regionalizada da prestação dos serviços de saneamento a fim de evitar a licitação.
Monteiro esteve reunido com o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. “Falei com Padilha quatro vezes, receber ele até me recebeu, mas não me ouviu em nenhuma”, desabafou. Monteiro disse que na quarta-feira, antes do PDL entrar na pauta da votação no plenário, ele havia falado com o ministro Rui Costa, da Casa Civil. Em uma das reuniões disse ter passado 2h30 negociando.
“O Planalto me mandou um relatório alegando que não dialogamos. O que constava no relatório era praticamente uma transcrição da reunião, não trazia nada de novo. Padilha alegou que eu havia ficado de mandar a proposta, mas na reunião já havia apresentado tudo, para mim estava pacificado”, disse o deputado.
Agora, a proposta tramita no Senado. Ao longo da semana passada, duas reuniões ocorreram: uma com integrantes da base do governo e os ministros Jader Filho, de Cidades, e Rui Costa, da Casa Civil, a outra também com os ministros, porém com membros da oposição.
Na saída da reunião, o líder da oposição Rogério Marinho (PL-RN) saudou a iniciativa do governo de convidar os líderes para debater o tema, e alfinetou: “Antes tarde do que nunca”. Marinho acredita que a reunião deveria ter sido realizado antes da divulgação dos decretos. “Em função, inclusive, do que aconteceu na Câmara”, disse. Marinho deixou clara a insatisfação da oposição com a forma como foi feita a proposta. “Deveria ser uma MP ou PL, que é o que a Constituição determina”, argumentou.
O novo marco
Alterada em 2020, a legislação do saneamento, que passou a ser conhecida como o Novo Marco Regulatório, buscava terminar com a lógica dos chamados contratos de programa, feitos sem licitação. A empresa, seja ela pública ou privada, precisaria passar por uma comprovação de capacidade econômico-financeira para cumprir esses contratos, bem como demonstrar a capacidade para alcançar a meta da universalização.
“Grande parte das companhias estaduais não conseguiu comprovar a capacidade econômica financeira para cumprir as metas, conforme exigiam as novas regras. A solução que o decreto trouxe, que, em alguma medida, é até uma solução ilegal por contrariar essas premissas do Novo Marco, foi a de flexibilizar a celebração de novos contratos de programa, já que eles poderiam ser celebrados no contexto de uma regionalização”, explica o advogado Luiz Felipe Graziano.
Além disso, Graziano aponta que com a flexibilização das exigências relacionadas com a comprovação de capacidade econômica e financeira, o cumprimento das metas de universalização em 2033 ficou em risco. “A gente poderia resumir da seguinte forma: o governo entendeu que as companhias estaduais não podem ser deixadas no caminho e devem ter um papel relevante no processo. Para isso, elas precisam ser reestruturadas, mas, ao invés de buscar a recuperação dessas companhias, os decretos acabaram flexibilizando as exigências. Baixou o sarrafo ao invés de preparar melhor as companhias para enfrentar a concorrência”, analisou. “A lei em 2020 pode não ser perfeita, mas foi a lei possível”, concluiu Graziano.
Principais mudanças do decreto apresentado pelo governo em 5 de abril de 2023, que agora será apreciado no Senado:
- Fim do limite de 25% de participação privada na contratação por meio de Parcerias Público-Privadas (PPP) pelos estados. O decreto retirava os limites para esse tipo de parceria
- Prestação de serviços regionalizada: as novas regras prorrogam o prazo para a regionalização até 31 de dezembro de 2025.
- Possibilidade de estatais prestarem diretamente o serviço, pois desobriga que exista licitação em casos de prestação regionalizada