PORTFÓLIO
Em defesa da primeira Lei Especial de Contrato de Seguro brasileira
Urge aprovação de projeto no Senado para valorizarmos fornecedores de seguro e resseguro que de fato prestigiem o país
(Crédito foto: Pedro França/Agência Senado)
A partir da década de 1930 o Brasil empreendeu a construção de um sistema nacional de seguros privados com o objetivo de reter tecnologia, provisões e divisas no país e respaldar a política desenvolvimentista industrializadora.
Os objetivos eram fomentar as atividades econômicas, provendo-lhes boas garantias de seguros, emancipar as seguradoras brasileiras criando estruturas locais capazes de prestar satisfatoriamente os serviços de seguros aos consumidores e, principalmente, aos empresários estatais e privados da infraestrutura, indústria e comércio, logística, tecnologia etc.
Entre os instrumentos dessa política utilizaram-se a nacionalização das companhias seguradoras, a criação de um ressegurador monopolista, o IRB, agente econômico e regulador relevante o suficiente para obter retrocessões internacionais e permitir às seguradoras celebrarem e bem cumprirem contratos funcionais para a devida proteção dos segurados.
Houve décadas de muito sucesso, com resultados financeiros positivos e apoio eficaz à produção e à exportação de bens e serviços, período em que o IRB, com suas normas de resseguro e retrocessões e seu grande poder de compra de retrocessões, propiciou vantajosas experiências de conteúdo para os seguros de grandes e médios riscos brasileiros, distinguindo-os notoriamente dos vendidos pelo mercado internacional nos demais países da América Latina.
Embora retendo o poder-dever de prestar os serviços de regulação e liquidação dos sinistros, procedimentos importantes para o conhecimento da existência e da grandeza do direito dos segurados que sofreram sinistros, o mercado brasileiro conseguiu, progressivamente, capacitar suas seguradoras para elas próprias desenvolverem esses atos de execução dos contratos de seguro, no momento mais delicado da vida contratual, o dos sinistro, quando as forças produtivas precisam ser rápida e eficazmente recapacitadas.
A experiência brasileira foi positiva para o apoio à política de industrialização que trouxe empresas como a Embraer, a CSN, a Vale, as diversas construtoras e as fabricantes de bens de capital que se desatacaram nos mercados internacionais e puderam superar grandes acidentes e até mesmo crises de países estrangeiros.
Durante os anos 1980, nas Rodadas do Uruguai, o Brasil foi levado a prometer a abertura do sistema financeiro e ressecuritário aos organismos internacionais, caminho sem retorno que veio a resultar, nos anos 1990 e 2000 na desarticulação do IRB e na extinção do monopólio, em 2008. Em 2013 o IRB foi privatizado.
Durante esses anos que se seguiram ao continuado desmantelamento do sistema nacional de seguros, os resseguradores estrangeiros, oligopólio internacional de relevância incontestável, especialmente assentado na Europa e nos Estados Unidos da América do Norte, passaram a substituir de fato as seguradoras e o IRB nas regulações de sinistros, introduzindo seus fornecedores mundiais.
Como advertiu o saudoso ministro Ruy Rosado de Aguiar, os seguros perderam, assim, parte relevante de sua função social, por restringirem as coberturas a danos físicos às coisas.
Hoje, o país convive com poucas resseguradoras que aqui vieram se estabelecer com reservas e provisões e muitas outras que colhem nos seguros brasileiros divisas destinadas ao exterior, onde mantêm suas provisões e pagam tributos mais vantajosos em detrimento das resseguradoras concorrentes locais.
O governo federal vem empreendendo esforços para ao invés de simplesmente lançar mão das estruturas reservadas para suprir a deficiência dos mercados fornecedores de seguros e resseguros para a infraestrutura, como a ABGF, solucionar as deficiências dos seguros mediante a aprovação de uma boa lei que regule esses contratos.
É com esse histórico concreto em mente e as lições insuspeitas dos mais sensíveis magistrados e juristas, que o Grupo Prerrogativas acompanha e apoia a tramitação do PLC 29/2017, que procura atribuir ao país a primeira Lei Especial de Contrato de Seguro de sua história.
O PLC 29/2017 é fruto do amadurecimento constante de um projeto que tramitou na Câmara dos Deputados por mais de uma década, tipo de diploma que, assim como países latino-americanos (México, Argentina, Chile, Peru etc.), os países mais desenvolvidos cuidam de ter e renovar para evitar a anarquia econômica e as assimetrias no mercado dito “livre” (Alemanha, Espanha, França, Reino Unido, Bélgica, Portugal, Austrália, Canadá, Estados Unidos etc.).
Durante o governo anterior, a Susep e demais órgãos do governo produziram normas inúmeras, sem o crivo legislativo, invadindo a competência privativa do Congresso Nacional. O movimento intenso da autarquia e do Conselho Nacional de Seguros Privados, se trouxe alguns avanços, foi exageradamente benéfico para os interesses das resseguradores internacionais.
Enquanto o país não tiver regras contratuais de seguro para suprir, após 70 anos de tutela de monopólio, a omissão legislativa que se verificou quando da abertura do mercado de resseguro feita em 2017, o importante instrumento securitário não se verá suficientemente maduro para servir à sociedade brasileira.
Urge a aprovação do projeto, sem desfiguramento, no Senado para, assim, podermos seguir adiante valorizando agentes fornecedores de seguro e resseguro que de fato prestigiem o país, aqui mantendo reservas, provisões, aqui pagando seus impostos e aqui sujeitando-se a regime legal que garanta, para todos uma boa espinha dorsal jurídica capaz de garantir a altivez do seguro privado brasileiro e servir ao desenvolvimento social e econômico do Brasil.