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‘É roubo’: como a pirataria de livros gera rombo de R$ 1 bilhão por ano

23 de setembro, 2023

Rafaela Polo
De Tilt, em São Paulo

(Imagem: Carles Rabada/ Unsplash)

O Brasil é um país que lê e dados comprovam. A Bienal do Livro do Rio de Janeiro de 2023 vendeu cerca de 5,5 milhões de exemplares em 10 dias de evento. A edição mais recente da pesquisa “Retratos da Leitura”, feita pelo Instituto Pró-Livro em 2020, mostrou que 52 milhões de brasileiros são considerados leitores. Mas uma parte dos livros consumidos não são adquiridos de forma legal.

Assim como acontece com músicas, filmes e séries, o mercado literário sofre com os efeitos da divulgação de conteúdo pirata —principalmente com o aumento do consumo dos livros digitais. Angela* só baixa livros de forma ilegal. Em entrevista a Tilt, ela alegou que 99% dos seus livros foram adquiridos dessa maneira. E apesar de se sentir culpada, não muda de comportamento.

“É uma sensação estranha. Além de cometer um crime, estou deixando de contribuir com o trabalho de uma pessoa que batalhou arduamente para ter seu livro publicado. De certa forma, estou ‘menosprezando’ aquele autor. Então, sim, me sinto culpada”, disse.

Pirataria é um crime previsto no Código Penal Brasileiro e a pena por sua prática pode ser de três meses a um ano, ou até mesmo multa. “A punição depende da conduta de quem pratica. Por exemplo, se a pessoa oferecer o produto para outros buscando lucro e sem autorização, a pena pode chegar a quatro anos”, diz o advogado especialista em direito criminal, Miguel Pereira Neto.

Entretanto, para quem apenas baixa o conteúdo, a punição é controversa. “Eu entendo que baixar, para uso particular, sem o intuito de disponibilizar ou comercializar, nem se enquadraria caput do artigo 184 [de violar direitos de autor]. É um pouco controverso se ‘baixar, mas não disponibilizar’ é crime. É sensível essa questão, justamente por não me parecer algo certo, pacífico e objetivo”, diz Neto.

Existem diversos sites que disponibilizam conteúdo ilegal onde você pode baixar livros com apenas dois cliques. A reportagem entrou em um deles e navegou por alguns minutos. O domínio claramente não ficava no Brasil, mas havia uma disponibilidade enorme de obras em português recém-lançadas que poderiam ser baixadas em vários formatos.

“É roubo”

Baixar um livro de forma ilegal impacta toda a cadeia do mercado literário. “O mercado editorial brasileiro perde mais de R$ 1 bilhão por ano por causa da pirataria. Esse valor foi apontado pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos. Temos a convicção de que isso afeta o potencial das vendas”, diz a gerente executiva da editora Intrínseca, Chrystiane Neves.

Apesar dos livros digitais facilitarem a distribuição ilegal das obras, a pirataria começou muito antes dos ebooks. “O material pirateado se transformou em um fenômeno digital nos últimos 10 anos. Antes disso, acontecia de forma física, com livros copiados em universidades”, diz Dante Cid, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros.

Ele alega que existe um time dedicado na busca de locais onde os livros são disponibilizados de forma ilegal e que dezenas de milhares de endereços digitais já foram derrubados. Contudo, é um trabalho de enxugar gelo: quando você tira um do ar, outro surge.

“São muitos os profissionais que deixam de ser remunerados com o consumo de conteúdo não legalizado.”
Bruno Zolotar, diretor comercial e de marketing da Rocco

“É preciso haver uma conscientização para que as pessoas entendam que consumir conteúdo ilegal e de propriedade intelectual cujo autor não liberou para domínio público é um roubo”, explica Zolotar. Dante Cid também defende a conscientização.

“Já ouvi pessoas que são leitoras e que compram livros que receberam o link de um PDF por aplicativo de mensagem e baixaram, porque achavam que podia. As pessoas confundem estar disponível com ser de graça.”
Dante Cid, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros

Medo de retaliação

Marcela*, uma autora de romance com diversos livros publicados, prefere não se identificar. Tem medo das retaliações que pode sofrer ao tentar impedir a pirataria de seus títulos.

“É um tema espinhoso para quem é do mercado, principalmente para os autores. A cultura do cancelamento é cruel.”
Marcela*

“Acho que todos somos vítimas. É impossível fugir. Quando somos leitores, não percebemos o dano ao trabalho alheio que isso pode causar”, diz Juliana Dantas, autora de obras como “O Silêncio do Mar” (Harlequin) e “Acordo Arriscado”, publicado de forma independente. Ela já teve um de seus livros baixado mais de um milhão de vezes de forma ilegal.

“Dois dias depois do lançamento de um dos meus livros, me falaram que tinha um link para baixá-lo de forma ilegal rolando dentro do Telegram. Me sinalizaram que já tinham acontecido um milhão de downloads. Gera revolta”, disse para Tilt. Mas, para ela, é uma luta que já começa perdida.

“Quando compramos a briga, nos desvalorizamos e ainda ficamos como a autora chata. Eu entendo que livro físico é artigo de luxo e que é caro, mas há a possibilidade de fazer a leitura pelo Kindle, por exemplo”, disse. Segundo Juliana, em setembro ela disponibilizou 10 livros que podiam ser baixados de forma gratuita na plataforma.

Marcela* já teve todos os seus títulos pirateados, até mesmo aqueles que disponibiliza de forma gratuita. E ainda destaca que existem quadrilhas especializadas em divulgar esses livros. “Existem grupos no WhatsApp e Telegram só para isso. Se o autor reclamar, eles pirateiam outros e dizem que temos que dar graças a Deus que estão lendo nossos livros, como se fosse um favor”, conta Marcela*.

O abalo sofrido pelos autores é emocional e financeiro. Quando um livro publicado de forma física é vendido, elas podem ganhar cerca de 8% a 10% por cada obra. Se for digital, o valor varia entre 70% e 35%.

“Já chorei quando um dos meus livros caíram na pirataria. Na semana que isso aconteceu, o movimento do meu Instagram aumentou muito, com pessoas elogiando a obra, e até me falavam onde tinha conseguido o link. Não viam como algo ilegal.”
Juliana Dantas, autora

Juliana disse que, nesses casos, costuma responder de forma carinhosa e explicar que se trata de pirataria e que é prejudicial para os autores.

Marcela* também fica abalada ao ver seus livros circulando de forma ilegal. “Me abala muito. Como sou autora independente, pago, por exemplo, no mínimo R$ 500 reais só para desenvolver a capa. São custos altos e tudo fica bem difícil”, conta.

https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2023/09/23/e-roubo-pirataria-tira-do-mercado-literario-cerca-de-1-bilhao-por-ano.htm

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