carregando...

PORTFÓLIO

Controvérsia põe em xeque diálogo entre Petrobras e mercado

15 de março, 2024

Especialistas afirmam que a discussão sobre dividendos pode alcançar a esfera judicial

Por Rodrigo Carro e Victor Meneses — De São Paulo

(Foto: www.tbfoto.com.br)

A polêmica em torno dos dividendos extraordinários da Petrobras pegou investidores e analistas desprevenidos e abriu uma controvérsia sobre a comunicação da estatal com o mercado. E, segundo especialistas ouvidos pelo Valor, a discussão pode alcançar a esfera judicial. Em comunicado divulgado na terça-feira (12), a companhia afirmou ser “inverídico” que tenha prometido ou sinalizado uma direção para dividendos extraordinários em evento realizado no fim de janeiro, em Nova York.

No entanto, tanto o material da apresentação do evento quanto os relatórios de analistas sinalizavam que a remuneração dos acionistas manteria o mesmo ritmo dos anos anteriores.

“O Brasil inovou novamente no campo da psicologia – e do direito – ao criar o transtorno de personalidade das pessoas jurídicas”, diz André de Almeida, sócio-fundador do escritório Almeida Advogados. Para ele, a postura da empresa no imbróglio provocado pela suspensão no pagamento de dividendos extraordinários pode ser questionada tanto na Justiça brasileira como na americana.

“A Petrobras tem suas ações cotadas no Brasil e exterior, e obrigações decorrentes de seu regime jurídico, que inclui, evidentemente a proteção do patrimônio daqueles que nela optaram por investir e observância às regras do mercado”, afirma Almeida. O advogado foi um dos idealizadores de uma ação coletiva contra a Petrobras nos EUA que resultou no pagamento de US$ 3 bilhões pela petroleira, por conta de prejuízos causados por escândalos de corrupção.

De acordo com a lei de valores mobiliários dos EUA, não existe uma obrigação direta de as empresas contradizerem os analistas quando estes apresentam informações que não correspondem àquelas divulgadas oficialmente pela empresa, explica Antonio Tavares Paes Júnior, sócio do Costa Tavares Paes Advogados. “[Mas] as empresas devem equilibrar as obrigações legais, o impacto potencial da desinformação e as considerações práticas ao decidir como responder aos relatórios dos analistas.”

Na prática, porém, o que acontece muitas vezes é que advogados de litigantes profissionais podem iniciar procedimento judicial contra a empresa nos Estados Unidos sob a teoria de que os comentários dos analistas foram unânimes – ou na maioria – no sentido de que um dividendo seria pago, conta outro especialista no tema que prefere não ter seu nome citado.

Durante o evento “Deep Dive Petrobras”, promovido pelo banco J.P. Morgan em 30 e 31 de janeiro, em Nova York, a administração da companhia conversou com analistas sobre sua política de dividendos, entre outros temas, o que resultou na publicação pelas instituições financeiras de relatórios comentando sobre o programa de remuneração aos acionistas.

“Prates reiterou a independência de sua administração, o compromisso com a política de dividendos atual, entre outros temas”, escreveram os analistas do J.P. Morgan, em relatório com data de 30 de janeiro. “A administração já abordou isso em 2023 e está satisfeita com o que está em vigor atualmente. O dividendo mínimo garante uma base sólida para a remuneração aos acionistas, enquanto a possibilidade de pagamentos extraordinários adiciona flexibilidade ao sistema”, acrescentaram. Procurado, o J.P. Morgan disse que não comentaria.

Já o Goldman Sachs afirmou, em análise datada de 31 de janeiro, que a administração “reiterou a política de dividendos aplicada trimestralmente e mencionou que o dividendo extraordinário deve ser pago apenas uma vez por ano, provavelmente quando divulgarem os resultados do quarto trimestre e do ano fiscal de 2023, agendados para 7 de março”. O Goldman Sachs não quis comentar, mas enviou outro relatório, de 22 de fevereiro, no qual os analistas do banco diziam haver espaço para o pagamento de dividendos extraordinários de US$ 8 bilhões.

Em relatório de 1º de fevereiro, analistas do BTG Pactual declararam ter ficado “satisfeitos em ouvir que os interesses do acionista controlador da empresa estão bem alinhados com os dos acionistas minoritários”.

“Nossa percepção é que isso demonstra pragmatismo e sugere que os dividendos extraordinários provavelmente continuarão sendo pagos”, esclareceu o banco no texto. O BTG Pactual informou que seus analistas não comentam sobre empresas e papéis específicos, apenas por meio de relatório.

“Prates reiterou o compromisso com a política de dividendos atual”
— Relatório do J.P.

Ainda no comunicado de segunda-feira, a Petrobras frisou que “procura ser transparente sobre sua governança e seus processos decisórios para que os investidores façam suas análises e cheguem às suas conclusões”.

Nas semanas seguintes ao evento, a ação ganhou força e subiu 6%, para a máxima deste ano, R$ 42,90, em 19 de janeiro. Quando veio a primeira sinalização de que a empresa poderia não pagar o dividendo extra – uma entrevista do presidente, Jean Paul Prates à agência Bloomberg, em 28 de fevereiro -, o papel devolveu a alta. Mais recentemente, no auge da polêmica, a ação perdeu cerca de 10% em um dia, para mínima de R$ 35,65.

Diretor de participações do fundo de pensão Previ entre 2003 e 2008, Renato Chaves argumenta que já era de se esperar uma mudança na política de pagamento de dividendos da Petrobras com a saída de Jair Bolsonaro (PL) da presidência e a entrada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “É um governo que tem posições muito diferentes do outro”, compara.

Para Haroldo Reginaldo Levy Neto, diretor do Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais do Brasil (Apimec), a companhia não poderia divulgar indicações prévias a respeito do pagamento, ou não, de dividendos extraordinários – qualquer distribuição não estatutária depende de indicação do conselho de administração, e da aprovação em assembleia.

“Se alguma declaração foi dada nesse sentido, a meu ver foi um equívoco e se isso foi feito em evento e não foi imediatamente informado ao regulador, mais um erro. Os eventos em geral são gravados, e portanto, deve haver prova disso. Ou os analistas imaginaram essa situação e divulgaram sem fundamentos, o que também é um erro.”

Ontem, Prates, voltou a abordar o tema numa postagem na rede social X (antigo Twitter): “A proposta devidamente respaldada por pareceres técnicos e aprovada pela diretoria executiva ficou viva e a decisão foi reservar a totalidade dos dividendos extra e adiar a sua distribuição”, escreveu Prates, acrescentando que “não é nenhuma surpresa ou novidade a minha orientação, muito menos o meu entendimento expresso ontem, senão para os de curta memória”. (Colaboraram Rafael Rosas e Alessandra Saraiva, do Rio, e Nelson Niero)

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/03/15/controversia-poe-em-xeque-dialogo-entre-petrobras-e-mercado.ghtml

Compartilhe