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Companhias abertas pedem mais prazo à Receita Federal para envio de escriturações contábil e fiscal
Intervalo de 30 dias entre a entrega da ECD e a da ECF pode aumentar o risco de multa, cujo valor pode alcançar R$ 5 milhões
Por Adriana Aguiar — São Paulo
(Foto: Alexas Fotos/Pexels)
Empresas de capital aberto de diversos portes e setores vão pedir à Receita Federal um intervalo de 60 dias entre a entrega da Escrituração Contábil Digital (ECD) e a Escrituração Contábil Fiscal (ECF) em 2024. Hoje, esse período é de 30 dias e, se o documento for apresentado com inexatidões, incorreções ou omissões, o contribuinte está sujeito a pagar uma multa que pode chegar ao valor de R$ 5 milhões.
No próximo ano, dizem especialistas, a situação pode ser ainda mais complexa para os contabilistas, com a entrada em vigor das novas regras sobre preços de transferência – para evitar a evasão fiscal de multinacionais no Brasil (Lei nº 14.596/2023).
Ambas as escriturações são parte do projeto Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), que permite ao Fisco ter acesso aos dados dos contribuintes em tempo real. A ECD foi criada para substituir a demonstração dos dados contábeis em papel pela digital. A ECF está no lugar da Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ) , desde 2014.
Este ano, o intervalo de 30 dias entre a entrega da ECD e ECF criou sérias dificuldades para o setor contábil. Segundo Sérgio Rodrigues Trindade, coordenador-executivo da Comissão de Auditoria e Normas Contábeis (Canc) da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), que reúne mais de 400 empresas, a entidade está em contato com o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) para tentar fazer uma elaboração conjunta com o pedido de maior prazo à Receita.
A Instrução Normativa nº 1.633/2016, da Receita Federal, estabelece o prazo de 60 dias entre a entrega da ECD e a ECF. Segundo Trindade, quando a Receita prorrogava o prazo da ECD, em seguida prorrogava o da ECF. Em 2020, ano da pandemia, foram prorrogados em dois meses para a entrega da ECD e, em seguida, houve a mesma prorrogação para a ECF.
Porém, no primeiro semestre deste ano, a Receita prorrogou o prazo de envio da ECD para o fim de junho sem mexer, no entanto, na data de entrega da ECF, que foi mantida em 31 de julho, ou seja, um intervalo de apenas 30 dias entre as duas obrigações. Apesar de pedidos de empresas, segundo a Abrasca, a Receita não deu a prorrogação da ECF.
Nas reuniões promovidas pela Abrasca aos seus associados, companhias relataram que tiveram enormes dificuldades para atender o prazo previsto para a entrega da ECF e evitar multas. Segundo o relato de alguns contadores, muitas empresas terão que retificar os arquivos enviados, o que significaria retrabalho, custos e desperdício de tempo.
“Aumentou muito, nos últimos anos, a quantidade de informações dessas obrigações acessórias, o que torna extremamente exíguo o intervalo de 30 dias após o envio da ECD para o envio da ECF”, diz Trindade.
Quando a ECD foi criada, por exemplo, em 2008, não vigoravam no Brasil as normas internacionais de contabilidade: as International Financial Reporting Standards (IFRS), adotadas a partir de 2010. Depois, também passou a ser obrigatória pelas empresas a entrega das demonstrações contábeis consolidadas, através do bloco K, aumentando assim a complexidade da entrega da ECD. Ainda passaram a fazer parte da ECD as subcontas relacionadas ao lucro no exterior e os planos de contas globais, entre outras informações.
“O que as empresas querem é ter tempo para entregar documento correto, de forma eficiente
— Sérgio Trindade
A ECF, assim como a ECD, devido às normas internacionais (IFRS) também se tornou muito mais complexa, “principalmente na escrituração e-Lalur e e-Lacs, cujos números de adições e exclusões, atualmente conta por volta de 360 transações, que vêm se elevando ao longo do tempo, em função da alteração das próprias IFRS”. Este fato, segundo especialistas, deve se agravar nos próximos anos, pois a ECF deverá ser alterada para atender as novas regras de preços de transferência, que também estabelecem novas obrigações acessórias.
De acordo com Sérgio Trindade, “o que as empresas querem é ter tempo para entregar documento correto, de forma eficiente”, afirma.
O advogado tributarista Carlos Eduardo Navarro, do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella, afirma ser absolutamente favorável haver uma distância razoável para a entrega dessas obrigações. “Isso gera um trabalho enorme para as empresas e é um período que acaba colocando muita gente para trabalhar nisso. E se falamos das empresas menores, é ainda pior, porque ela depende de escritórios de contabilidade externos, que ficam muito assoberbados com as entregas de obrigações”, diz.
Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa da Receita Federal informou que “a Receita não irá se manifestar”.