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Comentários sobre as casas de apostas de quota fixa no Brasil

1 de agosto, 2023

Victor Solla Pereira Silva Jorge, Advogado, Sócio fundador do escritório Jorge Advogados Associados. Graduado pela FAAP, palestrante, professor do MBA in company da FGV nos temas de segurança bancária e anticorrupção, pós-graduado em Compliance pela FGV, pós-graduado em Direito Penal Econômico pela FGV, especialista em Compliance pela Legal Ethics Compliance.

Na última semana, o mercado de apostas no Brasil recebeu uma relevante notícia, um avanço no cenário regulatório com a entrada em vigor de uma Medida Provisória que traçou linhas gerais sobre a possível queda do monopólio estatal relacionado às chamadas apostas de quota fixa ou “bets”. Em razão disso, o presente artigo busca clarear, sob o viés regulatório já existente, o que mudou e quais são os impactos no mercado nacional.

Casas de Aposta no Brasil

A Lei 13.756, de 2018, permitiu os jogos no país, mas até hoje referida lei não foi regulamentada, o que gerou uma zona cinzenta sobre o que é permitido e proibido, bem como uma avalanche de apostadores e sites de aposta sediados fora do Brasil, em jurisdições onde as apostas são permitidas como Malta, Gibraltar, Ilha de Man e Curaçao.

Dessa forma, o site que efetivamente oferece o serviço de apostas, sejam elas esportivas, cassinos ou qualquer outra forma de jogo, ficam hospedados fora do Brasil, onde a jurisdição brasileira “não alcança” e não pode proibir o funcionamento de tais sites.

A pergunta é: mas como o brasileiro apostador consegue colocar créditos para apostar, por PIX, boleto, cartão de débito, se o site de apostas está sediado no exterior? É aí que surge a figura dos “facilitadores” ou “intermediários de pagamentos”Esses prestadores de serviços de Bank as a Service (Baas) permitem que, por meio de uma plataforma de gestão de contas, cadastro de clientes, pagamentos, entre outros serviços já constituídos por esses prestadores de serviços, o cliente acesse, via API, o sistema de pagamento vinculado a um ou vários sites de apostas.

Nesse sentido, a plataforma desses intermediários no Brasil suportará pagamentos via PIX, boleto, TED, QR Code e, também, serviços eFX (serviços de pagamento ou transferência internacional, respeitando o limite estipulado pelo BCB).

Em relação aos serviços eFX, as transferências poderão ocorrer entre contas do próprio cliente no País e no exterior e para terceiros, desde que se destinem a gastos correntes e se enquadrem como transferências unilaterais. Assim, no exemplo em que os recursos recebidos dos apostadores em reais são convertidos para moeda estrangeira, por meio da habilitação dos serviços eFX, tais recursos serão remetidos ao site de apostas sediado no exterior para o qual o facilitador presta serviços.

Importante destacar que essa atividade de eFX não é ilegal no Brasil, pois não tem qualquer vínculo com a atividade de aposta efetivamente, o serviço prestado é tão somente de consolidar valores no Brasil e viabilizar a remessa legal para o exterior (Resolução BCB nº 277).

Via de regra, a simples consolidação de pagamentos no Brasil e remessa ao exterior não precisa de qualquer licença regulatória, mas diante da zona cinza regulatória, é muito importante que aqueles que prestam serviço eFX (ou possuam em seu portfólio) validem sua operação com algum especialista para evitar maiores problemas.

No entanto, vale lembrar que, se esses intermediários realizarem atividades como gestão de contas pré-pagas, custódia ou outros serviços financeiros para seus clientes brasileiros ou, ainda, superarem o limite previsto pelo BCB por transação ou volumetria anual, estes precisarão obter licença junto ao Banco Central do Brasil para funcionar como Instituição de Pagamento. De forma geral, as Instituições de Pagamento têm o objetivo de viabilizar serviços de compra e venda e de movimentação de recursos, no âmbito de um arranjo de pagamento, mas sem a possibilidade de conceder empréstimos e financiamentos a seus clientes.

Nesse âmbito, as Instituições de Pagamento possibilitam ao sujeito realizar pagamentos independentemente de relacionamentos com bancos tradicionais ou outras instituições financeiras.

Medida Provisória 1.182/2023

A Medida Provisória (MP) nº 1.182/2023, publicada em 27 de julho de 2023 é só um primeiro passo em direção à regulamentação das apostas no Brasil, que será feita, principalmente, pelo Ministério da Fazenda e deverá ser submetida previamente ao Conselho Nacional do Esporte e aprovada por ato do Ministro de Estado do Esporte.

Além disso, ficou claro que a intenção do texto é que o produto da arrecadação em tal modalidade deverá ser destinado e respeitar os objetivos sociais de cada entidade beneficiada. Caberá ao TCU a fiscalização de tais verbas.

O artigo 29 da MP excluiu o termo “exclusivo da União“, ou seja, agora empresas privadas também podem explorar as atividades comerciais de lotéricas denominadas “apostas de quota fixa” ou “bets”.

Também é estabelecido que o Ministério da Fazenda que outorgará as licenças necessárias para as casas de aposta e que o órgão regulamentará, em até dois anos, como será o processo e requisitos para obtenção de tal licença pelos interessados.

O Ministério da Fazenda regulamentará como as ações de marketing, propaganda e conscientização do apostador deverão ocorrer e o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – Conar poderá estabelecer restrições e diretrizes adicionais à regulamentação do MF e expedir recomendações específicas para as ações de comunicação, publicidade e de marketing da loteria de apostas de quota fixa.

A MP proíbe a propaganda de casas de apostas que não tenham autorização para operar no País, podendo ser, inclusive, as provedoras de serviços de internet, intimadas a bloquear os sites de aposta estrangeiros que não tenham a licença para operar no Brasil.

O Banco Central do Brasil regulamentará os arranjos de pagamento, de modo a impedir que tais intervenientes atuem como facilitadores para a realização de apostas em casas que não detenham a licença requerida pelo Ministério da Fazenda. Já ficou estabelecido na MP que se o prestador de serviço eFX oferecer conta transacional, ele deverá obter autorização perante o Banco Central.

A MP criou, também, uma série de infrações administrativas, das mais variadas espécies e naturezas, que incluem a aplicação de até 2 bilhões de reais, a suspensão das atividades da empresa, o cancelamento das outorgas, a proibição de obter nova outorga ou participar de licitações etc.

A MP também indicou a proibição de determinadas pessoas na condição de apostadores, como por exemplo, proprietário do agente operador, agente público que se relacione com a regulamentação das apostas, menores de dezoito anos de idade, pessoas com acesso aos sistemas informatizados de loteria de apostas, pessoas envolvidas ou que possam influenciar o resultado do objeto da aposta como árbitros, treinadores, atletas etc., e pessoas inscritas nos cadastros nacionais de proteção ao crédito.

Impostos para Casas de Aposta

O mercado brigava por 12% e especulava 16%, na MP – o governo impôs 18% calculados sobre o GGR (Gaming Gross Revenue), ou seja, sobre o valor apostado em qualquer das modalidades, excluído o valor do prêmio pago aos apostadores vencedores.

Impostos para os Apostadores

A MP não detalha como ficará o imposto dos apostadores, mas o Ministério da Fazenda já se posicionou no sentido de que a simples aposta não será tributada, somente o ganho, desde que acima da faixa de isenção R$ 2.112,00.

Quem ganhar acima desse montante, em tese, será tributado em 30%. Também não há qualquer detalhe sobre a possibilidade de se utilizar o prejuízo acumulado em outras apostas para abater o ganho.

Conclusão

As mudanças trazidas pela MP no que diz respeito à autorização e funcionamento de casas de aposta no Brasil são apenas um pontapé inicial para regulamentação das apostas de quota fixa em território nacional e não têm data definitiva para entrar em vigor.

Inclusive, nem se sabe se efetivamente entrarão, uma vez que, por ser uma medida provisória, o Congresso Nacional tem o prazo de 120 dias para votar e converter, ou não, a MP em Lei formal. Caso esse prazo transcorra sem votação ou que a votação seja desfavorável à conversão em Lei, a MP perde completamente seus efeitos jurídicos.

Ainda assim, considerando que a MP venha a ser convertida em Lei, ainda caberá ao Ministério da Fazenda a regulamentação do tema tratado na MP, o que poderá ocorrer em até dois anos, oportunidade em que diversos pontos extremamente controversos como tributação de todos os intervenientes (apostador, site de apostas, intermediário), prevenção à manipulação e interferência indevida em resultados, prevenção à lavagem de dinheiro, incentivo à aposta consciente etc.

Portanto, é inquestionável que a entrada em vigor da MP é um avanço relevante, mas ainda incipiente, considerando a relevância do mercado de apostas no Brasil e a abrangência do tema em diversos setores da economia.

https://www.estadao.com.br/politica/gestao-politica-e-sociedade/comentarios-sobre-as-casas-de-apostas-de-quota-fixa-no-brasil/

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