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Caso Americanas levanta dúvidas sobre a governança das companhias abertas

13 de fevereiro, 2023

Afinal, o que garante a lisura dos procedimentos das companhias de capital aberto e qual a eficiência dos órgãos reguladores?

Por Victoria Netto e Ana Beatriz Bartolo, Valor — São Paulo

11/02/2023

O rombo de R$ 43 bilhões que levou a Americanas à recuperação judicial, divulgado em janeiro, colocou as contas da varejista em total descrédito e despertou desconfiança geral no mercado. Afinal, o que garante a lisura dos procedimentos das companhias de capital aberto e qual a eficiência dos órgãos reguladores?

Enquanto as investigações internas continuam na Americanas, os olhares se voltam para a estrutura de governança corporativa das companhias abertas — que, em tese, contam com diferentes instâncias para promover transparência, isonomia, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa, sobretudo ante os acionistas minoritários e a sociedade.

Em linhas gerais, a governança é o sistema pelo qual as instituições são dirigidas e monitoradas. Envolve os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, auditoria, além de órgãos de fiscalização e controle, conforme define o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) no seu código das melhores práticas de governança, adotado como referência pelo regulador.

Para que estejam aptas a abrir capital, as companhias devem cumprir com uma série de pré-requisitos. Outras exigências são previstas na Lei das Sociedades Anônimas (6.404/1976), como o conselho de administração e diretoria, o conselho fiscal e a auditoria externa independente.

Os mecanismos obrigatórios de controle dependem do segmento de listagem de cada empresa. Na bolsa brasileira (B3), por exemplo, há segmentos diferentes, como o Nível 1, o Nível 2 e o Novo Mercado — o mais rigoroso deles.

No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia federal que atua como regulador do mercado de capitais, adota o modelo europeu de regulação conhecido como “pratique ou explique”, que não é mandatório, lembra Bernardo Viana, professor convidado da FGV Direito Rio.

Com base no código do IBGC, a CVM acompanha as companhias abertas por meio do informe anual de governança corporativa, que é a aplicação prática do código. Todas as companhias precisam preencher o informe uma vez ao ano, justificando os motivos de não implementarem determinados processos.

“É difícil colocar um modelo de governança para todas as empresas, porque cada uma tem suas particularidades. A grande vantagem do modelo ‘pratique ou explique’ é que ele dá à empresa a autonomia para criar sua estrutura”, diz Luiz Martha, gerente de pesquisa e conteúdo do IBGC. “É um modelo que exige mais responsabilidade da empresa para fazer sua parte e talvez ainda estejamos em amadurecimento aqui no Brasil.”

A CVM ressaltou, em nota ao Valor, que sua atividade está baseada no princípio de “divulgação completa e justa”, que pressupõe a transparência e prestação de contas por parte das empresas. Segundo o regulador, com uma diligência interna eficiente, as empresas podem “minimizar eventuais desvios e, consequentemente, reduzir a necessidade de formulação de exigências e a aplicação de multas cominatórias e de penalidades”.

A CVM destaca ainda que, na ocorrência de falhas de mercado, haverá a devida penalidade, mas diz que compete às próprias companhias a adequada avaliação de suas estruturas e o cumprimento dos processos e ajustes necessários.

Quanto ao cumprimento das regras, o regulador tem limites que o impedem de fiscalizar e punir com mais rigor, avalia o diretor-presidente da consultoria Mesa Corporate Governance, Luiz Marcatti. Ele cita o orçamento curto e a dificuldade para se alterar as penalidades vigentes, consideradas brandas por alguns agentes do mercado. As punições estão previstas no Artigo 11 da Lei 6.385, de 1976, que dispõe sobre o mercado de capitais e a criação da CVM.

Mesmo com todos os processos internos adequados e com uma regulação atenta, nada garante que uma empresa não esteja sujeita a fraudes, diz Henrique Luz, ex-presidente do IBGC e conselheiro de empresas abertas e fechadas. “Em determinados casos, realmente não há como identificar a existência de fraudes, nem pelo regulador, auditor ou acionista”, afirma.

Ele cita uma manobra conhecida como “management override of internal control” (risco de sobreposição dos controles), quando os gestores montam uma fraude em cima dos sistemas internos da companhia, uma vez que conhecem suas fragilidades, brechas na governança e nas instâncias de controle.

No caso da Americanas, Luz diz que só o tempo e as investigações dirão quais foram as falhas e ressalta que ainda não é possível apontá-las ou atribuir responsáveis.

— Foto: Divulgação

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2023/02/11/caso-americanas-levanta-dvidas-sobre-a-governana-das-companhias-abertas.ghtml

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