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Avanço do marco dos seguros no Congresso reacende debates sobre projeto

12 de abril, 2024

Na próxima fase de tramitação, a proposta passa pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e, se confirmada, vai a plenário

Por Sérgio Tauhata, Valor — São Paulo

(Legenda: Ernesto Tzirulnik / Foto: Agência Senado)

A aprovação do Projeto de Lei da Câmara dos Deputados (PLC) 29, conhecido como novo marco dos seguros, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na quarta-feira, dia 10, reacendeu o debate sobre os impactos do texto sobre o setor. Na próxima fase de tramitação, a proposta passa pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e, se confirmada, vai a plenário.

O PLC 29 terá ainda de voltar à Câmara, porque houve mudanças no conteúdo originado na casa legislativa. Especialistas avaliam que a aprovação final do projeto tende a ocorrer até setembro, antes do período de eleições municipais.

Desde quando foi desengavetado em março de 2023 por iniciativa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), passou a haver no setor um intenso debate sobre o projeto. As críticas mais frequentes diziam respeito ao fato de que o texto inicial já tinha cerca de 20 anos e teria de ser totalmente rediscutido.

Entre o desarquivamento e a aprovação na CCJ, houve várias reuniões com representantes do governo, Congresso, reguladores e entidades das diversas áreas do seguro. A última ocorreu em 15 de março e reuniu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, integrantes da Superintendência de Seguros Privados (Susep), regulador da indústria, a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) e a Federação Nacional das Empresas de Resseguros (Fenaber), além de porta-vozes de companhias do setor.

De acordo com fonte que acompanhou a reunião, houve consenso entre os participantes para alguns ajustes finais antes da retomada da votação pela CCJ. O texto aprovado foi um substitutivo com as alterações acordadas entre governo, entidades e especialistas que participaram dos debates. O presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, divulgou, em outubro de 2023, posicionamento da confederação endossando o apoio ao projeto após as mudanças feitas ao longo dos meses anteriores.

Do mesmo modo, na ocasião, o superintendente da Susep, Alessandro Octaviani, alinhou-se à representante das seguradoras na defesa do novo texto. Na época, o dirigente afirmou que “a palavra que destaca e distingue a forma pela qual o projeto vem sendo formatado é diálogo”. O chefe do regulador ressaltou ainda que a legislação traz medidas de estímulo ao setor, aumenta a transparência e a proteção aos consumidores.

Entre as vozes defensoras do texto, o presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), Ernesto Tzirulnik, comemorou a aprovação na CCJ. O advogado é o principal idealizador da proposta, que vem sendo discutida desde 2004 no Congresso. O projeto original, elaborado por Tzirulnik, foi substituído pelo PLC 29, apresentado pelo então deputado José Eduardo Martins Cardozo, em 2017.

“A Lei de Contrato de Seguro brasileira deu mais um passo muito importante com a aprovação do PLC 29/2017, na CCJ do Senado Federal”, afirma o presidente do IBDS. “Com isso, o Brasil caminha para ter, a partir do ano que vem, uma lei de contrato de seguro, que ajudará o mercado a crescer, a ser mais confiável, mais robusto e oferecer muito mais segurança jurídica tanto para os consumidores quanto para os empresários”, acrescenta.

A diretora Jurídica da CNseg, Glauce Carvalhal, classifica o projeto como “de grande relevância para o setor”. A advogada ressalta que a proposta compatibiliza a legislação do setor com o modelo adotado em diversos outros países, tais como Itália, França, Portugal, Espanha, Argentina e Chile, que também contam com uma lei específica para o contrato de seguro.

“Na prática, o Brasil passará a ter um microssistema jurídico sobre o contrato de seguro, o que pode promover uma melhor estruturação e clareza e previsibilidade, tanto para os consumidores como para as seguradoras”, afirma. Carvalhal destaca que “ao fim, buscamos um arcabouço legal que assegure a sustentabilidade e a perenidade das empresas em prol da sociedade brasileira”.

As vozes críticas apontam distorções que, em última instância, podem afetar o funcionamento do mercado. Sócia do escritório Campos Mello, Jaqueline Suryan avalia ainda ser necessário discutir a fazer ajustes no texto. “Da forma como está pode aumentar a judicialização no setor, além de reduzir o apetite por subscrição de riscos de seguradoras e resseguradoras de grandes riscos e infraestrutura”, afirma.

A especialista endossa a ideia de ser positiva para a indústria uma consolidação de leis em relação ao contrato de seguros. “Uma lei do tipo, que as pessoas costumam chamar de marco legal do seguro, existe em vários países e a gente não tem ainda”, acrescenta.

Porém, Suryan aponta que o PLC 29 deixa a desejar justamente como consolidador da legislação do setor. “Primeiro de tudo, na parte da constitucionalidade, a forma está errada. O PL que trata da atividade seguradora tinha de ser por meio de lei complementar. Todas as leis que tratem do sistema financeiro nacional têm que ser por lei complementar, isso está na Constituição.”

Segundo a advogada, se a lei for aprovada nesse formato, pode gerar um risco jurídico, porque o texto poderá ser contestado por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin). Se acabar sendo declarada inconstitucional, “teríamos tido, entre aprovação e a Adin, um período no qual o setor já se esforçou para se adaptar à nova realidade”.

A sócia do Campos Mello levanta ainda outro questionamento. Segundo a advogada, ainda existem várias leis em vigor que regem o mercado de seguros e que não vão ser revogadas pelo PLC 29. “O projeto, em tese, se diz um marco legal do seguro, porém não revoga decretos-leis e outros diplomas legais que regem o contrato e atividade seguradora”, afirma. Na visão da especialista, essa situação pode levar a um aumento de judicialização se houver confilito entre interpretações de dispositivos diferentes.

Conforme a consultora do Campos Mello, Mariana Cavalcanti Jardim, “no fim não vamos ter apenas um diploma legal único de seguros, que trate de tudo”. A advogada cita, como exemplo, haver uma lei de 1926 que ainda tem sido utilizada como fundamento para normas pela Susep. “Se for aprovado do jeito que está, o PLC 29 não vai trazer a segurança jurídica que se queria trazer.”

Suryan avalia ainda que o projeto de lei 29 “é mais focado num tipo de seguro massificado e tem diversos dispostivos que não funcionariam com os seguros de grandes riscos”. Na visão da advogada, a legislação pressupõe que o segurado “é a ponta mais fraca na relação do negócio”. Nesse sentido, “essa interpretação pode enfraquecer o lado dos seguradores e resseguradores e reduzir o apetite para risco, ou seja, diminuir a própria capacidade de proteção para os grandes riscos”.

Jardim complementa que “se houver redução de apetite nos grandes riscos, isso teria um impacto na economia brasileira”. Conforme a advogada, “teríamos dificuldade de de segurar e ressegurar projetos de infraestrutura ou de setor como óleo e gás, por exemplo”.

Sócia na área de seguros e resseguros de TozziniFreire Advogados, Bárbara Bassani faz coro às vozes críticas ao projeto. Segundo a advogada, “existem pontos que merecem ser aperfeiçoados”. Para a especialista, “na forma como o PL está hoje, não seria, na minha visão, positiva essa aprovação”.

A sócia do TozziniFreire afirma “lamentar a aprovação do PLC 29/2017 na forma como está, especialmente, considerando o recente avanço da atualização do Código Civil, no capítulo de seguros”. Na opinião de Bassani, “seria fundamental que a disciplina do contrato de seguro dialogasse com essa atualização”. A advogada diz esperar ainda que “haja um espaço (ainda que mínimo) para discussões futuras”.

A federação das resseguradoras também têm se manifestado de maneira mais crítica a proposta como está. A Fenaber divulgou comunicado após a reunião no fim de março com o Ministério da Fazenda no qual ressaltou que “normas que venham a restringir ou dificultar a liberdade das partes de negociar continuarão sendo pontos de preocupação e atenção da Fenaber, assim como práticas que não estejam alinhadas com países com uma tradição de resseguro mais abrangente”.

A entidade ressaltou sua “preocupação com a insegurança jurídica que o PLC 29 trará, caso aprovado, o que pode gerar um aumento de custo para captação de resseguro e escassez de capacidade em um momento de desenvolvimento da economia brasileira”. A federação afirmou ainda querer manter a possibilidade de diálogo. “Esperamos que o ministro [Fernando Haddad] mantenha a discussão aberta para futuras melhorias e contribuições ao PLC 29”, disse no comunicado.

https://valor.globo.com/financas/noticia/2024/04/12/avanco-do-marco-dos-seguros-no-congresso-reacende-debates-sobre-projeto.ghtml

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