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Aumenta a pressão para ampliar o período da licença-paternidade
Debate sobre a extensão do benefício para 180 dias ganha força diante da constatação de que os cuidados com os recém-nascidos não podem ficar sob responsabilidade apenas da mãe. Mas o tema é controverso, inclusive na Justiça
Fernanda Strickland
(crédito: Arquivo Pessoal)
A licença-maternidade está prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) desde 1943, quando foi criada. A licença-paternidade, porém, só foi adicionada à CLT 45 anos depois, com a Constituição de 1988. Enquanto para as mães o benefício é de, no mínimo, 120 dias, para os pais, são apenas cinco. Pais ouvidos pelo Correio acreditam que a licença-paternidade é importante porque reconhece o papel fundamental da presença paterna no desenvolvimento da criança e no apoio à mãe durante o período pós-parto, mas acham o período insuficiente.
Os entrevistados consideram a presença do pai em tempo integral nas primeiras semanas de vida do filho tem impacto positivo na saúde e no desenvolvimento da criança. Francisco Gregorio de Oliveira Neto, 31 anos, empresário, pai de três meninos, considera a licença-paternidade necessária. “Com a minha experiência, nesse período, o homem tem que ficar a disposição da mulher, principalmente em casos de cesariana”, afirma. “Nos primeiros dias, a mulher fica totalmente dependente, precisa de ajuda em coisas básicas, como ir ao banheiro, tomar banho, trocar absorvente, entre outros”, pontuou.
“Depois de sete dias, a mulher já começa a fazer algumas coisas, porém, ainda não pode agachar, pegar peso nem fazer muito esforço”, disse Neto, ao explicar que nem toda mulher tem uma rede de apoio para ajudá-la nesse momento. “O marido precisa estar à disposição para levantar e pegar a criança. Porém, existem aqueles caras que pegam o direito à licença mesmo não sendo um pai presente na vida da criança. Nesses casos, eu acredito que deveria ter na lei uma obrigação de o pai pagar alguém para ajudar a mulher durante toda a licença-maternidade”, afirmou.
Antonio Trindade, 28, empresário, teve a sua primeira filha há menos de um ano. Segundo ele, a licença- paternidade é um mecanismo muito importante, não apenas para o pai, que estará ali, presente, mas para a mãe, que, muitas vezes, passa por um período delicado durante o puerpério. “Quando eu me encontrei nesse momento de usar a licença, eu me senti muito reconhecido, não porque eu precise do reconhecimento de alguém, mas eu vejo isso como um reconhecimento da paternidade na vida de uma criança”, observou.
“Porém, em relação ao tempo, eu acho totalmente insuficiente. Onde eu trabalhava, foram cinco dias corridos. Para mim, foi muito pouco porque eu sou um pai muito presente até hoje. A única coisa que eu não fazia era dar ‘mamá’, mas faço todas as outras coisas. A minha esposa fez cesária, então, foi bem insuficiente, não só em relação ao pai, mas em relação à mãe, que pode estar em uma situação de puerpério delicada, toda essa logística deve ser considerada”, disse. De acordo com o empresário, o pai deve buscar um relacionamento com seu filho desde pequeno. “Se pudesse aumentar a licença para 30 ou 60 dias, seria bom”, disse Trindade.
O brasiliense Jessé Felipe Carvalho, 27, aeroviário, pai de duas meninas, conta que na sua empresa há o benefício da licença estendida. “Eu acho, de acordo com a experiência que tive com as minhas duas filhas, que oito dias é muito pouco. O ideal seria pelo menos o período do resguardo, no mínimo, 30 dias. É nessa fase que ela precisa de ajuda para várias coisas. Se o cara não consegue um suporte da família, acaba deixando a mãe sozinha, o que é muito ruim”, declarou.
“Sobrecarga histórica”
Para o advogado especialista em direito trabalhista Victor Emmanuel Leonardo Novae, a licença parental é uma necessidade do desenvolvimento da criança, que passa a ter duas pessoas garantindo saúde e cuidados nos primeiros meses de vida. “Ainda servirá para romper com uma sobrecarga histórica da mulher em relação ao cuidado da criança. Deve ser destacado que diferentes países, como Canadá, Espanha, Dinamarca e Noruega, já reconhecem o direito à licença parental, superando a antiga dicotomia entre licença maternidade e paternidade, que traduzia uma ideia de que seria da mulher o dever de cuidar do recém-nascido”, afirmou.
Segundo o advogado trabalhista, o fato de algumas empresas já adotarem a licença parental deve ser visto com bons olhos, pois demonstra a importância que a questão tem na sociedade e a crescente percepção de que o dever de cuidar deve ser compartilhado entre os pais. “O tema é tão importante que há uma recomendação específica da Organização Internacional do Trabalhadores (OIT) que dita que qualquer pai ou mãe deve ter a possibilidade, dentro de um período de tempo, após a licença-maternidade, de obter licença (parental) sem renunciar ao emprego e com os direitos resultantes do emprego salvaguardados”, observou.
A advogada Fernanda Quintanilha, do Vieites, Mizrahi, Rei Advogados, explica que a licença parental é um direito trabalhista que garante às mães, aos pais e às pessoas em vínculo socioafetivo com a criança um período de afastamento remunerado das atividades laborais por ocasião de uma gestação ou da adoção de crianças e adolescentes.
Segundo Quintanilha, as licenças maternidade, paternidade e de adoção já contemplam a licença parental, e empresas podem estender os períodos de licença garantidos pela legislação, como, por exemplo, aderindo à “Empresa Cidadã”. O governo oferece benefícios fiscais às empresas como forma de estimular a adesão a esses programas.
“Por ser opcional, a implementação da licença parental e das suas vantagens necessita, atualmente, da adoção pelas empresas”, explica a advogada. “Essa adesão incentiva o compromisso, a responsabilidade social corporativa e o avanço na pauta sobre a desigualdade de gênero de forma independente à legislação brasileira, além de garantir maior qualidade de vida aos trabalhadores em geral”, disse.
Período estendido
No país, a Coty é a primeira empresa do segmento de beleza a equiparar o período de 180 dias já proporcionado a mães aos demais colaboradores, em diferentes tipos de situações familiares, incluindo casais homoafetivos, adoção e barriga de aluguel. Em linha com os princípios, valores e agenda ESG da companhia (plataforma Beauty That Lasts), essa é uma iniciativa que busca promover a quebra de barreiras não só em termos de progressão de carreira, mas de estereótipos associados à licença parental.
Segundo o porta-voz da Coty, Rodrigo Vasconcellos, a ideia de fazer uma licença estendida surgiu como forma de promover a igualdade de gênero. “Existem diferentes abordagens para tratar da licença parental e consideramos todas as diversas particularidades ao elaborar esta política. Temos orgulho de ter uma política global que oferece oportunidades iguais, independentemente do gênero ou caminho para a parentalidade, a todos os nossos funcionários”, afirmou.
“Estamos em uma jornada para desafiar estereótipos ultrapassados e construir uma Coty destemidamente gentil. Esse tipo de evolução leva tempo e enfrenta muitas barreiras sociais. Mas fico feliz de dizer que, desde que implementamos a política, em novembro de 2022, aproximadamente metade dos pais recém-qualificados (que não tinham direito aos 180 dias) sinalizaram interesse de usufruir da licença completa. E temos tido feedbacks positivos sobre a iniciativa, especialmente das pessoas que puderam desfrutar do período mais longo de licença”, pontuou o porta-voz.
Prazo maior pode virar lei
Alexandre Fragoso Silvestre, da Briganti Advogados e responsável pela área trabalhista, aponta que, atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 1974/2021, que trata do instituto da parentalidade no Brasil e de todos os direitos dele decorrentes, como a licença parental. “Segundo o PL, o objetivo é garantir que todas as pessoas com vínculo socioafetivo — maternal, paternal, de adoção ou qualquer outro que resulte em responsabilidade para com uma criança ou adolescente – tenham plenas condições de exercer seu papel legal de cuidador, e não apenas a mãe, por exemplo”, pontua.
“Dessa forma, se o PL for aprovado, a licença parental consistirá na ausência obrigatória do trabalho pelo período de 180 dias a contar da data do nascimento da criança, sem prejuízo de emprego ou salário”, afirma Silvestre. “Nesse caso, o direito à licença parental será assegurado a todos os trabalhadores, autônomos ou não, que exerçam vínculo de parentalidade com a criança recém-nascida, e poderá ser concedida a até duas pessoas de referência para uma mesma criança ou adolescente”, disse.
Na justificativa do projeto, os autores dizem que “o reconhecimento da parentalidade toma por princípio o compartilhamento do cuidado atingindo a paridade entre pais e mães e outras pessoas que por essa criança se responsabilizem, garantindo que se construa uma verdadeira rede de apoio comunitário no exercício do cuidado com a criança e o adolescente”. Entretanto, o PL está parado desde dezembro de 2022 na Comissão de Saúde da Câmara.
De acordo com o advogado trabalhista Victor Emmanuel Leonardo Novaes, a licença parental ainda é um tema delicado na Justiça. Nos casos concretos, diante da ausência de previsão legal, é aplicada a legislação vigente, que concede 120 dias de licença maternidade para a mãe gestante e cinco dias de licença paternidade. “O debate sobre as licenças ganhou força com o crescimento de casais homoafetivos na sociedade e a controvérsia sobre a possibilidade de alargar a concessão de licença maternidade também para a mãe não gestante ou o pai”, frisou o advogado tributarista. “Também ganhou força com o destaque que a sociedade está dando para o combate às desigualdades de gênero, pois o modelo atual joga para a mãe o dever de cuidar da criança recém-nascida”, disse. (FS)