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Aspectos societários da proposta de reforma do Código Civil

20 de junho, 2024

Número de alterações ao Código Civil pode impactar Direito Societário sem que as empresas percebam

Por Leonardo Barém Leite

O Código Civil Brasileiro pode vir a ser substancialmente alterado nos próximos meses (como já anunciado pela presidência do Senado). O conjunto de propostas de mudanças é tão amplo, profundo e impactante que todos devemos prestar muita atenção à sua tramitação no Congresso Nacional.

Em função de sua magnitude e alcance, muita gente se refere ao Código Civil como “a constituição do dia a dia”, e praticamente tudo o que fazemos e vivemos com ele se relaciona de alguma forma.

Nos aspectos empresariais e societários, o rol de sugestões propostas é enorme. É preciso destacar que vários conceitos já assimilados pelo empresariado, pelos investidores, pelos administradores e pelo mercado em geral podem mudar (e muito!).

Empresas e negócios têm suas próprias rotinas e desafios. Nem sempre seus condutores se dão conta do impacto que sofrem da legislação brasileira quando descobrem mudanças profundas apenas após a entrada em vigor de novos diplomas legais.

Temos no Brasil o equivocado costume de entregar o acompanhamento legislativo e judiciário quase que exclusivamente aos operadores do direito. Não nos damos conta de que não são esses os únicos que precisam conhecer o direito e as normas que nos regulam, e que, por isso, devem acompanhar sozinhos propostas de mudanças.

Pouca gente está percebendo, por exemplo, a magnitude das propostas de mudanças à legislação societária brasileira que já estão no Congresso Nacional para apreciação, tanto no tocante às empresas em geral quanto às sociedades por ações. Se aprovadas, mexerão enormemente com o dia a dia das organizações.

Um dos pilares da segurança jurídica (tão importante para pessoas como para organizações) está na clareza e na estabilidade da legislação, para que exista previsibilidade e planejamento – o que demanda que se tenha sempre muito cuidado, muita calma, muita responsabilidade, muito debate e muita sabedoria para alterar leis que afetem diretamente a sociedade.

O mundo tem mudado de forma tão rápida e profunda, e em tantos aspectos, que com crescente frequência tem sido preciso atualizar a legislação. Esses ajustes ocorrem tanto no Brasil como nos demais países, especialmente os democráticos.

Mas o que nos preocupa é que nem sempre os necessários ajustes considerem também a importância da estabilidade e da segurança jurídica.

No caso da reformulação do atual Código Civil, é preciso destacar ainda a aparente pressa e a falta de amplos e efetivos debates com toda a sociedade em casos de ajustes mais extremos, de grande impacto social e econômico. Especialmente no caso de mudanças que possam derivar de apenas um corte do entendimento sobre os assuntos em revisão, que considerem apenas um grupo social ou ainda uma visão dos temas, sem que todos os efetivos pontos de vista e interesses sejam considerados.

Em meados de 2023, o governo federal apresentou um robusto projeto de alteração à chamada Lei das SAs, com pontos extremamente complexos e polêmicos, afetando também a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em abril de 2024, foi apresentado ao Senado Federal um anteprojeto de enorme reformulação do Código Civil, que pretende alterar mais de mil artigos, afetando cerca de metade do atual Código.

Considerados em conjunto, esses dois diplomas legais podem alterar profundamente as organizações, os negócios e a vida de todos, sem que a maioria das pessoas nem sequer se dê conta. O risco das empresas e dos investidores serem surpreendidos com mudanças profundas é altíssimo, e por conta disso recomendamos muita atenção.

Sabe-se que em virtude da crescente rapidez das alterações sociais, mesmo os diplomas legais mais amplos, básicos e importantes passaram a ser frequentemente rediscutidos e, por vezes, atualizados, mas reiteramos que é preciso que os ajustes mais profundos sejam precedidos de muito cuidado, de muita atenção e também de muito debate e da efetiva participação de todos.

A criação de comissões de notáveis para elaborar os anteprojetos é louvável, mas não elimina a importantíssima participação popular, a consideração de diversos pontos de vista e, mais ainda, o cuidado e a prudência, sem contar a necessária análise e participação por parte de quem será mais diretamente afetado pelas novas normas.

Torna-se, portanto, fundamental que a sociedade tenha amplo conhecimento desses projetos, que acompanhe o processo legislativo e que influencie no que entender importante. Pontos estes que, na nossa visão, não estão acontecendo no caso do empresariado brasileiro.

É preciso que isso ocorra antes que alterações significativas sejam votadas e, eventualmente, implementadas, especialmente quando o alcance de tais mudanças é muito amplo e atinge toda a sociedade, inclusive organizações e empresas.

Um dos exemplos desse dilema está acontecendo agora no Direito Societário brasileiro, que costuma ser estável e é um grande aliado do empreendedorismo e do universo corporativo. Trata-se de uma área em que as normas são conhecidas e geram substancial segurança jurídica, proporcionando confiança ao investidor nesse sentido. Investidores e executivos sabem bem que as surpresas são os principais riscos dos negócios.

Tememos que se tais projetos não forem ampla e efetivamente discutidos, com calma e profundidade, inclusive pelas empresas, as alterações propostas sejam aprovadas sem o necessário debate, mudando bastante o contexto jurídico das empresas brasileiras e a condução dos negócios.

O antigo Código Civil Brasileiro (cuja versão anterior, de 1916, vigorou por quase nove décadas) naturalmente precisou de atualizações com o passar do tempo, mas era muito elogiado pela sua qualidade e clareza, de forma que manteve boa parte de nossa necessária estabilidade legal ao longo do Século 20. E era tão bom em termos de técnica jurídica que, para ser alterado, demandou décadas de estudos e debates prévios.

Essa realidade vigorou até a edição do então chamado “Novo Código Civil” em 2002 (o atual), que já se pretende alterar em enorme magnitude, e sem o necessário cuidado.

Uma das principais críticas nesse cenário é a própria frequência com que o Brasil altera suas leis gerais, pois mudar praticamente metade do Código a cada 20 anos não parece razoável.

O atual Código Civil inovou em diversos aspectos, mas para muitos aproximou-se de um conceito de “código geral de direito privado”, pois passou a regular muitos assuntos, temas até então presentes em outros diplomas legais, notadamente no que se refere a empresas.

No contexto empresarial, praticamente todo o Código Comercial então vigente foi substituído por capítulos no Código Civil. O mesmo ocorreu com as sociedades, que tinham, por exemplo, um decreto específico que regulava as “limitadas”.

Os campos de alterações pretendidas são muitos, abrangendo, por exemplo, o direito de família e sucessões, sistema de garantias, contratos, assinaturas, responsabilidade civil, direito digital e diversos outros aspectos da vida civil. E, no tocante ao direito societário, existem tópicos fundamentais como definições ligadas a empresário e empresa, contratos, deliberações societárias, pontos referentes às sociedades empresárias e até mesmo as sociedades por ações.

Some-se a esses aspectos o fato de que uma das principais justificativas para uma mudança quase geral do Código Civil é a necessidade de fixar critérios mais objetivos e de conciliar jurisprudência, mas não é bem isso que se verifica no anteprojeto, que em muitos casos inova sob o risco de não considerar todos os aspectos necessários em cada caso.

Acreditamos que antes de uma ampla e profunda reformulação do Código, seja mais prudente que o País permita que as normas sejam efetivamente digeridas pela população e pelos operadores de Direito, uma vez que para certos aspectos da necessária jurisprudência, 20 anos não são suficientes nem mesmo para que se tenha conceitos realmente sedimentados. De outro lado, mesmo para estudiosos, é necessário bastante tempo para que de fato se apreenda conceitos e práticas.

Provavelmente, o mais prudente nesse caso seja o ajuste em sintonia fina, cirúrgico, nos pontos realmente mais urgentes, evitando o impacto de se alterar o Código Civil de forma tão ampla.

Reiteramos, assim, a sugestão para que toda a sociedade, e com mais urgência o empresariado brasileiro, por meio de advogados (tanto nos departamentos jurídicos quanto nos escritórios de advocacia), inclua esse monitoramento de potenciais novas leis ou suas alterações em suas estratégias de negócios, reduzindo o risco de impactos não considerados em suas atividades.

Leonardo Barém Leite é sócio sênior do escritório Almeida Advogados e presidente da Comissão de Direito Societário, Governança Corporativa e ESG da OAB-SP/Pinheiros.

https://monitormercantil.com.br/aspectos-societarios-da-proposta-de-reforma-do-codigo-civil/

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