carregando...

PORTFÓLIO

Após 25 anos, modelo das OS precisa crescer

17 de maio, 2023

É vital avançar na estruturação e qualificação das interfaces entre o poder público e as OS

Por Rubens Naves

(Foto: Suzana Velasco/Agência O Globo)

Neste ano, o modelo das OS (Organizações Sociais) – instituído pela Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998 – faz 25 anos. Poderíamos celebrar esse aniversário com um artigo repleto de evidências dos muitos avanços que as organizações sociais vêm propiciando, especialmente nas áreas da ciência e tecnologia, cultura e saúde. Mas o objetivo principal deste texto é outro. Queremos colaborar para um diagnóstico sobre as oportunidades de aperfeiçoamento do modelo. O aniversário de um quarto de século deve ser celebrado, mas seu sentido maior é a oportunidade e necessidade de crescer.

Um balanço da atuação dessas entidades mostrará um cenário cheio de disparidades em termos de eficiência e eficácia. A necessidade de amadurecimento da compreensão do modelo, seus potenciais e desafios, entretanto, se impõe para todo o universo das OS.

Tipo especial de entidade do Terceiro Setor, as OS passam por um processo de qualificação prévia perante o Poder Público para prestar serviços mediante o repasse de recursos pelo Estado. São uma espécie de OSC (organização da sociedade civil) que, por ficarem responsáveis pela gestão de serviços e equipamentos públicos, requerem estrutura de governança e regime de controle e transparência robustos.

A razão de ser das OS é a necessidade de conciliar a vocação para se nortear e trabalhar pelo interesse público (característica que se espera de órgãos estatais) com a priorização da busca de resultados, a flexibilidade e a eficiência (características que se esperam da iniciativa privada).

Para que essa missão seja cumprida, é essencial que se mantenha íntegra essa fórmula híbrida, a salvo tanto do desvirtuamento por interesses particulares e privatizantes, quanto da absorção pela lógica rígida, excessivamente procedimental e formalista, do setor estatal.

Um amplo conjunto de evidências demonstra que a defesa do modelo das OS é valiosa para a sociedade. Dada a brevidade deste artigo, fiquemos em três exemplos de instituições de referência no estado de São Paulo: o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), OS federal localizada em Campinas que gere o maior investimento em ciência e tecnologia já feito no Brasil; a Pinacoteca de São Paulo, museu de arte que é referência pelo acervo, instalações e qualidade de gestão, administrado por uma OS estadual; e o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, referência no nível de satisfação dos usuários, gerido por uma OS estadual de saúde, a Fundação Faculdade de Medicina da USP.

Segundo o Ipea, em 2020 havia ao todo 1.114 organizações sociais no Brasil. Faltam dados consolidados que dimensionem esse universo em termos de orçamento e população atendida, mas é possível ter uma ideia do quão significativos são os recursos envolvidos verificando, por exemplo, que, em 2019, o Estado de São Paulo destinou R$ 5,67 bilhões às OS de saúde (OSS). No mesmo ano, o município de São Paulo injetou quase R$ 3,9 bilhões em OSS.

Um dos fatores principais para o sucesso do modelo é a qualidade do controle realizado sobre essas parcerias, e um caminho promissor para o seu aperfeiçoamento é a adoção do “Verificador Independente” (VI). Instrumento obrigatório nas Parcerias Público-Privadas (PPPs), o VI é um ente desenhado para atuar de forma imparcial e com qualificação técnica no apoio da fiscalização realizada pelo Poder Público. Logo, é figura perfeitamente compatível com a fiscalização dos “contratos de gestão”, instrumentos contratuais que regem as parcerias da administração pública com as OS. A figura do VI, aliás, já foi reconhecida na recente Lei de Organizações Sociais da Saúde do Estado de Goiás.

Bem concebidos e operados, VIs darão mais equilíbrio à relação de colaboração entre o Poder Público e entidades parceiras, contribuindo para aumentar a qualidade dos serviços prestados e a satisfação das populações atendidas, e otimizando o atingimento das metas sociais almejadas.

O aprimoramento do modelo das OS passa também pela criação de previsão legal de garantias contratuais para minimizar o risco de inadimplência do Poder Público.

No âmbito das PPPs, a legislação prevê mecanismos para garantir o cumprimento de obrigações contratuais – algo que se mostra ainda mais vital no caso das OS, uma vez que a inadimplência estatal pode levar à interrupção de serviços públicos essenciais. E como entidades sem fins lucrativos, as OS não têm margem de lucro para arcar com atrasos no repasse dos recursos, ficando a continuidade dos serviços totalmente dependente dos pagamentos devidos pelo poder público.

A constituição de fundos de contingência para contratos de gestão será, portanto, um passo importante para assegurar a sustentabilidade das OS e a continuidade, integralidade e qualidade dos serviços por elas prestados.

A responsabilidade mais direta pelo aperfeiçoamento do modelo das OS é das próprias instâncias governamentais (federal, estadual e municipal) que direcionam recursos públicos para a prestação de serviços por meio das OS. É vital avançar na estruturação e qualificação das interfaces entre o poder público e as OS, bem como na transparência das informações, a partir de novos estudos e plataformas de divulgação sobre a atuação dessas entidades, incluindo criação e melhoria de portais da transparência pública. Ao mesmo tempo, cabe às OS uma conduta ativa e propositiva de publicização de documentos relacionados a sua gestão.

Universidades e centros de pesquisa, tribunais de contas, Ministério Público e entidades da sociedade civil também devem atuar nesse sentido – a exemplo do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo que, em parceria com o Ministério Público estadual, divulgou, em janeiro deste ano, um relatório apontando falhas e propondo soluções para aprimorar o controle dos recursos públicos destinados ao Terceiro Setor.

Se esses papéis forem devidamente assumidos, o aniversário de 25 anos das OS será um marco na capacitação institucional para realizar esse exitoso modelo de parceria em sua plena vocação de utilidade pública, eficiência, inovação e desenvolvimento social.

Rubens Naves, advogado, integra a Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/SP, Coordenador do livro “Organizações Sociais – A Construção do Modelo, Ed. Quartier Latin 2014, foi professor de Teoria Geral do Estado da PUC/SP.

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/apos-25-anos-modelo-das-os-precisa-crescer.ghtml

Compartilhe