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Alteração da Lei de Improbidade: avanços e perspectivas

8 de dezembro, 2023

Por Camillo Giamundo e Gabriela Soeltl*

Dois anos se passaram desde a reforma da Lei da Improbidade Administrativa (LIA). Embora festejada por parte da doutrina administrativista, que apontou a disposição do legislador de impedir certos exageros cometidos pelos aplicadores da norma, é preciso fazer um breve balanço de como as alterações têm repercutido desde então.

Sancionada há mais de 30 anos, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei Federal nº 8.429/1992) foi um grande marco na criação de mecanismos contra a corrupção que envolve agentes públicos com agentes privados, em um momento marcado pelo experimento de uma democracia recém-conquistada e pelos primeiros anos de uma Constituição que teve ampla participação popular, que inovou em sua estrutura, diversa das anteriores, e vindo a ser conhecida como a Constituição Cidadã, na expressão de Ulysses Guimarães, então presidente da Assembleia Nacional Constituinte.

E como decorrência dessa nova Constituição, que trouxe garantias inalienáveis, a Lei de Improbidade Administrativa veio como um instrumento legítimo, pautado pelo devido processo legal, para fazer frente aos atos de corrupção sem surripiar direitos e garantias pertinentes. De lá para cá, em menções abstratas à finalidade da norma, a LIA passou a ser aplicada em situações desmedidas, mesmo quando claras a inexistência de improbidade administrativa e de conduta dolosa.

Sob as críticas de que a legislação não se dirige aos gestores inábeis e aos mínimos atos reprováveis do agente público, esses dois últimos pontos foram catalisadores da reforma da LIA. Pode-se dizer, também, que a nova legislação dependia de previsões mais acuradas aos seus valores tutelados, para garantir que a sua dimensão proibitiva e punitiva não servisse a processos natimortos, apenas pela aplicação generalizada, por exemplo, do princípio in dubio pro societate.

Ao longo dos 30 anos da Lei de Improbidade, apesar de se tratar de importante mecanismo contra a corrupção e o dano ao erário, viu-se uma série de injustiças e abusos contra gestores públicos, particulares e empresas, sendo que a reforma da norma era mais do que necessária, corrigindo interpretações equivocadas e condenações ilegítimas.

A supressão da modalidade culposa, a título exemplificativo, garantiu parte desses objetivos, sendo reconhecido pela norma que atos culposos desbordam do conceito de improbidade administrativa e não servem de fundamento às ações judiciais baseadas na LIA. Isso não impede responsabilizações por outras vias, mas torna mais específica e técnica a pretensão punitiva, exigindo-se que eventual condenação fique reservada ao agente que deliberadamente incorreu nas condutas dos arts. 9º, 10 e 11.

Sobre essa alteração da Lei de Improbidade, verifica-se que ainda há uma certa resistência dos legitimados ativos — Ministério Público e pessoas jurídicas interessadas (ADI 7042) — de não utilizarem a ação de improbidade administrativa como instrumento de combate de irregularidades ou meio de controle da atividade administrativa. Mesmo diante de condutas irregulares, que não satisfazem os pressupostos da norma, em especial quanto à exigência do dolo, não são raras as ações que pretendem punições de agentes inábeis, apenas com a intenção de lograr uma condenação, em especial do ponto de vista do ressarcimento ao erário.

É de se destacar que a doutrina, com base no que dispõe a própria lei, firmou o entendimento de que improbidade administrativa é o ato praticado com má-fé, desonestidade e intenção (dolo) do gestor público em enriquecer ilicitamente, em razão de sua função pública; causar dano ao erário e patrimônio público; e desrespeitar os princípios que regem a Administração Pública, violando os deveres de honestidade, imparcialidade e legalidade.

Contudo, se já existiam outros caminhos para garantir essa medida, as alterações da Lei de Improbidade ratificam essa possibilidade com a expressa previsão do art. 17, §16, que autoriza ao magistrado, a qualquer tempo, a conversão da ação de improbidade administrativa em ação civil pública, regulada pela Lei Federal nº 7.347/1985, conferindo melhor certeza às consequências de determinada irregularidade, porém, não sob o prisma da nova legislação.

Esse é um dos pontos que exige mais maturação das experiências judiciais em relação às alterações da LIA, de forma a diminuir resistências e, ao mesmo tempo, consolidá-la fiel aos seus reais propósitos. Relembra-se que a ação de improbidade administrativa é “repressiva, de caráter sancionatório” (art. 17-D), de modo que os novos limites conferidos à sua utilização não excluíram outras possibilidades de responsabilização, que permanecem possíveis, independentemente da LIA.

Do que se viu, até o momento, das alterações realizadas, é que ainda há a necessidade dos legitimados ativos — Ministério Público e pessoas jurídicas interessadas — em entender o conceito de dolo específico e meditar, com bastante seriedade e compromisso com as garantias constitucionais, sobre o ajuizamento desmedido e injustificado de ações de improbidade administrativa com base em meros erros de gestão, que não necessariamente tenham causado dano ao erário, ou que se utilizem dessa via de forma equivocada, em situações para as quais o ordenamento jurídico prevê soluções menos gravosas a todas as partes, e até mais céleres.

Ainda há muito chão a ser percorrido para que os objetivos da lei sejam atendidos em sua plenitude e as garantias sejam amplamente respeitadas, e todos os atores envolvidos no manejo dessas ações – advogados, procuradores, promotores e juízes – serão os responsáveis por contribuir para a melhoria desse importante mecanismo de combate à corrupção na Administração Pública. É o que se espera de todos, independentemente do lado em que estejam atuando em uma ação de improbidade administrativa, estando o Direito e a Justiça acima de qualquer causa e interesse.

*Camillo Giamundo, sócio-fundador do escritório Giamundo Neto Advogados, doutorando e mestre em Direito Administrativo.

*Gabriela Soeltl, advogada associada do escritório Giamundo Neto Advogados, especialista em Direito Administrativo. 

https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/alteracao-da-lei-de-improbidade-avancos-e-perspectivas/

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