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PORTFÓLIO

Alta tensão no Tribunal de Contas da União

10 de maio, 2024

Protagonismo do TCU em pautas de extrema importância para o setor elétrico é pernicioso e extrapola sua esfera de atuação institucional

Por Giuseppe Neto e Joaquim de Queiroz

(Foto: Marcello Casal Jr. / Ag. Brasil)

O primeiro quadrimestre de 2024 se encerrou com decisões candentes do Tribunal de Contas da União (TCU). E todas elas com grande impacto para o setor elétrico brasileiro.

Em 24 de janeiro, o TCU aprovou proposta apresentada pelo ministro Antonio Anastasia sobre o acompanhamento das ações do Poder Concedente em relação às concessões de distribuição de energia elétrica prestes a vencer. Este processo se iniciou em razão de deliberação do TCU para que o Ministério de Minas e Energia (MME) adotasse providências para definir, com antecedência mínima de três anos, as diretrizes para o procedimento de delegação das concessões de distribuição de energia elétrica próximas ao vencimento, e que não haviam sido renovadas em 2013.

Existem atualmente 20 contratos de concessão de distribuição com vencimento entre 2025 e 2031. O primeiro a vencer é o da EDP Espírito Santo, com termo final em julho de 2025. E, pela legislação aplicável, o MME já deveria ter se manifestado sobre a possibilidade de prorrogação desta concessão. Há pressa, portanto, para a definição das regras.

A renovação das concessões de distribuição de energia tornou-se palco de acirrado embate entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo. A discussão gira em torno da renovação dos contratos de concessão em contraposição à realização de novas licitações. O clima é de hostilidade e tensão. E não se sabe qual será o desfecho dessa contenda.

De um lado, o MME já manifestou a sua posição de que a renovação dos contratos de concessão seria a solução mais prática e adequada. De outro, parcela do Poder Legislativo defende a necessidade de novas licitações. O argumento é o de que o Poder Legislativo seria o competente para a aprovação da nova lei que regulamentaria as relicitações das concessões.

No meio desta queda de braço, o TCU buscou aplainar as arestas. Determinou, ao final de janeiro, que caso o Poder Concedente opte pela prorrogação das concessões, o TCU fará um acompanhamento individualizado. E por meio de fiscalizações específicas dos processos que resultarão na celebração dos aditivos contratuais. O sinal foi claro. Embora o TCU tenha avalizado que o Poder Concedente analise a conveniência de prorrogar as concessões, indicou que haverá fiscalização ostensiva.

Após a decisão, o TCU suspendeu o processo para aguardar que o MME apresente as diretrizes e regras para a renovação dos contratos ou para a relicitação das concessões. No meio desse imbróglio, está o caso da Enel SP, cujo contrato vencerá em junho de 2028. E as recentes declarações do ministro de Minas e Energia sobre a instauração de processo de caducidade contra a distribuidora trazem ainda mais combustão às discussões sobre a necessidade de relicitação.

A segunda rumorosa decisão do TCU teve por objeto a investigação sobre possíveis irregularidades na concessão de subsídios pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O caso em questão envolve a redução de até 50% na Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e na Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) para as fontes de geração renovável.

Pela regra existente, projetos de geração renovável poderiam se beneficiar do desconto de 50% na tarifa de uso da rede, desde que observassem determinado tamanho (limite de 300 MW de potência injetada). Na prática, muitos empreendedores, com o objetivo legítimo de racionalizar a captação de investimentos e a construção de suas usinas, optavam por aglutinar projetos individualizados de até 300 MW, utilizando-se de arranjos societários válidos para tanto. Cada uma dessa usinas distintas obtinha uma autorização específica da Aneel para a sua implantação, auferindo, assim o desconto para o uso da rede.

Ao final de 2023, o TCU entendeu que a Aneel estaria concedendo equivocadamente a autorização para estes projetos com o desconto. Segundo o tribunal, alguns empreendedores estariam irregularmente dividindo as usinas para se encaixar no limite legal para a fruição do desconto. O TCU ordenou, assim, que a Aneel se abstivesse de conceder novos descontos e adotasse, em até 180 dias, um plano de ação para o aprimoramento das normas.

O plano de ação deveria ainda abranger os projetos já autorizados e que desfrutam do subsídio, para se avaliar os impactos de eventual regularização ou da manutenção do desconto. Essa decisão causou ampla comoção no setor elétrico e impeliu a Aneel a solicitar esclarecimentos.

Em janeiro, o TCU acolheu o pedido da Aneel para estabelecer que os empreendedores poderiam, por sua conta e risco, seguir com a implantação dos projetos ainda em processo de autorização. Contudo, indicou que o enquadramento da usina no desconto dependeria de posterior regulamentação da agência. Novamente, a atuação do TCU ecoou de forma muito negativa entre os investidores. Com efeito, trouxe indesejável insegurança jurídica para os empreendedores de geração renovável, deflagrando intensa movimentação das associações setoriais. Há hoje inegável apreensão no ar.

Como se vê, o TCU vem assumindo protagonismo em pautas de extrema relevância para o setor elétrico. Embora o tribunal possua competência para exercer atividades de fiscalização e controle, percebe-se que tem extrapolado a sua esfera de atuação institucional. Há consenso de que esta conduta é perniciosa ao setor elétrico.

Na última terça-feira foi iniciada a deliberação pela Agência Nacional de Energia Elétrica sobre o cumprimento da decisão do Tribunal de Contas da União que determinara a suspensão dos descontos para geradores renováveis e a revisão das regras para a sua concessão, de forma a evitar o fracionamento de usinas.

O mercado aguarda com grande expectativa qual será a decisão da Aneel sobre este tema. Especialmente em relação à possibilidade de aplicação retroativa das novas regras. Há temor de um retrocesso com a revogação do desconto concedido a centenas de geradores eólicos e fotovoltaicos, cuja usinas estão em operação. O impacto seria bilionário e catastrófico. Deturparia a modelagem financeira destes projetos, com risco de efeito em cascata, minguando futuros financiamentos para o setor.

Representaria ainda um grave abalo à segurança jurídica, além de prejudicar a credibilidade do país para a atração de novos investimentos em energias renováveis. A previsão é a de que o processo volte em breve para a pauta de reuniões da diretoria da Aneel. Talvez até lá outras decisões do TCU tragam ainda mais ebulição para o setor. 

Giuseppe Giamundo Neto é doutorando e mestre em Direito do Estado pela USP e sócio fundador de Giamundo Neto Advogados. 

Joaquim Augusto Melo de Queiroz é mestrando em Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica da USP e sócio da área de Energia de Giamundo Neto Advogados.

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/alta-tensao-no-tribunal-de-contas-da-uniao.ghtml

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