PORTFÓLIO
Alienação fiduciária e procedimento extrajudicial para consolidação da propriedade em caso de inadimplemento
A decisão responsável por este burburinho foi proferida pelo plenário do STF no Recurso Extraordinário 860.631 e abrangeu a análise da legalidade do procedimento de retomada de imóvel financiado e garantido através da chamada alienação fiduciária em caso de inadimplemento do adquirente, sem a necessidade de que este procedimento se dê sob a batuta do Judiciário.
Antes de entrar em maiores detalhes sobre o caso prático que embasou a decisão do STF, vale esclarecer que a alienação fiduciária é uma forma de financiamento em que o imóvel permanece em nome da instituição financeira que o financia, normalmente um banco comercial, de investimento ou outra instituição aprovada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), ao passo que o devedor, aquele que pretende ter para si o imóvel financiado permanece na posse do bem, a chamada propriedade resolúvel.
Por se tratar de um contrato que tem por base a Lei 9.514/97, por sua vez criada como resposta a um momento de crise habitacional com a falência de modelos até então utilizados para impulsionar o mercado imobiliário, seu principal trunfo era justamente a permanência do imóvel em nome daquele que o financia e a possibilidade de este credor/proprietário adotar medidas extrajudiciais para retomar a posse do bem financiado, caso o pretenso adquirente deixe de honrar com sua obrigação de pagamento.
Obviamente, na hipótese de quitação das obrigações por parte daquele que aderiu ao financiamento, há o encerramento do contrato com a obrigação de transferência definitiva da propriedade da instituição financeira ao adquirente, aquele que o financiou.
No caso de inadimplemento é que está o ponto de análise prática pelo STF. A legislação que regula a alienação fiduciária autorizada a chamada consolidação da propriedade em nome do credor, do agente que financiou a propriedade, que deverá apurar o montante devido, com juros, correção e demais eventuais encargos para quitação do débito.
E a controvérsia analisada pelo STF era justamente sobre a legalidade, ou não, deste procedimento de retomada do imóvel fora da esfera judicial em caso de inadimplemento contratual por parte do adquirente do bem, em especial diante da previsão da Lei 9.514/97 de que o procedimento de retomada poderia seguir extrajudicialmente.
E o que decidiu o STF é que tal procedimento extrajudicial é constitucional e não fere direito de defesa ou a garantia de acesso ao Judiciário.
Em resumo, entenderam os ministros que participaram do julgamento que o procedimento deve seguir o que foi estabelecido na Lei 9.514/97, sendo garantido àquele que financiou o imóvel, a qualquer momento, se socorrer do Judiciário caso venha a verificar qualquer incompatibilidade entre o procedimento extrajudicial e o que prevê a legislação que trata do tema.
O voto vencedor, proferido pelo ministro Luiz Fux ainda destaca que a Lei 9.514/97 observa e respeita disposições constitucionais e normas processuais, além de, em que pese ser procedimento extrajudicial, realizar-se perante o Oficial de Registro de Imóveis que exerce atividade estatal delegada, ou seja, executa atividade ou serviço público em seu próprio nome e risco, mas sujeita-se à fiscalização do Estado.
Para além das considerações sobre a legalidade do procedimento, ainda destaca o ministro Fux a importância de tal medida para impulsionar o mercado imobiliário diante de sua maior celeridade e eficiência, que propicia mais segurança aos investidores em caso de inadimplemento, ao mesmo passo em que garante oportunidades aos devedores de quitação do débito até a data da realização do segundo leilão, como forma de evitar o perdimento do bem.
O posicionamento do STF foi no sentido de que não é o simples fato de o procedimento se desenvolver fora dos tribunais que, por si só, dará ensejo a atos ilegais que desrespeitem a Lei 9.514/97, até mesmo por ser garantido ao devedor valer-se do Poder Judiciário na hipótese de verificação de algum ato ilegal ou abuso.
O trâmite dos atos para a chamada consolidação da propriedade pelo credor e posterior realização do leilão que se dão perante o registro imobiliário não afastam, por si só, o direito constitucional daquele que financiou o imóvel de se socorrer do Judiciário caso verifique a prática de qualquer ilegalidade.
Por outro lado, não se pode permitir que a Lei, que em muito inovou de forma positiva ao trazer procedimento mais célere e seguro, propiciando o desenvolvimento do sistema habitacional com a redução de juros e ampliação das oportunidades de financiamento, seja tida como ilegal pelo simples fato de o procedimento de retomada e alienação do imóvel através de leilão ocorrerem fora do controle direto do Judiciário.
A propósito, cabe esclarecer que recentemente a Lei 9.514/97 sofreu diversas mudanças, o que se deu através da edição da Lei 14.711 de 31 de outubro de 2.023.
Dentre as alterações registradas, pode-se citar o estabelecimento de prazo de 30 dias para a instituição que financiou o imóvel fornecer o termo de quitação quando da liquidação da dívida e a penalidade em caso de desrespeito, o procedimento de intimação do devedor e o prazo para quitação da dívida antes da consolidação da propriedade, o prazo de carência antes da intimação do devedor e o prazo para devolução pelo credor do excedente, do que sobrar, se sobrar, após a alienação do imóvel em leilão.
O procedimento de consolidação da propriedade também deve observar algumas etapas, como, por exemplo, a intimação do devedor sobre o débito, para possível quitação através do Cartório de Registro de Imóveis. E, em não sendo quitado o débito no prazo regulamentar — 30 dias —, deve o imóvel ser levado a leilão.
Por isso, e, em consonância com o entendimento do STF, é importantíssimo aquele que financia sua propriedade através da alienação fiduciária conte sempre com uma assessoria jurídica, até mesmo para eventuais questionamentos perante o Poder Judiciário.