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Ainda limitado no Brasil, mercado de seguros se moderniza para transformar potencial em apólices
Desafio do setor inclui novas variáveis, como mudanças climáticas e envelhecimento. Regulação e tecnologia prometem ajudar
Por João Sorima Neto
— São Paulo
(Imagem: Renata Amoedo)
O Brasil deverá voltar a figurar entre a dez maiores economias do mundo este ano, segundo previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI), mas o seu mercado de seguros — um componente decisivo para o desenvolvimento econômico e a garantia de bem-estar social — ainda não está no mesmo passo.
Quando se fala em valores pagos pelos brasileiros por seguros, o país fica até na 20ª posição em diferentes rankings internacionais do setor. É essa disparidade que operadores do setor (que engloba também previdência e saúde complementar, além de capitalização) querem superar nos próximos anos. A boa notícia é que os passos voltaram a se acelerar após a pandemia.
A indústria de seguros vem crescendo seguidamente no Brasil — em 2023 deve se expandir 9,4% —, mas as empresas do setor enxergam o potencial de avançar num ritmo mais forte e chegar a 2030 com participação de 10% no Produto Interno Bruto (PIB) frente aos pouco mais de 6% atuais.
Se chegar a esse patamar, o Brasil ficará na média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne as economias mais desenvolvidas do planeta. No entanto, esse desafio está inserido em novas circunstâncias que elevam as incertezas que os seguros tentam minimizar.
— Foto: Arte
As mudanças climáticas aumentam as consequências financeiras e sociais de fenômenos imprevisíveis, assim como o envelhecimento da população, emergências sanitárias, instabilidade macroeconômica e geopolítica exigem olhar mais apurado do setor e produtos mais customizados.
— Há uma grande disparidade entre o tamanho da economia e a indústria de seguros brasileira, mas prefiro ver o copo meio cheio: há uma enorme possibilidade de crescimento em seguros de automóveis, habitação, no setor agrícola — diz Alessandro Octaviani, chefe da Superintendência de Seguros Privados (Susep), autarquia do Ministério da Fazenda que é responsável pela regulação do setor. — No caso de veículos, temos mais de 80% da frota brasileira para segurar, e, em área plantada, mais ainda (hoje só 10% da área cultivada é segurada). O Brasil tem um potencial de expandir essa indústria como nenhum outro país.
O superintendente aponta diferentes caminhos para o setor deslanchar. Um é estrutural: é preciso que o brasileiro tenha renda mais alta para investir em seguros. — É consenso que o produto é mais importante para o cidadão que ganha menos e precisa de maior proteção. Nesse sentido, o crescimento sustentável da economia e os programas de inclusão social e estímulo ao emprego ajudam nesse desafio, especialmente no crescimento dos chamados seguros massificados (casa, carro, vida) — diz Octaviani.
E também é preciso que o consumidor tenha confiança no produto, frisa o líder da Susep. Nesse sentido, o novo marco regulatório dos contratos de seguros (PL 29/2017) promete trazer mais segurança ao consumidor, com contratos mais claros a respeito dos pagamento de indenizações ou sobre o que está coberto pela apólice.
O projeto de lei aprovado na Câmara em 2017 está parado no Senado desde então. O texto foi debatido com as entidades que representam o setor recentemente, abrindo caminho para um acordo entre os senadores para a votação. O prazo para que as seguradoras implementem as mudanças será de um ano após a aprovação e sanção. O tema está entre as prioridades da agenda microeconômica do Ministério da Fazenda.
Mercado competitivo
Com 131 seguradoras operando no país, o mercado brasileiro é considerado bastante competitivo e vem ampliando a gama de produtos que atendem as mais diferentes demandas da sociedade, tanto para pessoas físicas quanto para empresas. Há seguros para pets, celulares, bicicletas e até bolsas femininas ou contra golpes no Pix.
Há produtos para grupos específicos como gamers interessados em se proteger de hackers que roubam dados ou pontos que equivalem a movimentações financeiras nos jogos. O seguro contra riscos cibernéticos é um dos segmentos que mais vêm crescendo. Neste ano, ultrapassou R$ 130 milhões em prêmios arrecadados até agosto. No mesmo período de 2020, essa cifra foi de R$ 24 milhões. Empresas também encontram apólices customizadas, como as que ajudam a mitigar riscos ambientais de suas atividades.
— Há muita inovação, e as seguradoras estão conectadas com a realidade. Para empresas, por exemplo, há seguros contra ações trabalhistas, que atendem a regras da agenda ESG (da sigla em inglês que engloba as ações ambientais, responsabilidade social e governança das empresas) e ligados ao impacto das mudanças climáticas — diz Dyogo Oliveira, ex-ministro do Planejamento e ex-presidente do BNDES que atualmente é presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg).
Diante da maior frequência de fenômenos climáticos, com alto risco de vida e de significativos danos ao patrimônio de famílias e empresas e à infraestrutura pública, a CNseg apresentou ao Ministério da Integração Nacional e do Desenvolvimento Regional uma proposta que cria o Seguro Obrigatório de Catástrofe, para inundações, alagamentos ou desmoronamentos relacionados a chuvas.
No México e no Japão, por exemplo, há seguros que cobrem equipamentos das cidades, como escolas, hospitais, pontes. Isso ainda não existe no Brasil e pode ser um novo vetor de crescimento do setor. A entidade também elaborou um plano com ações para aumentar em 20% a população atendida por seguros no país, entre elas a melhora da comunicação do setor. O diagnóstico é que muita gente tem dificuldade de entender termos como sinistro ou prêmio. É o seu caso?
Novas tendências
Também há discussões para a formatação de um seguro de vida universal, que mistura características dos produtos de vida convencionais e previdência. A pessoa paga um valor fixo e acumula valores por 20 ou 30 anos. Se há morte no meio desse prazo, o beneficiário recebe um valor. Se não, o segurado resgata o acumulado no fim do período contratado.
Novos formatos, como o seguro peer-to-peer, em que um grupo de pessoas contribui financeiramente para cobrir riscos mutuamente com a gestão de uma empresa de tecnologia de seguros, também devem surgir, preveem especialistas.
A pandemia aumentou a percepção da importância do seguro de saúde. O tema se tornou prioritário para os brasileiros, apontam pesquisas. E a maior longevidade — com a elevação da expectativa de vida no país a 77 anos — reforça a necessidade de preparar a aposentadoria e abre mais espaço para produtos de previdência complementar, que só alcançam 13% da população economicamente ativa no país hoje.
Para crescer, o setor de seguros conta ainda com a tecnologia. A inteligência artificial (AI) se mostra uma ferramenta poderosa para processar dados e desenhar novos produtos de acordo com necessidades cada vez mais específicas. E já está em uso nas seguradoras. Os investimentos em tecnologia do setor devem crescer exponencialmente nos próximos anos, apontam executivos, com novas empresas de base tecnológica nessa área, as chamadas insurtechs.
— Os consumidores também mudaram, estão cada vez mais à procura de seguros personalizados, sob demanda, e fáceis de utilizar e contratar pelos caminhos digitais — diz o advogado Thiago Junqueira, professor de Direito dos Seguros da FGV Rio, que prevê o uso de drones e tecnologias de realidade virtual pelas seguradoras em tarefas como inspeções de propriedades e avaliações remotas de danos.
Para Oliveira, da CNseg, a digitalização ajuda a resolver um dos principais gargalos do setor: a falta de conhecimento sobre os produtos, principalmente nas classes mais baixas. Ele cita, por exemplo, que já existem seguros de vida a partir de R$ 10. E que é possível proteger uma casa avaliada em R$ 500 mil pagando R$ 500 por ano. Com os novos canais de distribuição digitais, que permitem simulações e contratação em aplicativos, esse problema começa a ser resolvido, avalia o dirigente.
Paulo Luiz de Toledo Piza, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro, concorda. E destaca a chegada em breve do Open Insurance, uma plataforma digital que permitirá a troca de informações entre seguradoras e a comparação de seguros no mercado pelos consumidores, o que pode reduzir preços.