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A perda de eficácia da MP 1184/2023 e o trato das questões tributárias

25 de março, 2024

Segundo Lucas de Andrade, o Governo e o Congresso deveriam priorizar a regulamentação da Reforma Tributária até o final de 2024, pois a implantação do IVA começa já em 2026.

Por Jorge Priori

Conversamos com Lucas Simões de Andrade, advogado especializado em direito tributário e aduaneiro do Jorge Advogados Associados, sobre a perda de eficácia da MP 1184/2023 e o trato das questões tributárias.

Em agosto de 2023, o Monitor Mercantil conversou com Lucas sobre a MP 1184/2023, que entre os temas que abordava, fazia com que os fundos fechados passassem a recolher o Imposto de Renda (IR) dos seus cotistas através do sistema come-cotas, da mesma forma que os fundos abertos, já que o recolhimento desse IR apenas acontecia quando as aplicações eram resgatadas.

Durante a vigência da MP 118/2023, quais foram os seus impactos?

Até a perda da sua eficácia em fevereiro de 2024, essa MP, em regra geral, não chegou a afetar os fundos que ela alcançava. Contudo, seu artigo 12 trazia uma situação diferente. Segundo esse artigo, os contribuintes poderiam optar por pagar o Imposto de Renda com uma alíquota de 10%, e não de 15%, mas de forma antecipada. Assim, os rendimentos apurados até 30/6/2023 e de 1º/7/2023 a 31/12/2023 poderiam ser pagos em 4 parcelas (29/12/2023, 31/1/2024, 29/02/2024 e 29/3/2024). Se esses investidores estivessem na dinâmica anterior a do come-cotas, eles somente pagariam o IR no resgate de suas aplicações. Para esses contribuintes, essa MP teve uma eficácia plena.

O que deve ser feito por quem pagou dessa forma?

A Constituição, através do seu artigo 62, diz que quando uma MP perde eficácia, o Congresso tem até 60 dias para fazer um decreto sobre as relações jurídicas que ocorreram durante o prazo de vigência da MP.

Contudo, o parágrafo 11 do artigo 62 diz que se o decreto legislativo não for editado nesse prazo de 60 dias, as relações jurídicas geradas por uma MP que perdeu eficácia serão mantidas. No caso da MP 1184/2023, isso significa que, se nesse prazo de 60 dias o Congresso não fizer o decreto, os recolhimentos que foram feitos não poderão ser reavidos.

Se o decreto for editado, nós teremos que analisar a sua redação para sabermos se os contribuintes poderão reaver ou não esses valores. Agora, se o decreto não for editado, e é isso que eu acho que vai acontecer, eu entendo que essa relação jurídica estará constituída. Acontecendo isso, esses pagamentos serão definitivos.

Isso gera algum tipo de prejuízo para os contribuintes que recolheram dessa forma?

O regime de come-cotas não passa de uma antecipação de um pagamento que seria feito posteriormente. A priori, o recolhimento que foi feito com base na MP 1184/2023 não gera nenhum tipo de prejuízo, até porque esses contribuintes tiveram uma alíquota reduzida. Sendo assim, do ponto de vista objetivo, essa questão não é tão prejudicial para esses contribuintes.

Agora, como esses contribuintes não se submetem ao regime de come-cotas, alguém pode se sentir lesado por ter realizado esse recolhimento antecipado.

Você ficou surpreso com a perda de eficácia da MP 1184/2023?

Inicialmente, eu achei que essa MP poderia virar lei, mas com a relação do governo e do Congresso ficando estremecida, com o lobby que deve ter sido feito para que esses investidores não se submetessem ao regime de come-cotas e com a falta de avanço da proposta legislativa, para mim não foi uma surpresa que essa MP não tivesse sido convertida em lei.

Como você avalia o trato do Governo Federal relacionado aos temas tributários?

Desde o início deste governo, ele deixou claro sua sanha arrecadatória, ou seja, o objetivo de aumentar a receita através da tributação para o financiamento de projetos e de investimentos. Nós vimos isso claramente no dia 1º/1/2023, quando o governo editou o Decreto 11.374, que retornou as alíquotas de PIS/Cofins sobre receitas financeiras que o governo anterior havia reduzido.

Ainda em janeiro de 2023, nós tivemos a Portaria do Ministério da Fazenda que retirou 50 CNAEs do Perse (Programa de Retomada do Setor de Eventos), que passou de 88 para 38, a MP 1159/2023, que tratou da  exclusão do ICMS da base de crédito do PIS/Cofins, e a MP 1160/2023, que retomou o voto de qualidade do Carf, sendo que essas duas MPs perderam eficácia da mesma forma que a MP 1184/2023. Com relação ao voto de qualidade do Carf, depois da perda de eficácia da MP 1160/2023, esse assunto foi tratado através de um projeto de lei que deu origem à Lei 14689/2023.

De certa forma, o Congresso estava alinhado com o governo, mas isso começou a mudar quando o governo quis acabar com a isenção de US$ 50 para compras internacionais, o que gerou uma pressão de todos os lados para que essa medida não se tornasse efetiva. Nós também tivemos a MP 1184/2023, mas o ápice de tudo foi a MP 1202/2023, que tratava da reoneração da folha.

Como o governo já entendeu que precisa do Congresso para implementar suas medidas tributárias, ele revogou a MP da reoneração (MP 1208/2024) e passou a analisar em conjunto a possibilidade de trazer essa reoneração de uma forma estudada e através de uma lei que partisse do Congresso (Projeto de Lei 93/2024).

Considerando o histórico recente do trato das questões tributárias, qual a sua expectativa para a regulamentação da Reforma Tributária?

Eu sempre fui um grande entusiasta das técnicas relacionadas à Reforma Tributária O que me traz muitas dúvidas é a forma como vai ocorrer a transição. Isso porque 71 dispositivos da Reforma precisam ser regulamentados através de leis complementares, leis ordinárias e decretos, e da  revisão dos sistemas da Receita Federal e dos fiscos estaduais e municipais. Para que a Reforma Tributária seja eficiente, será necessário que o Governo Federal, o Congresso, os estados, os municípios e os empresários estejam alinhados, pois se ela ficar apenas na Constituição, não vai valer de nada.

O governo e o Congresso precisam dar prioridade à regulamentação da Reforma, pois por mais que ela não seja para agora, ela é para daqui a pouco. A meu ver, essa regulamentação precisaria ocorrer até o final de 2024 para que em 2025 as empresas pudessem entender a forma como se dará a transição para o IVA, que terá início em 2026.

Também temos a questão do envio da reforma da tributação da renda, que ocorreria após o envio da Reforma Tributária, mas já temos a notícia de que, apesar de programado, isso será adiado. O governo também havia ficado de enviar até março um projeto de lei para regulamentação da Reforma Tributária, mas sabe-se lá quando isso vai acontecer, e se isso vai acontecer. Isso sem contar as questões como as alíquotas, o aproveitamento dos créditos de ICMS até 2032, o Conselho Federativo do IVA e os mecanismos para manutenção da Zona Franca de Manaus.

São vários pontos interligados à regulamentação da Reforma Tributária, mas se não houver um trato bem feito por parte do governo, do Congresso e dos outros entes federativos, a Reforma Tributária só vai gerar outros conflitos e outros litígios.

Tendo uma visão positiva, eu espero que haja esse alinhamento, mas parando para ver o contexto histórico do Brasil, principalmente em matéria tributária, eu acho difícil que esse trato se dê de uma maneira tranquila. Eventualmente, podemos ter uma simplificação, mas não como foi colocado pelo governo e pelo Congresso para a mídia, quando eles disseram que teríamos uma Reforma Tributária que salvaria o sistema tributário. Na minha opinião, isso não vai acontecer.

https://monitormercantil.com.br/a-perda-de-eficacia-da-mp-1184-2023-e-o-trato-das-questoes-tributarias/

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