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A minirreforma ministerial de Lula solidificará sua base no Congresso Nacional?
Análise da minirreforma ministerial de Lula e seu impacto na base no Congresso Nacional.
No início do mês de setembro, foi consolidada uma nova tentativa do governo Lula de consolidar uma base de apoio mais consistente no Congresso Nacional, por meio de uma minirreforma ministerial. Já era natural que esse movimento acontecesse, a fim de atrair parlamentares do Centro. A liberação de emendas parlamentares já tinha sido uma estratégia implementada pelo governo no primeiro semestre, mas se mostravam necessárias novas medidas para tentar consolidar uma base governista, considerada um pouco volátil nos primeiros meses de gestão.
O primeiro semestre demonstrou que, tal como confirmado após o resultado das eleições no ano passado, Lula teria de enfrentar uma base formada pela direita conservadora, principalmente na Câmara dos Deputados. Adicionado a isso, diferentemente das duas gestões anteriores do petista, Lula teria de lidar com um presidente da Câmara dos Deputados com grande poder sobre os parlamentares, o que limitaria seu acesso a deputados federais. Isso ficou claro nestes últimos meses, em que o governo enfrentou dificuldades na articulação em importantes projetos, mas, quando Arthur Lira foi acionado, conseguiu êxito em seus projetos – a aprovação da Reforma Tributária é um dos principais exemplos.
Diante deste contexto, coube ao governo, no início do segundo semestre de 2023, acomodar em ministérios partidos do centro, inclusive que apoiaram o ex-presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. A primeira mudança foi na pasta do Turismo, com a saída de Daniela Carneiro e a entrada de Celso Sabino. Embora ambos sejam do União Brasil, essa mudança trouxe ainda mais o líder do partido, o deputado Elmar Nascimento (União/BA), e Arthur Lira para perto do governo, uma vez que Sabino é muito mais próximo desses caciques do Congresso Nacional.
O processo todo desta minirreforma parece ter praticamente chegado ao fim com a mudança em mais duas pastas da Esplanada na primeira semana de setembro, apesar de o Centrão ainda estar brigando por importantes cargos na FUNASA e na Caixa Econômica Federal. No Ministério dos Portos e Aeroportos entrou Silvio Costa Filho (Republicanos/PE) e saiu Márcio França (PSB/SP), que passará a ser titular do Ministério do Empreendedorismo, Cooperativismo e Economia Criativa, que está sendo criado por Lula. No Ministério dos Esportes entra um aliado de primeira hora de Lira, o deputado federal André Fufuca (PP/MA), e sai a ex-atleta profissional Ana Moser. A partir de agora, cabe entender as consequências destas mudanças para o governo.
Em relação à mudança no Ministério dos Portos e Aeroportos, tem havido descontentamento por parte do PSB, pois apoiou a eleição de Lula desde o início, inclusive detém a vice-presidência com Geraldo Alckmin. Ademais, não se pode negar que Márcio França, um dos principais nomes do partido, acaba sendo desprestigiado, uma vez que deixa uma Pasta extremamente importante para ele, que tem seu reduto eleitoral na baixada santista, local em que se encontra o principal porto do País. Há muito simbolismo na saída de França desse ministério para a inclusão de um partido do Centrão, que possui nomes ligados ao bolsonarismo em sua legenda, tais como o governador Tarcísio de Freitas, a senadora Damares Alves, o senador Hamilton Mourão, entre outros.
Em relação à saída de Ana Moser do governo, Lula sofre considerável desgaste com sua base mais radical, que tem pressionado por maior representatividade de mulheres em importantes cargos do Executivo e do Judiciário. Com a saída da ex-atleta, a composição de mulheres na equipe ministerial de Lula caiu para 28%, o que acentua ainda mais a pressão sobre o presidente para indicar um nome feminino ao Supremo Tribunal Federal. Afinal, o discurso de campanha e do atual governo sempre foi o de aumentar a representatividade feminina em cargos de poder.
Apesar de essas mudanças serem necessárias para o jogo político no Congresso Nacional, não se pode ignorar o fato de Lula ter privilegiado partidos que apoiaram o ex-presidente Bolsonaro e demitir nomes que, desde o início do processo eleitoral, estiveram com o atual presidente. Um exemplo dessa insatisfação foi a própria nota emitida pelo Ministério dos Esportes após o anúncio de que Moser deixaria o Ministério dos Esportes.
Outro ponto que deve ser considerado é o de que essas mudanças não garantem de jeito algum apoio completo dos partidos na Câmara dos Deputados, dado que há deputados extremamente contrários a Lula no União Brasil, no Progressistas e no Republicanos, de base evangélica. O que o governo pretende é conseguir apenas alguns votos de parlamentares ligados aos nomes indicados aos ministérios, a fim de conseguir maior folga nas votações na Câmara dos Deputados – apenas grupos de cada partido mencionado irão acompanhar o governo em votações.
Nos últimos mandatos presidenciais, notou-se que o diálogo com o Congresso tem ganhado ainda maior relevância na política nacional e Lula, ciente disso, tem buscado se adequar ao novo cenário da política brasileira, muito diferente do que ele enfrentou entre 2003 e 2010. As mudanças pontuais mostram que tem ocorrido uma aproximação entre o presidente da Câmara dos Deputados e o presidente da República, mas ainda não se pode afirmar que há uma solidificação da base no Congresso, mais notadamente na Câmara dos Deputados. O que se percebe é um provável fortalecimento do governo para as votações que ocorrerão a partir deste segundo semestre no Parlamento – e as dificuldades que a oposição tem enfrentado recentemente nas comissões parlamentares de inquérito abertas no primeiro semestre deste ano são um exemplo desta possível mudança na composição de forças no Parlamento.
*Brunno Carmona Calado é Coordenador da área de Relações Governamentais do Almeida Advogados; MBA em Relações Governamentais pela Fundação Getúlio Vargas.