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Transição energética impõe desafios a cidades de SC que dependem do carvão
Além de economicamente importante para o sul do estado, matéria-prima faz parte da cultura dos moradores da região
Stéfanie Rigamonti
Capivari de Baixo (SC)
No fim de setembro, o Reino Unido desligou as fornalhas de sua última usina a carvão, a de Ratcliffe-on-Soar, e o evento fez o sul de Santa Catarina vislumbrar o que pode acontecer na região em um futuro não tão distante.
A descontinuidade da atividade colocou fim a 142 anos da fonte de energia mais suja do mundo, levando a Inglaterra a um marco ambiental de ser a primeira nação do G7 (grupo que reúne os sete países mais ricos do mundo) a parar de gerar energia a partir da matéria-prima. Por outro lado, deixou um vão cultural e trabalhista na região onde a usina operava.
No sul de Santa Catarina há uma realidade semelhante, já que o carvão fomenta a economia local, faz parte da história de diversos municípios e até hoje está ligado ao desenvolvimento educacional e cultural da região.
Em municípios como Criciúma, Tubarão e Capivari de Baixo, monumentos sobre a história do carvão estão espalhados pelas ruas. Nas escolas, crianças escolhem o transporte do carvão como tema de desenhos em atividades livres, e muitos professores vêm de famílias de trabalhadores das carboníferas da região.
Para os turistas, tem mina aberta para visitação. No futebol, as cores do Criciúma Esporte Clube remetem ao mineral: o preto representa o carvão, enquanto o amarelo é a riqueza que vem da matéria-prima.
É nessa região, mais especificamente em Capivari de Baixo, que se situa o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, que remonta a 1965 e hoje conta com quatro usinas térmicas de tamanhos monumentais. Com sete geradores de energia, tem capacidade total instalada de 740 megawatts e emprega diretamente 350 funcionários.
Por 14 municípios também passa a Ferrovia Tereza Cristina, que leva o carvão das minas da região ao complexo de térmicas.
Segundo a ABCS (Associação Brasileira de Carbono Sustentável), as atividades de mineração, transporte ferroviário, usina térmica e indústria do cimento (que usa a cinza seca do carvão) empregam direta e indiretamente 21.000 pessoas no sul catarinense, e a cadeia produtiva do mineral representa 0,49% do PIB (Produto Interno Bruto) de todo o estado.
Levantamento de 2021 realizado pelos pesquisadores Claudio Considera e Roberto Olinto Ramos, ambos da FGV-Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), e por Frederico Sérgio Cunha, ex-coordenador de Contas Regionais do IBGE, mostra que, em algumas cidades da região, mais da metade das receitas municipais está atrelada a atividades ligadas ao carvão.
Em Capivari de Baixo e Treviso, por exemplo, o estudo calculou acréscimo na arrecadação de 54,8% e 52,2%, respectivamente, com a produção de carvão. Em Lauro Müller e Siderópolis, o acréscimo é de cerca de 23%.
Mas a lei federal 14.299, de janeiro de 2022, pode abalar a economia dessas cidades. O texto criou o Programa de Transição Energética Justa, que prevê um período de adaptação até 2040, quando a atividade de geração termelétrica a carvão mineral com emissão de carbono terá que ser descontinuada, “com consequente finalização da exploração desse minério na região para esse fim, de forma tempestiva, responsável e sustentável”, diz a lei.
O tipo de carvão minerado na região é todo utilizado localmente, já que não tem valor para ser exportado. Daí a dependência que a cadeia produtiva do carvão sul catarinense tem das usinas térmicas e da indústria de cimento locais.
Desde a promulgação da lei, os produtores da região lutam contra o tempo para investir em pesquisa e conseguir reduzir a quase zero a emissão de gases de efeito estufa pelas térmicas —via captura de carbono—, para impedir o encerramento das atividades locais.
O argumento é que a cadeia produtiva do carvão movimenta economicamente a região, com 15 cidades dependentes da atividade: Criciúma, Urussanga, Treviso, Lauro Müller, Capivari de Baixo, Forquilhinha, Içara, Jaguaruna, Morro da Fumaça, Siderópolis, Sangão, Tubarão, Imbituba, Cocal do Sul e Balneário Rincão.
“O fim do carvão a curto prazo seria um desastre econômico e social sem compensação ambiental. Suas emissões de gás carbônico não passam de 0,3% do total nacional. Ou seja, acabaríamos com um setor produtivo e com o sustento de milhares de famílias, sem nenhum ganho significativo para o meio ambiente”, defende o engenheiro Fernando Luiz Zancan, presidente da ABCS.
Ele afirma, porém, que tem ciência de que a atividade terá que parar mundialmente se a indústria do carvão não conseguir reduzir a emissão de CO2. Zancan diz que, há décadas, vem monitorando os poluentes dessa cadeia produtiva e já alertava as empresas sobre a necessidade de uma transição.
“Aqui não tem ninguém negacionista. Pelo contrário, defendemos o desenvolvimento de pesquisa e tecnologia para reduzir as emissões de CO2, tornando limpas todas as fontes fósseis. Se o carvão ou qualquer outra fonte fóssil não conseguir zerar as emissões no prazo previsto, sabemos muito bem que não haverá condições de seguir adiante.”
O setor defende que a manutenção das térmicas também é importante para que as diversas fontes da matriz energética brasileira sejam aproveitadas, sem exclusão de nenhuma, porque isso é o que garantiria segurança energética ao país, dada a constância das termelétricas.
A Frente Nacional dos Consumidores de Energia, por sua vez, discorda. A entidade lembra que, mesmo com toda a dificuldade do Reino Unido de acesso ao gás natural, e mesmo sem espaço para colocação de energia eólica e solar no local, o país conseguiu abrir mão das térmicas a carvão.
“O carvão mineral é o maior agressor do clima”, diz Luiz Eduardo Barata, presidente da entidade. “Se você olhar o que está acontecendo no Hemisfério Norte, é apavorante. Este ano, nós acompanhamos dois mega furacões nos Estados Unidos, incêndios queimando Portugal, incêndios queimando a Califórnia. E no Brasil nós nunca tivemos nada parecido com o que aconteceu no Rio Grande do Sul. Se nada for feito, o cerrado deixará de ser cerrado, o Pantanal deixará de ser Pantanal”, afirma.
Questionado sobre os planos da indústria de carvão no Sul do país de desenvolver pesquisas para zerar a emissão de carbono com a atividade, Barata diz que esse tipo de tecnologia é muito custosa. Ele observa que, se a mesma verba fosse empregada para desenvolver outros campos de trabalho, sobraria dinheiro para reduzir a tarifa da conta de luz. “Existem outras alternativas a essas pesquisas”, diz.
A entidade defende a operação flexível somente de térmicas a gás para assegurar segurança energética, mas não na base do sistema (de forma contínua), já que isso encarece a conta de luz, segundo a associação.
Representantes dos consumidores de energia dizem que os subsídios do governo à indústria de carvão, previstos na lei 14.299 para se estender por mais 15 anos a partir de 2025, resolvem a situação local, mas encarecem a conta de luz de todo o restante do Brasil.
Um levantamento da Abrace Energia (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres) com base em dados do orçamento da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) de 2024 mostra que, nos últimos dez anos, em valores históricos, foram concedidos R$ 11,5 bilhões em subsídios para o carvão mineral nacional. Corrigindo pela inflação até setembro deste ano, esse valor chega a R$ 15,5 bilhões.
O advogado Tiago Lobão Cosenza, sócio do escritório LCFC Advogados, especializado no setor de energia, rebate os números citando os dados de outro estudo. Segundo ele, um levantamento feito pela consultoria Thymos Energia mostra que o mecanismo financeiro que mantém a cadeia produtiva do carvão mineral operando desde 1973 economizou ao sistema elétrico, de 2006 até 2023, R$ 10 bilhões.
“Ou seja, se não tivéssemos o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, teríamos um custo adicional ao consumidor brasileiro anualmente de R$ 1,6 bilhão. Nos anos de escassez hídrica, teríamos um acréscimo de 1,3% na conta de luz”, diz.