PORTFÓLIO
Transformações e Desafios no Setor Elétrico Brasileiro
O ano de 2024 foi marcado por um balanço entre avanços recentes e desafios persistentes no setor de energia elétrica do Brasil
Tiago Lobão Cosenza e Marcos Felipe Ferreira da Silva
O ano de 2024, esperado como o ano mais quente já registrado para última década, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial (OMM), foi um período marcado não somente pelos impactos das mudanças climáticas, cujos efeitos ambientais, sociais e econômicos foram percebidos globalmente, como também por mudanças e avanços significativos para o setor elétrico brasileiro, com a manutenção da expansão das energias renováveis e a retomada de temas voltados ao desenvolvimento sustentável, transição energética e descarbonização da matriz elétrica nacional.
O ciclo foi iniciado com a fonte solar fotovoltaica atingindo 26 GW de potência instalada no país, e com uma onda de otimismo: a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) anunciando que as atividades da agenda regulatória priorizariam maior dinamismo e transparência ao mercado, trazendo altas expectativas em relação a alterações regulatórias relevantes, investimentos e mudanças legislativas.
Seguindo as expectativas, o mês de janeiro, que iniciou com cenário do ponto de vista energético seguro, diante do acionamento da bandeira tarifária no verde, nos trouxe a abertura da Consulta Pública MME (CP) n° 159/2024 visando a regulamentação dos procedimentos para o enquadramento de projetos de minigeração distribuída de energia elétrica no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi).
Após um mês de fevereiro sem grandes novidades, o mês de março além da realização do Leilão de Transmissão n° 1/2024, com investimentos estimados na ordem de R$ 18,2 bilhões, foi aprovada pela ANEEL a Chamada de Projeto de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – PDI Estratégico nº 23/2024, com foco na produção de hidrogênio a partir de eletricidade de baixa emissão de carbono, o que contempla as fontes geração de energia elétrica renováveis, a fonte nuclear e usinas termoelétricas, desde que possuam mecanismos de captura de carbono.
Após o aprimoramento dos procedimentos para participação de empreendimento hidrelétrico não despachado centralizadamente no Mecanismo de Realocação de Energia – MRE, resultarem na edição da REN nº 1.085/2024, abril trouxe fato marcante para o todo setor, principalmente para o mini e microgeradores. A publicação da Medida Provisória – MP nº 1.212/2024 cujos objetivos foram (i) a redução das tarifas de energia; e (ii) extensão do prazo legal para o início da operação comercial de centrais geradoras para fins de manutenção dos descontos nas Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão ou de Distribuição, previstos na Lei n 14.120/2021.
Em maio, diante do Estado de Calamidade Pública no Estado do Rio Grande do Sul, causado pelos eventos climáticos de chuvas intensas, a ANEEL, por meio da REN n° 1.094/2024, não só flexibilizou as regras de prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica, com o objetivo das distribuidoras concentrarem seus esforços no restabelecimento das infraestruturas e das condições de atendimento aos consumidores de energia elétrica afetados pelo evento climático extremo, como também, por meio do Despacho nº 1.530/2024, delegou competência à CCEE para decidir sobre os seguintes itens: suspensão de processos de desligamento; avaliação da pertinência de abertura de novos processos de desligamentos; recontabilização de contratos não efetivados, em razão do não aporte de garantias; e suspensão do envio dos Termos de Notificação ou flexibilização dos prazos dos processos relacionadas à penalidade de insuficiência de lastro.
Em junho, foi editada a MP 1.232/2024 com o objetivo de promover o retorno à sustentabilidade da concessão de distribuição de energia elétrica do Estado do Amazonas e do Decreto n° 12.068/24, estabelecendo as regras para a prorrogação das concessões de distribuição de energia elétrica e as diretrizes visando à modernização dessas concessões que poderão ser prorrogadas ou licitadas por 30 anos, desde que não tenham sido objeto de prorrogação anteriormente.
No último semestre de 2024, a Lei 14.948/24, instituiu o Marco Legal do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono que trouxe importantes diretrizes para o desenvolvimento desse mercado, instituindo a Política Nacional de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, entre outros programas para o desenvolvimento do exercício da atividade de exploração e de produção de hidrogênio natural no território nacional.
Adicionalmente, a flexibilização de parâmetros de eficiência para a distribuidora Amazonas Energia, determinada pela MP nº 1.232/24 foi regulamentada pela ANEEL por meio do Despacho nº 2.494/24, visando reduzir o agravamento da condição econômico-financeira da distribuidora e contribuir, com isso, para a continuidade do fornecimento de energia à população de 62 municípios amazonense.
Ultrapassado o acionamento da bandeira vermelha em agosto, que em conjunto com setembro, foram meses que não reservaram grandes novidades, o mês de outubro não só trouxe as chuvas, como o apagão que deixou São Paulo no escuro, com aproximadamente 760 mil casas sem luz na capital paulista.
Um dos pontos que mais se destacou neste ano, tem a ver com a governança do setor, além das discussões públicas e acaloradas dos diretores da ANEEL, que chamaram bastante atenção, a Agência está com o seu quadro de diretores incompleto, desde a saída do diretor Hélvio Guerra. Como até a presente data não houve a formalização da indicação do nome do seu sucessor, a Agência vê-se com uma composição par, o que tem causado imobilismo em questões controvertidas do setor e em que haja dissenso entre os diretores remanescentes, o que tem carretado prejuízos à segurança jurídica, aos direitos dos agentes do setor, haja vista que esta falta de governança e coordenação política estão, por vezes, travando o avanço das reformas urgentes e necessárias ao setor.
O ano de 2024 foi marcado por um balanço entre avanços recentes e desafios persistentes no setor de energia elétrica do Brasil. A expansão contínua das energias renováveis e a implementação de políticas externas para a descarbonização e a transição energética destacaram-se como marcos positivos, enquanto eventos climáticos extremos e a falta de coesão no comando da ANEEL evidenciaram a necessidade de maior organização e liderança no setor.
A transição para um modelo energético sustentável depende não apenas de avanços tecnológicos e regulamentares, mas também de uma governança mais eficiente e de cooperação entre os agentes do mercado. À medida que o setor se prepara para 2025, é crucial alinhar políticas, investimentos e iniciativas com um planejamento estratégico que promova tanto a segurança energética quanto o desenvolvimento sustentável, reforçando o papel do Brasil como liderança global na geração de energia limpa.
Tiago Lobão Cosenza e Marcos Felipe Ferreira da Silva são, respectivamente, Sócio Fundador e Advogado do Escritório LCFC+ Advogados.