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Taxa das blusinhas dá R$ 2,1 bi ao governo, mas tira R$ 1,2 bi dos Correios

30 de outubro, 2025

Wanderley Preite Sobrinho
Do UOL, em São Paulo

(Imagem: Joédson Alves/ Agência Brasil)

O governo federal arrecadou R$ 2,1 bilhões no primeiro ano de vigência da taxa das blusinhas, segundo dados da Receita Federal obtidos pelo UOL via Lei de Acesso à Informação. A cobrança de 20% sobre a importação de produtos até US$ 50 engordou o caixa da União, mas derrubou as importações de produtos de baixo valor, tirando R$ 1,2 bilhão dos Correios, que desde 2022 acumula déficit fiscal.

O que aconteceu

A taxa das blusinhas (Programa de Remessa Conforme) entrou em vigor em agosto de 2024. Na época, o governo justificou a tributação como forma de atender o varejo nacional, que reclamava de concorrência desleal dos produtos importados em sites como Shein, Shopee e AliExpress.

O dinheiro extra também serviu para engordar o caixa do governo em R$ 2,1 bilhões. A União vem aumentando impostos desde 2023 e, desde o ano passado, congela bilhões do Orçamento para atingir as metas do arcabouço fiscal, que este ano exige superávit de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto).

Já no primeiro mês de vigência, a taxa das blusinhas recolheu R$ 158,5 milhões aos cofres da União. Novembro foi o mês de maior arrecadação, R$ 224,6 milhões. Em média, o governo recolheu R$ 179,3 milhões por mês.

Após o novo tributo, porém, a arrecadação dos Correios com serviço de postagem internacional despencou 61%. A estatal arrecadou R$ 1,2 bilhão a menos no primeiro semestre do ano na comparação com os seis primeiros meses de 2024, segundo o último balanço contábil. Se a comparação for entre o segundo trimestre de 2025 com o mesmo período de 2024, a queda foi de 63%.

Com a tributação, a participação do serviço de postagem internacional na receita dos Correios despencou de 22% para 9,6%. O serviço inclui o transporte e a entrega das encomendas, a taxa de despacho postal e a logística aduaneira.

No mesmo balanço financeiro, os Correios atribuíram o rombo à taxa das blusinhas. “Destaca-se a retração significativa do segmento internacional, em razão de alterações regulatórias relevantes nas compras de produtos importados, que provocaram a queda do volume de postagens”, escreve a estatal.

Três anos de déficit

O rombo nas contas dos Correios começou em 2022. Entre julho e setembro daquele ano, o déficit chegou a R$ 121,6 milhões. Desde então, são 12 trimestres seguidos de resultado negativo cada vez maior.

O déficit saltou 222% no primeiro semestre de 2025 na comparação com o mesmo período do ano passado. Se a comparação for com o segundo trimestre, entre abril e junho, o aumento foi de 377%, de R$ 553 milhões para R$ 2,6 bilhões.

Já os custos para manter o funcionamento dos Correios disparou 179%. As “despesas gerais e administrativas” aumentaram R$ 1,5 bilhão entre o primeiro semestre de 2024 e os seis primeiros meses de 2025.

Em compensação, a receita total dos Correios caiu 11,5%.

Correios pedem socorro

Com o aprofundamento da crise, os Correios anunciaram este mês a negociação de um empréstimo de R$ 20 bilhões. O dinheiro, captado com bancos estatais e privados, serviria para reestruturar a empresa financeiramente, uma vez que o governo federal não tem dinheiro em caixa para socorrer a estatal.

Sem o acordo, o risco é de calote. Pode faltar dinheiro até para pagar salários e despesas básicas da companhia até o fim do ano. Se isso ocorrer, os Correios precisariam pedir formalmente recursos da União para cobrir suas obrigações. O problema é que o governo teria de cortar políticas públicas para acomodar o socorro à estatal para, assim, não desrespeitar as regras fiscais.

Enquanto o socorro não vem, os Correios têm recorrido a medidas para organizar as contas. Lançou um programa de demissão voluntária, colocou 66 imóveis à venda e estuda a criação de um fundo imobiliário com parte de seu patrimônio para conseguir receita extra.

Problemas de gestão

Correios não resistem a ‘fogo amigo’, alerta economista. O advogado tributarista Adolpho Bergamini, ex-membro do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) do Ministério da Fazenda, diz que nem mesmo “avaliações básicas” sobre os impactos dos tributos sobre as empresas são realizadas pelo governo. Para ele, os Correios precisam se proteger de interferências externas para manter a saúde financeira. “Para que os Correios sigam minimamente saudáveis, não pode sofrer fogo amigo”, diz.

O novo tributo escancara o problema de gestão da estatal. “A taxa das blusinhas piorou as condições dos Correios, mas não é só esse o problema”, diz Claudio Felisoni, professor de economia da FIA Business School e da USP. “A saúde financeira dos Correios não pode depender disso.”

Especialista afirma que o problema dos Correios é estrutural. “Interferência política, indicações de cargos e uso eleitoral da estatal”, diz Armando Castelar, pesquisador da FGV-Ibre e professor de economia da UFRJ. Ele lembra que a empresa foi concebida há um século passado, quando se “enviavam telegramas”, e que a tecnologia mudou completamente o cenário.

Para os especialistas, a solução é privatizar. A medida daria maior liberdade de gestão, segundo Castelar. Ele ressalta, porém, que seria necessário haver regulação para garantir o atendimento a cidades remotas, como ocorre em setores de saneamento e energia elétrica.

O problema de vender a estatal será justamente o tamanho da dívida. “Se a iniciativa privada puder utilizar sua infraestrutura sem responder pelas dívidas, os Correios podem se revitalizar”, diz Bergamini.

Procurado, o governo disse que a taxa das blusinhas foi consensual. “Decisão de todos os partidos políticos que votaram pela instituição do imposto de importação no Congresso Nacional”, afirmou a Secretaria de Comunicação Social da Presidência. “O Executivo federal apenas cumpriu o que foi determinado. Trata-se do único imposto de importação criado por lei”, diz em nota. A pasta não se manifestou sobre a crítica dos especialistas e os Correios não responderam até o fechamento desta reportagem.

https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2025/10/30/correios-taxa-das-blusinhas-r-21-bi-governo-lula.htm

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