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Superpensões acima do teto constitucional: 10 mil aposentados e pensionistas do setor público custam R$ 4 bi por ano ao país

9 de dezembro, 2025

Superpensões acima do teto constitucional: 10 mil aposentados e pensionistas do setor público custam R$ 4 bi por ano ao país

Contingente recebe mais de R$ 46,3 mil ao mês, valor do salário de um ministro do STF, considerado limite para servidores

Por Bruna Lessa
— Brasília

Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil

Um seleto grupo de 10,7 mil funcionários públicos inativos e pensionistas de servidores ganha benefícios em valores acima do limite constitucional, segundo estudo das ONGs República.org e Movimento Pessoas à Frente.

O custo total para os cofres públicos com esses benefícios é de R$ 3,98 bilhões ao ano.

Aposentados e pensionistas desse grupo já têm regras de aposentadoria mais vantajosas do que a maioria dos trabalhadores, que está no sistema do INSS. Isso porque boa parte deles se aposenta pelo Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), cujo teto de benefício deveria ser de R$ 46,3 mil ao mês, o equivalente à remuneração de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

É uma condição melhor do que a dos beneficiários do INSS, cujo teto de remuneração é de R$ 8.157,41 ao mês.

Mesmo assim, por causa das mesmas brechas legais que permitem os supersalários do funcionalismo — como gratificações que se somam ao salário básico —, alguns funcionários inativos e pensionistas de servidores conseguem receber além do limite constitucional. Alguns benefícios chegam, na média, a dez vezes mais do que o teto dos aposentados do INSS.

Os R$ 3,98 bilhões ao ano seriam suficientes para cobrir o custo anual de 34,8 mil aposentadorias no teto do INSS.

Gasto total de R$ 20 bi

Procurado, o Ministério da Gestão e Inovação dos Serviços Públicos (MGI) não comentou os dados. Em ocasiões anteriores, a pasta argumentou ser baixo o total de servidores públicos do Executivo federal recebendo acima do teto — cerca de 1% de um total de 1,2 milhão de funcionários, entre ativos e inativos.

O estudo das ONGs revelou, no fim do mês passado, que o Brasil é destaque global em salários elevados para funcionários públicos, com um gasto anual de R$ 20 bilhões. Para chegar à cifra, foram analisados subsídios recebidos por 4 milhões de servidores públicos, ativos e inativos, de um total estimado de 11 milhões no país, considerando todas as esferas de governo e poderes.

O estudo identificou 53,5 mil funcionários públicos recebendo acima do máximo legal. Nesse grupo, 10,7 mil estavam identificados como inativos, aposentados ou pensionistas.

Segundo o estudo, nos gastos totais com salários e benefícios de servidores acima do teto do STF, incluindo os ativos, o Poder Judiciário “se destaca com a maior contribuição”. Dos 53,5 mil servidores que recebem acima do teto constitucional, 21,1 mil são magistrados.

Em nota, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirma que o Poder Judiciário tem independência sobre seu orçamento: “a Corregedoria Nacional de Justiça é responsável por acompanhar, apurar e determinar a suspensão de casos irregulares de pagamento a magistrados e servidores do Judiciário”.

O estudo mostra que os pagamentos acima do limite acontecem por brechas na lei e por mecanismos como as Verbas de Exercícios Anteriores (VEAs), pagamentos retroativos que corrigem salários de anos anteriores. Outra brecha é a regra de paridade e integralidade, garantidas a servidores que ingressaram no serviço público antes das reformas da Previdência de 2003 e 2019.

Pela norma da paridade e integralidade, ao se aposentar, o servidor segue recebendo o mesmo salário que recebia na ativa, incluindo os “penduricalhos”, como o Adicional por Tempo de Serviço (ATS). E os reajustes concedidos aos da ativa são replicados para os inativos.

No caso dos pensionistas, um tipo de benefício que foi identificado pelo estudo com valores acima do teto constitucional são as pensões por morte, pagas a dependentes do servidor público falecido. De forma geral, os beneficiários são cônjuges, companheiros(as), filhos(as) menores de 21 anos ou inválidos.

Três pensões de uma vez

Em regimes específicos de aposentadoria, como o dos militares — em que se concentra a maior parte dos pagamentos acima do teto —, a legislação permite que o benefício seja estendido a filhas e filhos solteiros e maiores de idade, sob certas condições.

Um caso que ilustra pagamentos acima do teto para inativos é o de uma pensionista do Rio que, segundo dados do Portal da Transparência, recebeu mensalmente, de abril a setembro, R$ 71.512,39, após deduções (R$ 82.349,63 de remuneração bruta).

Em junho, o valor chegou a R$ 112.696,20, com uma gratificação natalina. As cifras vêm do acúmulo de três pensões: uma do pai e duas de ex-maridos, todos militares. Procurados, Exército e Ministério da Defesa não comentaram.

Segundo especialistas, por causa dos diversos tipos de “penduricalhos”, é difícil calcular o tamanho do problema dos supersalários e superaposentadorias no país.

— Isso realmente dificulta compreender o tamanho do problema — diz Sergio Guedes-Reis, pesquisador da Universidade da Califórnia em San Diego, autor do estudo da República.org e do Movimento Pessoas à Frente. — Seria importante entendermos melhor o que está acontecendo porque, de fato, o CNJ é um modelo de transparência, consolida as informações, diferentemente do CNMP, mas se há dados faltantes ou dados que não estão batendo. Isso realmente dificulta compreender o tamanho do problema.

Conforme Guedes-Reis, após o aumento expressivo da arrecadação de ICMS em 2020 e 2021, muitos estados ampliaram gastos com adicionais, o que elevou a despesa total com pessoal nos governos locais nos últimos anos. Essa dinâmica pode pressionar o equilíbrio fiscal e tende a se agravar porque benefícios acumulados seguem sendo pagos no valor máximo a aposentados, limitando espaço para concursos e novas contratações, diz o pesquisador.

Disfarce contra limite

A especialista em Direito Previdenciário Camila Pellegrino explica que a Constituição exclui do teto as verbas “indenizatórias”, mas muitos pagamentos assim classificados não têm natureza de indenização real. Seriam, portanto, subterfúgios para disfarçar o desrespeito ao teto.

— A prática revela que muitos desses retroativos são pagos sob rubricas que gozam de imunidade ao teto (verbas indenizatórias), mas que, na essência, representam vantagens disfarçadas de indenização, para escapar da limitação. Pagamentos de retroativos têm sido volumosos e, muitas vezes, opacos, contribuindo significativamente para os supersalários — diz Camila.

Outro ponto crítico é a preservação de benefícios antigos, considerados “direitos adquiridos”, que continuam sendo pagos por determinação judicial, embora já tenham sido extintos da estrutura remuneratória original.

As pensões para filhas solteiras de militares são um exemplo. O benefício foi extinto em 2001, mas quem entrou até 2000 tem garantido o pagamento às suas filhas quando morrer. Ou seja, um militar que tenha entrado nas Forças Armadas em 2000 com 20 anos hoje tem 45 anos e, se falecer daqui a 40 anos, ainda poderá deixar a pensão.

Falta transparência

Para Bruno Medeiros Durão, advogado tributarista e especialista em finanças, ao classificar como verba indenizatória valores que, na prática, são complementos da remuneração, há um comprometimento da transparência fiscal.

— O risco maior é institucional. Se o teto remuneratório perde eficácia, o país abre espaço para uma escalada de benefícios individualizados que o orçamento não comporta.

https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2025/12/09/superpensoes-acima-do-teto-constitucional-10-mil-aposentados-e-pensionistas-do-setor-publico-custam-r-4-bi-por-ano-ao-pais.ghtml

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