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STJ: crédito de CPR não se submete a efeitos da recuperação judicial
O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp nº 2.178.558/MT, decidiu no sentido de que o crédito decorrente de Cédula de Produto Rural (CPR) representativa de operação Barter não se submete aos efeitos da recuperação judicial, ainda que a execução originalmente proposta para entrega de coisa incerta tenha sido convertida em execução por quantia certa.
O acórdão esclarece que a operação Barter envolve o fornecimento de insumos ao produtor rural, cujo pagamento se dá com parte da colheita futura, relação normalmente formalizada por meio da CPR. A CPR, por sua vez, é título que representa a promessa de entrega futura do produto agrícola e admite liquidação física (com pagamento em grãos efetivamente entregues e negociáveis em bolsas) ou liquidação financeira (quando o valor do produto é convertido em dinheiro conforme índice previsto no título).
O Tribunal assinala que, tanto nas CPRs físicas quanto nas de Barter, o adimplemento deriva diretamente da própria produção rural, consolidando-se como pilares do financiamento privado do agronegócio, razão pela qual o legislador promoveu alterações no regime da recuperação judicial para conferir proteção específica a essas operações e preservar a segurança das operações lastreadas em produto agrícola.
Crédito concursal sujeito ao processo de recuperação
A questão central em análise foi se a conversão da execução por quantia certa, motivada pela impossibilidade de entrega dos grãos, caracterizaria renúncia ao penhor agrícola, tornando o crédito concursal sujeito ao processo de recuperação ou falência. O STJ afastou essa interpretação.
Segundo o Tribunal, nas operações Barter, o inadimplemento costuma decorrer da inexistência física do produto, sendo a conversão do rito mera consequência do perecimento do objeto contratado, e não manifestação de renúncia à garantia. Entender o contrário permitiria ao devedor, por ato próprio, definir se o crédito seria ou não submetido à recuperação, bastando destinar os grãos a outro fim, impossibilitando o adimplemento.
Spacca
O colegiado destacou que a Lei nº 14.112/2020, ao alterar o artigo 11 da Lei nº 8.929/1994, excluiu expressamente dos efeitos da recuperação judicial os créditos e garantias vinculados às CPRs com liquidação física e àquelas representativas de operação Barter.
O Tribunal entendeu que essa opção legislativa visa a resguardar a estabilidade das operações que financiam o plantio e que se conectam diretamente às entregas futuras para tradings, agroindústrias e mercados internacionais.
Crédito segue regime jurídico da data do pedido da recuperação
Outro ponto relevante foi o reconhecimento de que a aplicação da Lei nº 14.112/2020 é imediata, conforme o artigo 5º do diploma, alcançando processos de recuperação ajuizados após sua vigência, ainda que a CPR tenha sido emitida anteriormente. Assim, a classificação do crédito deve observar o regime jurídico vigente na data do pedido de recuperação, pois é nesse momento, e não na emissão do título, que o crédito precisa ser enquadrado quanto à sua natureza concursal ou extraconcursal.
Com base nesses fundamentos, o STJ deu provimento ao recurso especial, reconhecendo que o crédito objeto da CPR permanece extraconcursal e determinando sua exclusão do plano de recuperação judicial.
A decisão tende a produzir efeitos concretos no ambiente do agronegócio e no mercado de crédito rural, especialmente no que diz respeito à classificação e à execução de CPRs representativas de operações Barter.
Julgado preserva lógica da CPR como financiamento privado
O julgado reforça a segurança jurídica dessas operações ao preservar a lógica da CPR como instrumento de financiamento privado da produção, afastando a possibilidade de que o inadimplemento ou a destinação indevida dos grãos pelo devedor possa, por ato unilateral, modificar a natureza extraconcursal do crédito.
Também contribui para reduzir a litigiosidade sobre concursalidade, ao afastar interpretações que pretendiam atribuir à conversão do rito executivo o efeito de renúncia da garantia, o que, historicamente, gera incertezas a tradings, fornecedores de insumos e agentes financeiros.
Além disso, o precedente delimita o alcance do inadimplemento por culpa do devedor, orientação que tende a repercutir em disputas futuras, inclusive em operações com CPRs híbridas ou de liquidação financeira.
Em síntese, o julgamento reafirma o papel das CPRs como instrumento essencial de financiamento e organização das cadeias produtivas previsto na Lei nº 14.112/2020, representando para o setor uma sinalização de estabilidade e de alinhamento do STJ às diretrizes de estímulo ao crédito rural privado.
Aracely de Carvalho Lopes
é advogada associada da equipe Cível da área Empresarial no escritório Peluso, Guaritá, Borges e Rezende Advogados (PGBR).





