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Sessão teve ‘voto duro’ e freio a anistia, avaliam especialistas
Sessão teve ‘voto duro’ e freio a anistia, avaliam especialistas
Moraes priorizou detalhes de atos executórios e uso de violência, enquanto Dino apontou que eventual perdão é inconstitucional
Por Joelmir Tavares — De São Paulo
A sessão de terça-feira (9) do julgamento da trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF) foi marcada por um “voto duro” do ministro relator, Alexandre de Moraes, e pelo recado do ministro Flávio Dino de que os crimes em análise não são passíveis de anistia, observaram especialistas em direito ouvidos pelo Valor. Eles também apontam para a possibilidade de divergências a partir do voto de Luiz Fux, previsto para esta quarta (10).
“O voto do ministro Alexandre, como previsto, foi bastante técnico e duro”, diz o advogado Ricardo Yamin, doutor em direito pela PUC-SP e sócio do YFN Advogados. “O ministro relaciona diretamente as provas com as acusações e alegações, para afastar argumentos de que a denúncia é baseada apenas em indícios e retórica. A meu ver, ele demonstrou bastante segurança, e não economizou palavras ao se referir ao ocorrido como uma tentativa de golpe”, acrescenta.
Para o advogado Bruno Salles Ribeiro, Moraes priorizou a apresentação de “provas que demonstram, segundo sua convicção, efetivos atos executórios dos crimes contra o Estado democrático de Direito”. “Isso contrapõe a alegação de algumas defesas de que haveria apenas cogitação ou atos preparatórios, que não seriam puníveis”, afirma ele, que é mestre em direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e sócio do Salles Ribeiro Advogados.
Segundo Rubens Glezer, professor de direito constitucional da FGV Direito-SP, Moraes lembrou o uso de violência para reiterar a característica dos dois tipos penais em discussão. “Moraes lista os atos de violência e frisa a ameaça de bomba no aeroporto de Brasília. Esse argumento é relevante porque os crimes de golpe de Estado e abolição violenta exigem que as tentativas dos atos se deem por meio de ‘violência ou grave ameaça’”, diz Glezer.
Os especialistas também destacaram que Moraes foi enfático ao contestar as defesas e rejeitar as preliminares, no que foi seguido por Dino. O relator “ressaltou que não houve contestação, pelas defesas dos réus, sobre a existência dos crimes contra o Estado de Direito”, afirma Ribeiro. “Só foram negadas as autorias de cada um.”
Glezer diz que o ministro “chegou a ironizar certos argumentos utilizados pelas defesas”, como aqueles em que os réus “reconhecem terem produzido documentos planejando golpe, mas negam que tenham sido compartilhados com essa intenção”.
No voto de Dino, a ênfase ficou por conta da inconstitucionalidade de uma possível anistia. “Ele antecipa a discussão sobre o avanço do projeto de lei que visa a anistia do 8 de janeiro para, de forma acertada, se posicionar pela inconstitucionalidade de eventual concessão de anistia a pessoas que atentaram contra o Estado democrático de Direito”, diz Beatriz Alaia Colin, advogada e especialista em direito criminal do Wilton Gomes Advogados. “O ministro relembra que, em outras oportunidades, o Supremo julgou pela inconstitucionalidade da concessão de anistia ou indulto indiscriminadamente.”
A indicação de Dino de que “os tipos penais em julgamento seriam impassíveis de anistia, pois implicariam uma autoanistia, ou seja, a anistia daqueles próprios ocupantes dos cargos de poder constituídos” foi sublinhada por Ribeiro. Outro ponto ressaltado pelo advogado é que Dino buscou afastar “as alegações de perseguição política ao afirmar que se trata de apenas mais um processo, em que provas serão analisadas de forma isonômica”.
Os especialistas também avaliaram a sinalização de Fux de que poderá apresentar visão diferente sobre certos pontos. “Havia um indício forte de que Fux pediria vista. Ele, no entanto, adiantou que irá votar, mas pode divergir em relação às preliminares (especialmente em relação à competência do plenário para o julgamento)”, afirma Yamin.
Ao declarar que não concederá apartes (comentários) dos colegas, Fux demonstrou “receio em ser contraditado durante seu voto”, na avaliação de Ribeiro. Ele também ressalta que Moraes e Dino apresentaram “muitos precedentes do próprio Fux”, como a menção ao fato de que ele era presidente da corte quando ela esteve na iminência de uma invasão, em 2021, e a mudança regimental, aprovada pelos ministros, para deixar ações penais nas turmas. “Isso cria mais dificuldades para uma divergência porque faz com que o ministro divergente tenha que justificar os posicionamentos citados”, diz o advogado.
Durante o julgamento, transmitido ao vivo, Moraes exibiu slides no telão, o que especialistas interpretaram como uma busca por didatismo. Segundo a advogada Pamela Torres Villar, sócia do Salomi Advocacia Criminal, utilizar uma apresentação de PowerPoint não é algo comum nos procedimentos que tramitam na corte, mas o ministro procurou “tornar compreensível e até mesmo visual para o público a completude da trama golpista”.