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Se for condenado à prisão, Bolsonaro tem direito a cela especial?
Foto: Isac Nóbrega/PR
Por Lucas Almeida
O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre a suposta tentativa de golpe de Estado deve terminar na próxima semana. Em caso de eventual condenação à prisão, especialistas explicam quais seriam os direitos dele.
O que aconteceu
Sendo ex-militar, Bolsonaro tem algumas prerrogativas se for condenado. “Como capitão da reserva, ele tem direito a prisão no Exército enquanto for mantida a patente dele”, explica o jurista Guilherme Madeira, professor de direito na USP e no Mackenzie. Em caso de condenação, uma possível perda de patente deve ser analisada pelo STM (Superior Tribunal Militar).
No entanto, a cela “especial” no Exército não tem especificações. O artigo 73 do Estatuto dos Militares (lei 6.880/1980) estabelece apenas que o militar tem direito a “cumprimento de pena de prisão ou detenção somente em organização militar da respectiva Força cujo comandante, chefe ou diretor tenha precedência hierárquica sobre o preso”.
O benefício é concedido automaticamente. Em razão da sua patente, Bolsonaro seria levado diretamente a uma instalação militar para cumprir a pena se a prisão for decretada após trânsito em julgado. Sendo assim, são praticamente nulas as chances do ex-presidente ficar preso em um presídio comum, como o Complexo Penitenciário da Papuda, por exemplo.
E como ex-presidente?
Como ex-presidente, Bolsonaro teria os mesmos direitos básicos de qualquer preso. Isso inclui alimentação adequada, assistência à saúde, visitas regulares e respeito à dignidade da pessoa humana, como explica Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da ESPM. Segundo ele, a Lei de Execução Penal garante acesso a assistência médica, jurídica, educacional e religiosa, independentemente do cargo ocupado.
Não há privilégio automático pelo antigo cargo político. “[Bolsonaro] não teria nenhuma garantia por ser ex-presidente — deveria cumprir a pena em um presídio, a depender do regime prisional e da quantidade de pena fixada”, esclarece o advogado Wallyson Soares.
Ex-presidentes podem ter prisão especial, mas apenas até o trânsito em julgado. Ex-líderes do Executivo poderiam ser encaixados no artigo 295 do Código de Processo Penal, que estabelece as categorias de pessoas que podem ser recolhidas a quartéis ou a prisão especial. Porém, esse tipo de acomodação só é válido para prisões que ocorram antes de uma condenação definitiva — após isso, esse direito desaparece e o cumprimento deve ocorrer em unidade prisional comum.
No entanto, há precedentes de acomodações diferenciadas para ex-presidentes. Esse tipo de prisão normalmente é adotado por questões de segurança, como no caso de Lula e Collor, que ficaram detidos em celas especiais na Polícia Federal. O jurista Marcelo Válio explica que, no caso de Lula, a cela tinha banheiro próprio, cama e TV, mas o isolamento tinha como objetivo reduzir riscos à segurança e à ordem pública.
O órgão julgador, compreendendo a peculiaridade de cada caso — vendo o impacto que isso pode causar no sistema penitenciário, a integridade da ex-autoridade que está sendo presa, e também a integridade dos próprios profissionais que devem patrocinar a segurança do ex-presidente — pode compreender que o sistema prisional comum não seria adequado para acautelar a integridade do ex-presidente e podem sim colocar um local diferenciado para que ele venha a cumprir a pena.Wallyson Soares
A lei não especifica condições dessa cela especial. De acordo com a advogada Beatriz Alaia Colin, do escritório Wilton Gomes Advogados, esse tipo de acomodação não é previsto na legislação; sendo assim, não há um regramento para a cela, exceto que seja separado de presos comuns. Segundo ela, um ex-presidente pode ser recolhido em cela individual simples, mas com banheiro próprio.
Cela ‘especial’ ameaça igualdade de tratamento entre presos?
A igualdade é princípio, mas não significa tratamento idêntico. “A Constituição garante o princípio da igualdade, mas igualdade não significa tratamento idêntico”, observa Válio. Para ele, ex-presidentes podem ter determinados tratamentos diferenciados, mas “se baseiam em questões de segurança, dignidade ou saúde, não em privilégios permanentes”.
Para especialistas, riscos devem ser avaliados. “É razoável que ex-presidentes fiquem presos em um local distinto dos outros presos, já que isso poderia colocar todos em risco”, avalia Madeira. “Todos são iguais, mas é preciso tratar as pessoas de maneira desigual, à medida da sua desigualdade”, conclui.
O que pode haver são medidas específicas para evitar riscos, mas que não constituem ‘privilégio’, e sim proteção da ordem carcerária. Em tese, Bolsonaro deve ser tratado como qualquer outro condenado: cumpre pena conforme a Lei de Execução Penal, podendo pleitear progressão, benefícios e assistência, sem distinção automática pelo cargo que ocupou.Marcelo Crespo