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Safra de emoções com reforma tributária

30 de julho, 2024

Insumos e serviços que ainda não foram desonerados podem impactar os custos da produção e afetar preço do produto final

Por Suzana Liskauskas

Entre as últimas semanas de junho e a primeira quinzena de julho, o agronegócio experimentou uma safra de emoções no que se refere à regulamentação da Reforma Tributária de Consumo. Até o início de julho, a expectativa do setor estava voltada para o texto elaborado pelos integrantes do grupo de trabalho da Câmara, representado pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG). Entre os pontos mais polêmicos, havia um consenso: limitações na cesta básica com alíquota zero. Na prática, alimentos como proteína animal, queijo, sal e alguns tipos de óleo de cozinha e de farinhas poderiam ficar fora da alíquota zero, com reflexos no valor dos alimentos para o consumidor final.

Até o começo de julho, a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) estava defendendo uma lista de mais de dez questões que não ficaram bem definidas no texto da Reforma Tributária, dependendo, portanto, do detalhamento no texto da regulamentação. Para além da discussão envolvendo itens da cesta básica, estavam em debate insumos e serviços essenciais ao dia a dia no agronegócio, também excluídos da lista da alíquota reduzida. Outra polêmica envolvia os biocombustíveis.

Também semeavam dúvidas questões sobre arrendamento e alienação de imóvel rural, o destino da taxação do Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro) e o aproveitamento do crédito presumido, sem limitá-lo. Preocupavam ainda prazos e obstáculos à restituição e estorno de operações com alíquota reduzida.

Um dos resultados positivos alcançados das negociações dos ruralistas na Câmara foram os biocombustíveis, que passaram a contar com um diferencial entre a carga tributária referente aos combustíveis fósseis e aos bicombustíveis. Outro ponto vitorioso foi a sujeição passiva do biodiesel na indústria, evitando uma desorganização e informalidade no setor. A maior surpresa foi a aprovação do Projeto de Lei Complementar no 68 de 2024 (PLP 68/2024), que institui e regulamenta o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituiu o ICMS (estadual) e o ISS (municipal) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que fica no lugar do IPI, Cofins e PIS (federais). Na votação foi estabelecida uma espécie de trava para a alíquota resultante da soma do IBS com a CBS. O percentual ficou em 26,5%. Essa medida possibilitou a inclusão de proteínas, queijos e sal entre os itens da cesta básica com alíquota zero.

O debate, no entanto, não está pacificado. O texto ainda passará por tramitação no Senado, onde está sob avaliação a trava de 26,5% do futuro Imposto de Valor Agregado (IVA). Marcelo Guaritá, sócio do escritório Peluso, Stupp e Guaritá Advogados (PSG Advogados), avalia como acertada a decisão de incluir as proteínas animais e produtos como queijo, sal e óleo de milho entre os itens da cesta básica com alíquota zerada.

“A desoneração dos alimentos e da cadeia do agronegócio é diretriz da EC 132, mas seu alcance está reduzido na regulamentação. Todos os alimentos, insumos e serviços que integram a cadeia deveriam ter redução de alíquota. A Câmara corrigiu o texto inicial em alguns pontos essenciais, como o adequado tratamento para o conceito de hortícolas. Incluiu insumos importantes como royalties, mas há ainda insumos e serviços que ficaram de fora”, diz Guaritá. Segundo ele, mesmo com a alíquota reduzida, podem ocorrer aumentos no custo de produção e no preço final.

O aumento no custo da produção é uma grande preocupação da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Segundo Renato Conchon, coordenador do Núcleo Econômico da CNA, a lista de insumos que ficaram de fora ainda é um ponto de atenção, por causa do impacto direto desses itens no custo da produção e dos reflexos no produto final. “Tudoisso está exigindo um trabalho técnico casado com o trabalho político”, afirma Conchon.

A questão também é levantada por Rodrigo Maito, sócio do escritório Dias Carneiro Advogados. Para ele, há uma série de dúvidas. “É uma matemática muito complexa de se fazer no momento. Alguns serviços, que não eram tributados de forma direta, como os financeiros, imóveis e outros itens, vão ter tributação com carga maior, o que afetará o preço final dos produtos na ponta”, avalia. Porém ainda há uma etapa no Senado Federal.

Entre as questões que precisam ser mais bem avaliadas, na visão de Guaritá, estão o arrendamento e a alienação de imóvel rural e o seletivo sobre aviões agrícolas. Para o tributarista, que é ex-conselheiro do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo e membro do Comitê Tributário da Sociedade Rural Brasileira (SRB), a proposta para alienação e arrendamento de propriedades rurais suscita dúvidas. “Ainda precisamos avaliar a redação final, mas é ponto de atenção”, afirma.

No que tange ao crédito presumido do produtor não contribuinte, Guaritá sinaliza que houve significativa melhora em relação ao texto original. Ele avalia ser um ponto importante para garantir a competitividade do pequeno produtor rural. Outro ponto que, segundo ele, merece atenção é a vinculação do crédito e o recolhimento na etapa anterior. Para o tributarista, a fiscalização cabe ao Estado, não é dever do adquirente.

Carolina Verginelli, sócia-líder da prática de tributos indiretos da Deloitte, observa que, antes da aprovação do texto do PLP 68/2024 na Câmara dos Deputados, um ponto de atenção para o agronegócio era a necessidade de cooperativas recolherem IBS e CBS no fornecimento de bens e serviços. Isso poderia ser um desestímulo, diz Verginelli. No entanto, no processo de apreciação do texto na Câmara, foi criado um regime específico.

“Para as cooperativas, a Câmara criou novo regime específico com alíquota zero de IBS e CBS em operações nas quais o associado destina bem ou serviço para a cooperativa de que participa ou vice-versa, inclusive serviços financeiros”, ressalta Verginelli. “Isso valerá ainda para situações em que a cooperativa de agropecuária fornece bem material ao associado não sujeito ao regime regular desses tributos. Um exemplo é a produção integrada”, detalha.

Outro ponto que favoreceu o setor do agronegócio, na visão de Everson Santana, advogado tributarista no Mandaliti, é o artigo 153 do PLP 68/2024, que estabelece a isenção do IBS/CBS ao produtor rural e produtor rural integrado, pessoa física ou jurídica, com receita anual inferior a R$ 3,6 milhões. “Será possível a ampla tomada de créditos nas operações, inclusive na aquisição de bens e serviços dos produtores rurais isentos”, diz Santana.

https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/revista-agronegocio/noticia/2024/07/30/safra-de-emocoes-com-reforma-tributaria.ghtml

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