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Rodovias devem indenizar por acidentes com animais

22 de agosto, 2024

Por unanimidade, ministros negaram o recurso da concessionária que administra as rodovias Ayrton Senna e Governador Carvalho Pinto, no Estado de São Paulo

Por Marcela Villar — De São Paulo

(Foto: Ecopistas/Reprodução)

As concessionárias de rodovias precisarão indenizar usuários pelos danos e acidentes causados por animais domésticos na pista – até os de grande porte, como cavalo e boi. Foi o que decidiu a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recurso repetitivo, na sessão de julgamento de ontem. A decisão deverá ser aplicada em todos os processos semelhantes na Justiça e a responsabilização é “independentemente da existência de culpa”, conforme determina o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Os ministros, por unanimidade, negaram o recurso da concessionária Ecopistas, que administra desde 2009 as rodovias Ayrton Senna e Governador Carvalho Pinto, ambas no Estado de São Paulo. A empresa buscava reverter um acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), que determinou o pagamento de uma indenização.

A tese fixada pelo relator, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, foi a seguinte: “As concessionárias e rodovias respondem independentemente da existência de culpa pelos danos oriundos e acidentes causados pela presença de animais domésticos nas pistas de rolamento aplicando-se as regras do Código de Defesa do Consumidor e da Lei de Concessões” (Tema 1122 ou REsp 1908738).

Na leitura da ementa do voto, Cueva considerou que a concessionária deve responder de forma objetiva pelos danos sofridos pelos usuários “independentemente da observância dos padrões mínimos de segurança previstos no contrato, sendo inaplicável a teoria da culpa administrativa”.

“O princípio da primazia do interesse da vítima decorrente do princípio da solidariedade impõe a reparação dos danos independentemente da identificação do proprietário do animal cujo ingresso na rodovia causou o acidente”, disse Cueva, durante o julgamento, que durou cerca de cinco minutos (sem considerar as sustentações orais).

Além do CDC, o relator levou em conta o artigo 25 da Lei de Concessões. Nele, a concessionária está obrigada a executar o serviço concedido e “responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade”.

O advogado da Ecopistas, Luiz Antônio de Almeida Alvarenga, do Almeida Alvarenga Advogados, disse, no julgamento, que o acórdão do TJSP deixou de considerar alguns aspectos, por isso, precisava ser anulado. Para ele, o tribunal estadual não analisou se estão preenchidos os requisitos para responsabilização, como a omissão, culpa ou dolo da empresa e o nexo causal entre a conduta dela e o dano que se pretende indenizar. “Não houve qualquer falha na prestação dos serviços”, afirmou Alvarenga, na sustentação oral.

Na visão do advogado, “o ingresso de animal doméstico na pista de rolamento é um evento súbito, sob o qual não se pode exigir pleno controle da concessionária”. Ele defendeu a aplicação do Código Civil ao caso. De acordo com Alvarenga, existe a previsão nos artigos 936 e 1.297 de que a responsabilidade pelos danos causados por animais é do dono, que também tem o direito de cercar sua propriedade rural. Procurado pelo Valor, ele não respondeu se deve recorrer da decisão.

Já o advogado Orlando Magalhães Maia Neto, sócio do escritório Ayres Britto, que representou a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) – parte interessada (amicus curiae) na ação – entende que não é possível imputar uma responsabilidade abstrata às empresas. “Se a concessionária atua nos standards regulatórios e se ela opera nas precisas coordenadas contratuais, não há que se falar em ato ilícito ou conduta omissiva marcada pela ilicitude”, defendeu, na sustentação oral.

A Lei de Concessões, acrescentou, não determina “que toda e qualquer responsabilidade deva ser atribuída às concessionárias”. Caso contrário, afirmou, seria atribuir uma “onisciência fiscalizatória e onipresença física”, exigindo que as empresas sejam capazes de sanar “metro a metro, segundo a segundo, toda e qualquer ocorrência que venha ocorrer na extensão da rodovia”.

Neto ainda destacou que a consequência disso seria tornar as concessionárias uma “seguradora universal”, o que poderia aumentar o valor da tarifa para os usuários. Para ele, também deveria prevalecer o artigo 936 do Código Civil, transferindo a responsabilidade do acidente para o dono do animal.

O advogado especialista em Direito do Consumidor Vinicius Zwarg, sócio do escritório do Emerenciano, Baggio & Associados, afirma que a jurisprudência sobre o tema era oscilante. Agora, a priori, a responsabilidade de indenizar é da empresa, até que se prove o contrário.

Apesar de o STJ ter definido que se aplica a responsabilidade objetiva do CDC, ainda existe a possibilidade de a empresa não precisar indenizar o usuário, mas será preciso enquadrar o caso nas exceções legais. “Se houver culpa exclusiva e não concorrente de terceiro, pode se excluir a responsabilidade”, diz Zwarg. “Mas é preciso que o consumidor esteja absolutamente errado nessa situação.”

Ele afirma que a lei não prevê limite para as indenizações, varia muito do dano que foi causado. “Os tribunais se valem de uma certa razoabilidade, levando em conta a capacidade de pagamento para não haver enriquecimento sem causa”, completa.

Felipe da Costa, do Wilton Gomes Advogados, acredita que a decisão pode provocar “discussão acerca do reequilíbrio contratual, pois há alteração dos riscos contratuais e, consequentemente, da previsibilidade financeira do contrato”.

Procurado pelo Valor, o advogado da parte que será indenizada, Adalberto José Santos de Almeida, não foi localizado pela reportagem. A Ecopistas preferiu não comentar o assunto.

https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/08/22/rodovias-devem-indenizar-por-acidentes-com-animais.ghtml

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