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‘Reprovável’, ‘inconstitucional’: juristas analisam a PEC da Blindagem

19 de setembro, 2025

Bruno Luiz
Do UOL, em São Paulo

(Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

A aprovação da PEC da Blindagem pela Câmara dos Deputados, que dificulta a investigação de parlamentares, gerou reações negativas entre políticos e parte da sociedade. Além das críticas de que o texto protege quem comete crimes, especialistas ouvidos pelo UOL avaliam que a proposta é inconstitucional.

O que aconteceu

Especialistas em direito acreditam que proposta pode ser derrubada pelo STF. Isso porque, segundo eles, o texto seria inconstitucional, por violar princípios da Constituição como a separação de Poderes e de transparência e visibilidade, ao retomar o voto secreto para autorizar investigações contra parlamentares.

Ação do deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP) já levou a discussão para o Supremo. O ministro Dias Toffoli, relator do caso no STF, deu ontem prazo de 10 dias para a Câmara explicar a tramitação da PEC da Blindagem. Após esse período, ele deve decidir se barra ou não o andamento do projeto.

A PEC impede que deputados e senadores sejam investigados e julgados criminalmente pelo STF. A Corte só poderá fazê-lo se a Câmara, no caso de deputados, ou o Senado, no caso de senadores, autorizar. Hoje, parlamentares são julgados pelo STF por quaisquer crimes imputados a eles. O texto ainda precisa ser aprovado pelo Senado, onde deve ter tramitação mais lenta.

Proposta dá foro privilegiado a presidentes nacionais de partidos com representação no Congresso. Na regra atual, essa prerrogativa vale apenas para o presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, os presidentes nacionais de partidos com representação no Congresso, seus próprios ministros e o Procurador-Geral da República.

Especialista afirma que votação violou regimento interno da Câmara. Segundo o doutor em direito constitucional pela USP Leonardo Quintiliano, a apresentação de emendas após a primeira votação de um projeto é vedada pelas regras da Casa.

Presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), patrocinou manobra envolvendo emenda para retomar voto secreto. Ele permitiu a apresentação de uma emenda aglutinativa na votação dos destaques da PEC, após a primeira votação ter ocorrido, para ressuscitar a votação secreta em sessões que autorizam abertura de investigação contra parlamentares.

Ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha defendeu a manobra. “Tem base regimental, então certamente foi acertado”, disse Cunha para a colunista do UOL Thaís Bilenky. “Já fiz isso várias vezes”, ressaltou.

Veja abaixo a opinião de especialistas sobre a PEC

Flávia Bahia, professora da FGV Direito Rio

A PEC das Prerrogativas ou, como tem sido apelidada, a PEC da Blindagem, é antirrepublicana. E o princípio republicano é um princípio fundamental que sustenta todo o nosso Estado democrático de Direito. É inconstitucional por violar a cláusula pétrea do artigo 60, parágrafo 4º, inciso 3 da Constituição (que fala sobre a separação dos Poderes). Há uma clara violação ao princípio da separação dos Poderes, que é um princípio que prega a harmonia, a independência entre os Poderes.

Além do que, votação secreta, como prevista de forma originária na proposta, também é, além de antirrepublicana, violadora da transparência, da publicidade que se exige da conduta do representante político.

Essa previsão de licença da Casa Legislativa para que o Supremo pudesse julgar, processar um parlamentar existia na Constituição originária, mas foi retirada pela emenda constitucional 35 em 2001. Então, nós estamos falando aí de algo que era retrocesso há 24 anos. Essa previsão de licença para julgamento perante o Supremo e as demais mudanças trazidas pela proposta, simplesmente, inviabilizam o julgamento, a apuração de responsabilidade dos nossos representantes.

Roberto Dias, professor de direito da FGV-SP

A gente vai ter um grande retrocesso do ponto de vista de controle dos atos praticados por esses parlamentares. A gente tem uma série de violações aí. Uma primeira violação é o princípio da igualdade, porque todas as pessoas podem ser processadas criminalmente e o parlamentar não poderia mais ser.(…) Não faz nenhum sentido ter pessoas de primeira categoria, que seriam os parlamentares, e as de segunda categoria, que seriam todos os outros cidadãos brasileiros. que podem ser processados sem autorização de quem quer que seja.

Há um retrocesso em relação à transparência, até porque a decisão é por um voto secreto, o que me parece absolutamente inconstitucional na medida em que a própria Constituição tem como um dos seus princípios básicos a ideia da publicidade dos atos, e aqui a gente está falando do próprio controle da população dos atos do Parlamento, ou seja, é fundamental que o eleitor saiba como votou o seu representante. Tudo isso viola, em algum sentido, a separação de Poderes na medida em que você está tirando a possibilidade, em forte medida, de controle pelo judiciário de atos praticados pelo parlamento.

Wilton Gomes – Doutor em Direito Público pela USP

A chamada PEC da Blindagem ultrapassa, e muito, os limites da sadia e razoável proteção à função parlamentar. Traz um aumento significativo e desproporcional das imunidades parlamentares, fortalecendo o corporativismo e a impunidade. O objetivo e a finalidade da imunidade parlamentar deixam de ser a preservação da independência da importante função do deputado ou senador e passam a se tornar um instrumento para inviabilizar ou dificultar o processamento, em especial criminal, desses agentes políticos.

O que se busca com esta PEC está longe de ser a independência parlamentar; pretende-se, sim, assegurar a não responsabilização criminal pelos seus atos. Nestes termos, não há dúvidas de que a PEC da Blindagem, se aprovada, será julgada inconstitucional, pois viola sim os princípios da separação dos Poderes, isonomia e razoabilidade.

Com relação ao tema da Separação dos Poderes, inúmeras legislações também já foram consideradas inconstitucionais, por exemplo, em razão de vício de iniciativa. Da mesma forma, importante verificar que, em 1990, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional dispositivos da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que ampliavam os poderes e prerrogativas dos parlamentares estaduais no processo de intervenção estadual, face a violação ao princípio da separação de Poderes.

Antônio Carlos de Freitas Jr., doutor em Direito Constitucional pela USP

É possível que uma PEC possa ser considerada inconstitucional. Não por violar a Constituição, já que ela a modifica, mas por afrontar a vedação contida no art. 60, §4º, que impõe a impossibilidade de alteração de certas matérias — o que chamamos de cláusulas pétreas. No caso, teria que ser analisado se ela viola a cláusula pétrea da separação de Poderes. É claro que a PEC não extingue a separação de Poderes, porque não concentra todos os Poderes em um único órgão. Mas também não é possível aprovar uma emenda tendente a abolir.

O grande problema é que essa imunização mais gravosa pode, de certa forma, neutralizar o controle jurídico do Legislativo pelo Judiciário. O sistema de separação de Poderes é um sistema de freios e contrapesos, no qual um Poder consegue impor limites ao outro. É um mecanismo de empurra e segura. Quando você reduz demais a possibilidade de um Poder controlar o outro, esse Poder se torna imparável — o que viola a separação de Poderes. Não pode existir um Poder absoluto que não seja controlado de alguma forma, assim como também não pode haver um Poder que controle outro de maneira absoluta.

Leonardo Quintiliano, doutor em Direito Constitucional pela USP

Do ponto de vista material, a PEC não pode ser considerada inconstitucional, embora altamente reprovável e digna de revolta da população, pois o foro privilegiado e a votação secreta já são instrumentos utilizados e previstos na Constituição Federal.

O problema está, a meu ver, na violação ao Regimento Interno da Câmara, pois o artigo 122, mesmo após a mudança pela Resolução 21/2021, manteve a redação original que já dispunha sobre a possibilidade de apresentação de emenda em plenário, para apreciação em turno único. Ou seja, não há previsão para emenda aglutinativa após aprovação do texto em primeiro turno de votação.

Adriana Cecílio – Professora de Direito na Uninove

A PEC é flagrantemente inconstitucional. Ela viola o princípio da inafastabilidade da jurisdição, disposto no art. 5°, inciso 35: ‘A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’. A PEC torna os parlamentares “intocáveis”, algo que também fere o art. 19, inciso 3, da Constituição, que estabelece o dever de igualdade no tratamento entre os cidadãos brasileiros.

A proposta interfere diretamente em uma função específica do Poder Judiciário, que é a função de julgar. Ao criar empecilhos para o exercício da prestação jurisdicional, os parlamentares tanto sequestram o direito de ação dos cidadãos e do Ministério Público, como impedem que o Poder Judiciário possa cumprir a sua missão institucional, que é aplicar o Direito.

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2025/09/19/pec-da-blindagem-inconstitucional-especialistas-opinam.htm

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