PORTFÓLIO
Projeto propõe mudança na tributação de investimentos em bolsa de valores
Proposta, em tramitação na Câmara dos Deputados, cria imposto único retido na fonte, nos moldes da antiga CPMF
Por Marcela Villar — São Paulo
Um projeto de lei (PL) em trâmite na Câmara dos Deputados busca mudar a tributação dos investimentos em bolsa de valores. De autoria do deputado federal Sidney Leite (PSD-AM), o texto trata da criação de um Imposto de Renda Retido na Fonte em Renda Variável (IRVariável) com alíquota de 0,075%, que incidirá uma única vez sobre todos as operações de compra e venda que envolvam renda variável no mercado de capitais — mesmo quando houver prejuízo.
Segundo especialistas, o tributo seria uma espécie de “Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF)” da bolsa. Na visão deles, o texto simplifica a cobrança de impostos e a emissão de documentos de arrecadação, bem como a fiscalização por parte da Receita Federal Fisco, mas não respeita a Constituição Federal nem o Código Tributário Nacional (CTN) por contrariar o conceito de renda.
Pela proposta em análise na Câmara, IRVariável será cobrado sobre qualquer operação de renda variável na bolsa ou em mercados de balcão, futuros, de opções, de contratos a termo ou daytrade (operações de curtíssimo prazo, em que a compra e a venda acontecem no mesmo dia), independentemente de lucro ou prejuízo.
Hoje, pela Lei nº 11.033/2004, o tributo é cobrado todos os meses apenas sobre os ganhos líquidos dos investidores. A alíquota padrão é de 15%, sendo majorada em 20% para daytrade. A exceção são os ganhos inferiores a R$ 20 mil, isentos pelo Imposto de Renda.
Existe ainda o imposto “dedo-duro”, cuja função é “delatar” para a Receita Federal a movimentação do investidor nas aplicações de renda variável. Através dele, as corretoras recolhem o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre os ganhos de operações, com alíquota de 0,005%. Para daytrade, sobe para 1%.
O projeto revogaria essas previsões legais para instituir um tributo “dedo duro” com alíquota de 0,075%. O deputado Sidney Leite elenca como objetivos o aumento da arrecadação tributária federal e “desburocratização no recolhimento de imposto de renda a partir da elevação da alíquota simbólica em trinta vezes”.
“Espera-se que tal medida aumente a atratividade do mercado de renda variável, aumente a arrecadação e reduza os custos de transação para contribuinte e Estado, haja vista que o atual recolhimento do IR-Fonte simbólico é plenamente efetuado pelas instituições que integram o mercado”, diz o deputado, na justificativa do PL.
Apresentado em março, o texto está agora na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), sob relatoria do deputado federal Adail Filho (Republicanos-AM), que dará um parecer. Ainda é preciso passar pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), pelo Senado e sanção presidencial para se tornar uma lei. Não foram propostas emendas.
Para o tributarista Maurício Braga Chapinoti, do escritório Gasparini, Nogueira de Lima, Barbosa e Freire Advogados, a proposta é “absurda” e “inconstitucional”. Fere tanto a Constituição Federal quanto o Código Tributário Nacional. “Não há como criar uma tributação sobre a renda que deixa expresso no próprio texto legal que haverá tributação independente de lucro. Isso fere o conceito de renda do artigo 43 do CTN e da Constituição”, afirma.
Se aprovada, Chapinoti diz que é provável surgirem questionamentos ao Poder Judiciário e dificuldade no financiamento interno do Brasil. “O mercado de operações em bolsas de valores deve ser incentivado e não tributado, por se tratar de uma alternativa democrática de investimento de capital”, completa.
Rodrigo La Rosa, coordenador de Mercados do escritório Simões Pires Advogados, afirma que o tributo lembra a CPMF e não poderia ser aplicado se houvesse prejuízo. “Não é um imposto sobre renda, é um imposto sobre transação de compra e venda e não tem restituição em casos de prejuízo. Acaba sendo uma retenção, de caráter confiscatório e inexiste fato gerador, pois não tem renda”, diz.
O aspecto positivo do projeto é a desburocratização da documentação tributária, assim como uma redução do contencioso sobre o assunto, pois o tributo a pagar seria igual para todas as operações de renda variável. Para investidores de longo prazo, também seria benéfico, avalia La Rosa, pois o imposto só seria cobrado com a compra das ações e venda anos depois – e não sobre os ganhos mensais, quando houver. Já para traders, o custo poderia aumentar, pois a tributação ocorreria mesmo em casos de prejuízo. O advogado lembra ainda que o projeto não propõe mudanças na tributação dos investimentos de renda fixa.
Ao Valor, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) afirmou estar acompanhando as discussões legislativas sobre o PL “para entender os possíveis impactos”, mas ainda analisa o texto em conjunto com representantes do mercado.
Procurados, os deputados Sidney Leite e Adail Filho não deram retorno até a publicação da matéria, assim como a B3.