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Processo de sucessão familiar cresce no setor de franquias
Com faturamento recorde de R$ 121,77 bi no primeiro semestre, segmento acumula cases de sucesso, mas enfrenta inúmeros desafios. Especialistas alertam sobre particularidades do ramo e dão dicas para garantir continuidade dos negócios
Empresas com perfil familiar são maioria no Brasil, mas nem sempre resistem aos desafios impostos pelo tempo. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que a maior parte, 89%, não vai adiante após a terceira geração. À margem das estatísticas, o setor de franquias tem se destacado com o movimento de sucessão familiar.
Esse processo, no qual a administração dos negócios é passada de geração em geração, tem desempenhado um papel crucial para a continuidade e o sucesso dos empreendimentos, que reúnem mais de 3 mil marcas e alcançaram um faturamento recorde de R$ 121,77 bilhões no primeiro semestre de 2024.
A sucessão familiar, comumente vista em empresas tradicionais, está conquistando espaço entre franqueados. Segundo uma pesquisa da PwC Brasil, divulgada em 2023, 45% das empresas familiares no país já contam com a segunda geração envolvida na gestão ou operação do negócio. O que antes era uma prática comum em pequenos negócios familiares agora representa uma sólida estratégia de crescimento no setor de franquias.
Esse tipo de transição pode ser comparado a uma grande maratona: a primeira geração prepara o terreno, enfrenta os primeiros desafios e cria uma base sólida, enquanto a nova geração assume o bastão, mantendo o legado, mas trazendo uma visão moderna. O processo se reflete no setor de franquias, no qual o conhecimento e o compromisso com a tradição se unem à inovação tecnológica e a um entendimento atualizado do mercado.
No Brasil, essa transformação é benéfica para os negócios, uma vez que a nova geração de gestores tende a estar alinhada com as novas tendências e tecnologias que favorecem a competitividade das empresas.
Para Amanda Ramalho, advogada especializada em direito empresarial e compliance, o modelo de franquias é atraente por sua capacidade de manter qualidade e padrões rigorosos de marca. “Além disso, é necessário um processo constante de inovação para que o negócio permaneça atrativo. Com a sucessão familiar, é possível preservar a base de clientes e processos já estabelecidos ao longo do tempo”, observa.
Contudo, a advogada destaca a importância de um planejamento estruturado para evitar conflitos. A falta de preparação e de cláusulas bem definidas podem comprometer a parceria entre franqueador e franqueado, caso os herdeiros não estejam alinhados aos valores e padrões da marca.
(foto: Editoria de Arte CB)
Desafios
O processo de sucessão familiar no setor de franquias, embora promissor, possui características específicas que podem tornar a transição complexa. Ao contrário de empresas tradicionais, em que a troca de controle ocorre sem grandes entraves, nas franquias há a presença de contratos específicos que precisam ser respeitados.
Ana Clara Martins Fernandes, advogada especialista em direito de família e sucessões, destaca que as franquias possuem uma natureza “personalíssima”, na qual a aprovação do perfil do franqueado é essencial para a continuidade do contrato.
“A sucessão nas franquias deve considerar as regras do contrato, pois o franqueador autoriza o uso da marca com base na confiança no franqueado. Na ausência de cláusulas específicas, o contrato pode até mesmo ser encerrado, exigindo que os herdeiros passem pelo mesmo processo seletivo para manter a franquia”, explica a especialista. Por isso, o planejamento sucessório nas franquias deve contemplar cláusulas de sucessão no contrato, reduzindo as chances de disputas e garantindo uma transição harmônica.
Histórico de sucesso
Várias histórias de sucesso mostram o impacto positivo da sucessão familiar no setor de franquias no país, com empresas que abraçaram o processo de transição entre gerações e fortaleceram suas operações. O Grupo Hope é uma representação vívida de como passar o bastão a um herdeiro pode transformar um negócio. O fundador, Nissim Hara Chayo, que morreu em 2020 aos 82 anos, começou produzindo e vendendo peças íntimas na década de 1950, e seu talento para vendas foi essencial para a expansão da marca.
Na década de 1990, as filhas Sandra, Karen e Daniela entraram na empresa, modernizando a imagem da marca com novas campanhas e estratégias, como o uso de celebridades. “Não estava nos meus planos dirigir a Hope”, revela Sandra, que, formada em arquitetura, acabou se envolvendo no negócio. Hoje, com mais de 200 lojas no Brasil, a Hope é um exemplo de como a sucessão familiar pode dar novos rumos a uma marca, mantendo o legado, mas trazendo uma nova visão de mercado.
Outro exemplo é o de Roberto Nakanishi, franqueado da rede Água Doce Sabores do Brasil. Após anos trabalhando no Japão, ele e a esposa retornaram ao Brasil e abriram uma unidade da franquia em Maringá, no Paraná. O casal incorporou o filho Vinícius na gestão, preparando-o para assumir gradualmente a administração.
“Desde cedo, Vinicius passou por um treinamento focado na gestão administrativa. Ele está preparado para dar continuidade ao negócio da família e, juntos, já estamos prospectando uma nova operação voltada para o delivery”, revela Roberto.
José Augusto Babini, franqueado da rede Divino Fogão, também ilustra como a sucessão familiar pode fortalecer as operações. Com quatro lojas no Recife e uma em Campo Grande, Babini conta com o auxílio dos filhos, que administram parte das unidades. “Tê-los comigo permite que estejamos mais próximos e traz novas ideias ao negócio. Naturalmente, o processo de sucessão está em curso e quem sabe no futuro meus netos também sigam nossos passos”, afirma Babini. Para ele, o ciclo de sucessão não apenas fortalece a empresa, mas também reforça os laços familiares, mantendo a tradição e a identidade do negócio.
No caso de Iara Dietrich, franqueada da Rockfeller, essa transição já está em curso, com a filha Maria Clara assumindo um papel central na gestão e expansão da escola de idiomas. Enquanto Iara, aos 62 anos, segue ativa e engajada, ela reconhece a importância de preparar a filha para o futuro.
“Ainda não me vejo fora dos negócios, mas quando esse momento chegar, terei a tranquilidade de saber que Maria Clara estará bem encaminhada, pronta para seguir com o legado que construímos juntas”, afirma Iara. Esse processo gradual de sucessão não apenas garante a continuidade do empreendimento, como também fortalece os laços entre gerações, que proporciona uma base sólida para o futuro da empresa.
Contratos
Apesar dos exemplos bem-sucedidos, o processo de sucessão familiar no setor de franquias exige uma preparação cuidadosa e cláusulas bem definidas nos contratos. Paulo Bardella Caparelli, advogado especialista em M&A e franquias, explica que o processo deve seguir um rito semelhante ao das demais empresas, mas a personalização do contrato permite ajustar as condições de acordo com as necessidades específicas de cada caso.
“Se uma cláusula prever o encerramento do contrato em caso de falecimento, o franqueado deve estar ciente das consequências e assegurar a continuidade do negócio com um planejamento prévio”, ressalta Caparelli. No caso das franquias, esse planejamento pode envolver desde a preparação gradual do sucessor até a criação de um sistema de governança que facilite a transição.
A advogada Ana Clara Fernandes sugere também a criação de cláusulas de sucessão, que previnam disputas e ofereçam segurança jurídica tanto ao franqueador quanto aos herdeiros. O objetivo é permitir que a nova geração assuma as rédeas do negócio sem comprometer a qualidade dos serviços e a parceria estabelecida com o franqueador.
A sucessão familiar proporciona às franquias uma base sólida para a inovação. À medida que a nova geração traz um olhar mais moderno e integrado às tecnologias, o negócio ganha força para acompanhar as mudanças do mercado. Com isso, as franquias conseguem preservar a base de clientes e a identidade construída ao longo dos anos, ao mesmo tempo que inovam.
Sandra Chayo, da Hope, comenta sobre sua experiência pessoal ao assumir a empresa da família: “Ao perceber que poderia contribuir positivamente para o negócio, nunca mais olhei para trás. Conquistei minha posição por mérito e valorizo a governança e a sucessão bem planejada.” Sandra reflete a mentalidade das novas gerações, que enxergam na governança uma ferramenta para fortalecer os laços familiares e garantir a continuidade do legado.